A ética não possui qualquer vínculo metafísico, afirmam autores como Eduardo C. B. Bittar e Guilherme Assis de Almeida (*) preocupados em encontrar o eixo comum à moral, à justiça e ao direito. Acreditam que a conduta ética, que deveria contaminar o senso de justiça e, por extensão, as leis (que seriam as normas resultantes dessas percepções) exige empenho árduo.
Isso significa que a ética não advém de uma revelação divina. Não é crença religiosa. Ao contrário, as religiões é que resultam da idéia de moral que os indivíduos, em conjunto, são capazes de elaborar. Ética tampouco é característica inata, ou resultante de “experiência sensorial”, mas, ao contrário, atributo construído a partir de recursos empíricos.
Isso significa que a ética não advém de uma revelação divina. Não é crença religiosa. Ao contrário, as religiões é que resultam da idéia de moral que os indivíduos, em conjunto, são capazes de elaborar. Ética tampouco é característica inata, ou resultante de “experiência sensorial”, mas, ao contrário, atributo construído a partir de recursos empíricos.
Onde estavam a ética, a justiça e o direito quando o ex-presidente Lula, o ministro do Supremo Gilmar Mendes e o ex-ministro de Estado e também do STF Nelson Jobim resolveram confabular sobre a CPMI do Cachoeira e o processo do Mensalão é uma pergunta que paira sobre nossas mentes nos últimos dias.
A razão os aconselharia a não levar adiante o encontro. Ao menos, não com a pauta de assuntos prevista. Mas, como já estamos percebendo, não é apenas a razão que informa o que é certo ou errado, o “justo ou o injusto”, para tomar novamente palavras de Bittar e Assis de Almeida. É também a experiência que indica o caminho correto a seguir, uma conclusão que não os exime - muito ao contrário.
A vivência somada à razão, tendo como síntese a conduta adequada, indicaria que um ex-presidente não deve intervir em assuntos de Estado. Nem em questões jurídicas, sobretudo com reflexos diretos no governo. Em hipótese alguma a intervenção seria eticamente adequada, mas muito menos se feita nos bastidores – o que dá ao contexto um desconcertante ar de clandestinidade.
Um ex-ministro de Estado e ex-presidente do Supremo deveria resistir à vaidade e não aceitar ser o coordenador de uma reunião com a referida temática, no referido contexto. Mesmo que a experiência – de ter “emendado” à Constituição sorrateiramente e de próprio punho, como já confessou – o induza a pensar que a ética é volátil e que, digamos, os “pequenos deslizes” até compensam se os objetivos forem elevados. A propósito, eram os objetivos elevados?
Por fim, um ministro do Supremo, ex-presidente do Tribunal, não vai a um encontro, em escritório privado, sem saber qual é a pauta da conversa. Em verdade, não deveria ir jamais, pois não é papel de magistrado, menos ainda de ministro do STF, deslocar-se para banca de advogado. Se ciente dos assuntos que seriam tratados ali, motivo a mais para não comparecer. É o que a razão somada à experiência nos indica.
Mas, aparentemente, os “recursos empíricos” dos três falharam. Ou isso ou obedecem a outra lógica, com parâmetros próprios que evidentemente não são os que motivam este artigo.
O episódio tem um fato agravante: como as versões são contraditórias, é certo que um dos “amigos” está mentindo. Vale salientar: um ministro do Supremo, um ex-presidente da República ou um ex-ministro de Estado e também ex-presidente da Corte Constitucional está mentindo sobre um episódio que pode ser sumariamente definido como tentativa de interferir no curso de um ou mais processos nas esferas do Judiciário e do Legislativo.
Consultoria política, ou seja, a argumentação junto a esferas do poder em prol de determinado projeto, programa ou ideia, é prática mais do que legítima. Deveria inclusive ser regulamentada, em benefício da transparência, pois é razoável que a sociedade, ou segmentos da sociedade, busque interagir com a classe política e com diferentes instâncias da máquina pública. Mas ali o que ocorreu, a julgar pelo relato do ministro do Supremo (o mais plausível e realista, embora tardio), foi a tentativa de um acerto insólito (não me ocorre termo mais brando). Detalhe: em consultoria politica lícita, não cabe chantagem nem negociata.
Retomando o intróito desse texto, esse não é um debate metafísico - embora alguns de seus personagens se vejam como semi-deuses (ou como o próprio Deus). É da prática da ética que estamos tratando aqui. Tarefa complexa: como falar da conduta de três integrantes da alta esfera da República sem parecer arrogante, tolamente professoral? (e aqui vão pedidos antecipados de desculpa). O certo seria usar este espaço para falar das eleições que se aproximam, mas há ânimo para tanto?
Vejamos então o que dizia David Hume (1711-1776), igualmente preocupado com a temática:
“A finalidade de toda especulação moral é ensinar-nos nosso dever, e, pelas adequadas representações de deformidade do vício e da beleza de virtude, engendrar os hábitos correspondentes e fazer-nos evitar o primeiro e abraçar a segunda”.
Entenderam?
Por Nilson Mello
*Sobre Eduardo C. Bittar e Guilherme Assis de Almeida ver “Curso de Filosofia do Direito”, Ed. Atlas, 9ª Edição.
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