sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Artigo


A mudança de rumo
Levy tem como missão melhorar a gestão dos gastos públicos

Os 54,4 milhões de brasileiros (51,64% dos votos válidos) que votaram na presidente Dilma Rousseff no segundo turno da eleição presidencial deste ano têm o direito de se sentir traídos com a escolha da nova equipe econômica, sobretudo a de Joaquim Levy para comandar a Fazenda. Podem até cobrar explicações pelo engano a que foram induzidos (é o tal negócio, por que não se informaram melhor sobre a situação do país, não é mesmo?). De qualquer forma, não devem ficar pessimistas. Ao contrário.

Quando a candidata e o seu partido afirmavam – não apenas na campanha, mas ao longo dos quatro anos do governo iniciado em 2010 - que ia tudo bem na economia estavam, na verdade, mentindo. Do contrário, não seria preciso uma guinada de 180º agora. Deveriam pedir desculpas aos brasileiros.

Os que votaram em Aécio Neves - cerca de 51 milhões de eleitores - podem se sentir aliviados. E comemorar. Se a economia caminhava para um colapso de difícil reversão, ou reversão lenta e a um altíssimo custo, por conta da inflação elevada, do baixo crescimento e da degradação das contas públicas (variáveis que, claro, têm íntima relação de causa-e-efeito entre si), as perspectivas começam a melhorar. Eis aí um promissor estelionato eleitoral.

Não é o primeiro. Luiz Inácio Lula da Silva também não fez o que prometia na economia quando foi eleito em 2002. Manteve distância do que o PT sempre preconizou para a área econômica. Ao assumir, em 2003, deu sequência ao programa do PSDB e com ele, ou graças a ele, chegou ao segundo mandato. Jamais reconheceu a (bem-vinda) incoerência ou renegou o plano anterior, talvez cinte de que a maioria do eleitorado não se daria conta do “truque” ou não se importaria com ele.

Convenhamos, se o PT continuar a fazer na economia tudo diferente do que pregam seus economistas e ideólogos, estaremos a salvo.

Com Levy oficialmente anunciado e prometendo metas factíveis de superávit em 2015, diante do estrago apresentado em 2014, o mercado financeiro já deu sinais de otimismo esta semana. Racionalidade econômica conduz ao equilíbrio fiscal e garante ambiente mais seguro para os investidores. São pressupostos para a estabilidade e o crescimento sustentável, algo agora assumido pela presidente reeleita, a despeito de ter feito tudo contrariamente a esses princípios durante quatro anos.

Doutor pela Escola de Chicago e, portanto, identificado com o pensamento liberal e a ortodoxia no trato das contas públicas, Levy é a personificação da mudança de rumo – o “Mãos-de-Tesoura” que as circunstâncias exigem. O eixo da política econômica voltará a ser a responsabilidade fiscal, com melhor gestão dos gastos, visando à reconquista da credibilidade. Então, os eleitores de Dilma podem até se revoltar, mas que se revoltem contra a governante, o governo e o partido que os ludibriou durante quatro anos e que encurralou a economia do país.

Por Nilson Mello

Em tempo:

A questão agora é saber se Joaquim Levy e a nova política econômica resistirão às pressões do PT e ao próprio protagonismo da presidente da República. A hipótese de o novo ministro ser afastado às vésperas de 2018, dando lugar novamente ao neopopulismo, após sanear as contas públicas, também não é de toda remota.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Artigo

O Legado

Neste período de transição para o segundo mandato, começa a haver consenso nas áreas técnicas do próprio governo de que não se cresce com inflação e que o seu efetivo controle pressupõe uma política fiscal mais responsável, com redução significativa de despesas.

Teria sido esse, aliás, o principal ajuste aludido pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha, quando a sua vitória ainda era incerta.

Se confirmado o diagnóstico otimista do primeiro parágrafo, os mais refratários, quando o assunto é austeridade, precisarão reconhecer que a tarefa de conter o aumento dos preços não pode ser uma batalha solitária da política monetária – a política de juro, a cargo do Banco Central.

Até porque, quanto mais isolado estiver o BC, como ocorreu nos últimos tempos, maior será o custo desse esforço, representado por novas rodadas de aumento da Selic (a taxa básica) e/ou sua manutenção em patamares elevados. Já foi dito aqui que juro alto é sintoma e “remédio” ao mesmo tempo.

É sinal de que há uma disfunção na economia, ou seja, demanda por bens e serviços maior do que a capacidade de oferta, pressionando os preços. E é também um instrumento (a medicação) para reverter esse descompasso. Está claro que juro muito alto é tão nocivo quanto a inflação, em determinados casos até mais prejudicial. Mal necessário.

Aqueles que diziam – e foram muitos dentro do governo a fazer isso – que a inflação no Brasil tinha causas externas estavam simplesmente mentindo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e, portanto, a variação de seus preços tem essencialmente causas internas.

Não faz sentido manter os impulsos fiscais de um lado, como vem fazendo o governo – na crença de que eles ativam o consumo e aceleram o crescimento –, enquanto que, na outra frente, a monetária, o BC “enxuga gelo”, puxando os juros para cima. A esquizofrenia na política econômica chegou ao limite, sem qualquer resultado.

Havendo consenso de que é preciso ajustar a política fiscal, o problema passa a ser definir o que cortar, uma vez que a maior parte do orçamento da União está comprometida com as receitas vinculadas, constitucional e legalmente determinadas.

A propósito, qualquer reforma de fundo no Brasil deve procurar desatar essa camisa-de-força, uma vez que ela compromete a capacidade discricionária do gestor público e as próprias políticas de Estado. Mas esse é um debate de longo prazo, dada a sua magnitude e os obstáculos políticos inerentes. As medidas emergenciais não podem esperar reformas estruturantes.

Então, o que é possível cortar de um ano para o outro? Os investimentos não podem ser cortados, ao menos não significativamente. Eles são imprescindíveis para a retomada do desenvolvimento (sobretudo se considerarmos que o setor público já investe muito pouco, apenas 3% do PIB), bem como para o aumento da produção e da produtividade, algo que, paralelamente, também contribui para o combate à inflação na medida em que reduz o descompasso entre demanda e oferta.

Restam, portanto, as despesas de custeio, o que incluem as destinadas à manutenção dos serviços criados anteriormente à Lei Orçamentária do ano em questão e que correspondem às de pessoal, de material de consumo, de serviços terceirizados e de gastos com obras de conservação e adaptação de bens imóveis, entre outros.

Não é tão difícil assim fazer cortes de custeio, mas a tarefa exige critério técnico e, claro, vontade política. Terá o novo governo Dilma Rousseff esses dois predicados? Muitos cargos comissionados (pessoal carreado, em levas, para o governo central sem concurso e por isso sem estabilidade) teriam que ser eliminados. No curto prazo, trata-se de uma providência prioritária para a aguardada retomada da credibilidade.

Mas esses cortes por si só talvez não sejam suficientes. O reequilíbrio implicaria, então, um aumento da tributação. Não é por outra razão que a volta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis e da CPMF já é dada por muitos especialistas em contas públicas como certa.
O segundo mandato começaria então com juro elevado e, apesar dele, inflacão alta; e, ainda, rombo nas contas externas, dólar em subida aspiral (em parte por conta da perda de confinaça), desequilíbrio fiscal e, por força da necessedidade de arrumar a casa, mais tributos.

Que legado, hein presidente eleita! Até o número de miseráveis no país voltou a aumentar, conforme dados da semana passada, e a despeito da disseminação do Bolsa Família.  Não há desenvolvimento social perene sem crescimento econômico sustentável, o que pressupõe equilíbrio fiscal.

Por Nilson Mello


Sobre o ajuste indispensável, vale a leitura dos artigos “A qualidade do ajuste fiscal”, de Bernard Appy (ex-integrante do governo), e “A presidente em seu labirinto”, de L.C. Mendonça de Barros, que podem ser acessados pelos dois links abaixo.
Links para os Artigos indicados:



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Artigo


Por partes, como Jack, o estripador
 
     A senadora Marta Suplicy deixou o Ministério da Cultura esta semana atirando contra o governo e criticando aquilo que considera uma má gestão dos assuntos econômicos. Adotando tom irônico em sua carta de renúncia, fez votos para que a presidente reeleita reconduza - no mandato que se iniciará em janeiro - o país a um ambiente de “crescimento sustentável”, algo que, definitivamente, não ocorreu na atual gestão.
Marta Suplicy foi a ministra que, em 2007, à época titular da pasta do Turismo, recomendou àqueles que enfrentavam as intermináveis filas nos aeroportos nacionais que “relaxassem e gozassem”. As filas com certeza não melhoraram de lá para cá e a própria autora do conselho, a julgar pelas suas palavras de despedida de Brasília, percebeu que é impossível chegar ao, digamos, “clímax” quando tudo no entorno se deteriora, a começar pelos indicadores econômicos e sociais.
A mudança da postura debochada de então para a assertiva contundente de hoje não deixa de ser algo a ser comemorado por todos, mesmo por aqueles que jamais votaram na senadora.  As urnas mostraram que ao menos metade dos eleitores e cidadãos está farta da retórica e quer resultados.
 O fato de um ministro só apresentar a sua carta de demissão e vir a público reconhecer o fracasso do governo do qual fez parte quando já sabe que não participará da nova equipe não deixa de ser curioso. Oportunismo? Dizem que Marta Suplicy deixará o PT e irá para o PMDB como candidata à Prefeitura de São Paulo. Alguma diferença, entre os dois partidos hoje?
Outro que também se rebelou, porém, de forma mais reservada, contra o governo do partido que lhe garantiu a projeção que o mérito até então não fora capaz de proporcionar foi o ministro do Supremo Dias Toffoli. Informa a coluna Radar On Line desta sexta-feira que, em jantar com senadores na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, Toffoli fez duras críticas às manobras promovidas pelo governo para escapar ao cumprimento das metas fiscais. Outra evolução a ser reconhecida.
Em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal podemos dizer, agora, sem incorrer em qualquer injustiça ou ser leviano, que a presidente Dilma Rousseff e a sua equipe econômica, em especial o ministro Guido Mantega, mentiram ao ter repetido ao longo do ano e, de forma mais categórica, durante a campanha eleitoral, que a meta de 2014 seria cumprida.
Cinco dias apenas após as urnas serem abertas, o governo admitiu que a meta fiscal do ano não seria alcançada e o superávit primário – economia para pagar juros da divida pública –,  abandonado. A mensagem com a alteração da Lei Orçamentária já foi encaminhada ao Congresso, o que deve rendar uma rodada extra de negociações dentro do modelo do “toma-lá-dá-cá”. Ora, seria muita ingenuidade achar que o Congresso não tentará tirar o maior proveito da situação de fragilidade do governo nesta questão.
O pior cenário é o que Dias Toffoli esboçou na reunião com os senadores. Se nem o governo central cumpre as metas que estabelece, por que estados e municípios o fariam? Como bem lembrou o ministro, o descumprimento da meta de 2014 pode significar, na prática, o inicio do fim da Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos pilares da era do real. O governo que já havia conseguido a proeza de combinar inflação – hoje superando o teto do regime e beirando os 7% - com baixo crescimento do PIB (provavelmente 0% no ano) alcança agora mais este “feito”.
Um dado que comprova o grau de estagnação a que economia chegou foi divulgado hoje: as montadoras de automóveis, “xodó” do governo nas irresponsáveis desonerações fiscais e nos impulsos ao crédito, já demitiram mais de 12,6 mil trabalhadores este ano. Se um setor que conta com as benesses do “capitalismo de estado” do PT dá sinais nítidos de degradação, o que dizer dos segmentos que precisam sobreviver exclusivamente de sua competitividade e eficiência em meio a um ambiente econômico instável e incerto.
Em seu discurso de vitória, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a economia estava, de fato, precisando de ajustes, sobretudo na área fiscal, e que o rigor no combate à inflação não seria abandonado. Mais uma curiosidade: até as eleições, a propaganda nos fazia crer que tudo ia bem, e que os eventuais percalços tinham causas externas.
Muito bem, reconhecidos os problemas, o que se esperava, a partir de agora, era o esboço de uma reforma ministerial profunda, de preferência com redução do número de pastas. E feita a partir de nomes de reconhecida competência, capazes de devolver a credibilidade que o governo perdeu e da qual tanto precisará para combater a inflação e fazer o país voltar a crescer – como candidamente pediu Marta Suplicy em sua carta.
Mas, contrariando o discurso inicial – numa incongruência que se tornou sua marca nesses quatro anos - eis que ontem a presidente voltou a dar sinais de indecisão e, parodiando Jack, o estripador, disse que fará “uma reforma por partes”, como se os problemas do Brasil não tivessem mais tanta urgência.
Por Nilson Mello

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Artigo

Currais eleitorais?



     A vitória do governo no Nordeste no segundo turno da eleição presidencial por larga margem de diferença (mais de 70% dos votos válidos) nos obriga a reconhecer o impacto dos programas de inclusão social, em especial o Bolsa Família. O diagnóstico vale também para o Norte e para estados de regiões mais ricas onde a candidata da situação também saiu vencedora.
A significativa distância que separa os mais pobres dos mais ricos no Norte de Minas e nos vastos bolsões de baixa renda do Rio de Janeiro, principalmente nas comunidades carentes da Região Metropolitana, foi, como sabemos, igualmente um fator determinante. Claro que onde há baixa renda, há menos escolaridade e, consequentemente, mais possibilidade de manipulação. Mas isso nem é o que importa na presente reflexão.
Ainda que o PT tenha transformado tais ações sociais em instrumento de um assistencialismo reprovável, dado o viés demagógico e o pragmatismo político a elas associados, o fato é que, num país tão desigual como o Brasil, programas de inclusão não são apenas importantes, mas indispensáveis pelo seu caráter humanitário. Como fomos capazes de deixar um contingente tão grande de brasileiros sobrevivendo em condições indignas por tanto tempo?
O PT e este governo que agora se prepara para um difícil segundo mandato não devem ser criticados pelo Bolsa Família ou por seus congêneres. Programas de inclusão social são uma obrigação moral de governos no Brasil. A propósito, não se tem notícia de que o PSDB de Aécio Neves, criador do Bolsa Escola,  seja contrário a essas iniciativas.
A crítica que o PT e o atual governo devem merecer é pelo fato de não terem feito muito além disso. E também por terem desarmado o que vinha funcionando. Programas sociais são um paliativo e como tal devem ser transitórios. Quando se tornam ação política a ser expandida por longo prazo e a perder de vista, algo há de errado – de muito errado.
Governos realmente comprometidos com a sociedade devem dar aos programas sociais um prazo de validade, uma vez que a sua expansão e longevidade são atestados do próprio fracasso do Estado. Ou seja, se tudo está correndo bem os programas de inclusão social são paulatinamente reduzidos. Se, ao contrário, são massivamente ampliados, é sinal de disfuncionalidade.
Em 12 anos de “gestão” – dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e um de Dilma Rousseff – os governos do PT falharam em duas frentes fundamentais: na economia, onde não garantiram a permanência de parâmetros que vinham dando certo, coma a responsabilidade fiscal (desarmaram o modelo); na educação, onde não promoveram a revolução da qual o Brasil precisa. (Deixemos de lado por ora o problema da corrupção, haja vista o seu DNA nacional e multipartidário).
O Japão do século XIX e a Coreia do Sul do século XX eram países com grandes contingentes de analfabetos que viriam a se tornar gigantes tecnológicos e industriais num prazo de duas décadas (o que propiciou um extraordinário aumento da renda de seus cidadãos) graças aos investimentos em educação. Por que não tê-los como paradigmas é uma questão que permanece sem resposta.
É uma falácia dizer que as ações sociais e as medidas “anticíclicas” (estímulos fiscais e de crédito para atenuar efeitos de uma crise internacional que, a rigor, há muito já se foi) justificaram ou justificam os excessivos gastos públicos. A irresponsabilidade na “gestão” das contas governamentais estimulou a inflação, agora mais difícil de debelar.
Teria sido possível dar sequência aos programas sociais com mais eficiência, não fosse a notória irresponsabilidade fiscal. Sem uma economia forte e crescimento sustentável, até o Bolsa Família estará um dia comprometido. Se isso ocorrer, o governo – seja lá qual for – terá perdido então o instrumento com o qual, na base do assistencialismo, fomenta “currais eleitorais”. Mas, se chegarmos a este ponto, o retrocesso será de tal ordem que nem a oposição terá motivos para comemorar.

Por Nilson Mello
    

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Comentários do dia

Discurso de vitória - Em seu discurso de vitória na noite de domingo e ontem em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, a presidente reeleita Dilma Rousseff garantiu que, no seu segundo mandato, a partir de janeiro, será intransigente no combate à inflação e não deixará "pedra sobre pedra" nos esquemas de corrupção envolvendo o governo, em especial o que tomou de assalto a Petrobras. Será, portanto, um governo bem diferente do primeiro.

Dilma Rousseff prometeu ainda diálogo franco e aberto com o Congresso e todos os setores da sociedade, afirmando - acertadamente - que deve procurar fazer um governo de união, para todos os brasileiros. 
Este Blog torce para que a presidente reeleita cumpra todas as promessas e faça uma ótima gestão, a despeito das grandes dificuldades que encontrará na economia, haja vista a herança (esta, sim!) "maldita" que produziu como legado para si própria. 
Obs: 1 Sobre os problemas na economia, a leitura do artigo de José Roberto Mendonça de Barros  ("15 fracassos do governo Dilma na área econômica") volta a ser sugerido. O texto stá no link que se segue ao fim desses comentários de hoje. 
Obs  2: Talvez por um ato falho, Dilma Rousseff tenha se referido a si, corretamente, como "presidente", e não como "presidenta". Sinal auspicioso de mudanças?
Obs 3: Reforma política por meio de Plebiscito é uma excrescência jurídica, além de uma afronta política a um Congresso legitimamente eleito. Plebiscitos são cabíveis em questões duais, em que caiba apenas o Sim ou o Não. Exemplo: a favor ou contra o divórcio, a favor ou contra o aborto, a favor ou contra a pena de morte, a favor ou contra o "casamento" gay etc... Em temas complexos, envolvendo uma infinidade de alternativas, como é a Reforma política,  um plebiscito mais confunde do que esclarece, e tende a gerar um Frankenstein institucional. A proposta voltou a ser defendida pela presidente reeleita. Se era para desagradar parlamentares com quem ela promete dialogar, pode ter dado certo. Enfim, o discurso contraditório sobrevive às urnas.

Link para o artigo de Mendonça de Barros:  http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,15-fracassos-do-governo-dilma-na-area-economica-imp-,1582925

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Artigo



Democracia e legitimidade


     A reeleição da presidente Dilma Rousseff neste domingo, com 51,6% dos 105,5 milhões de votos válidos, entre 143 milhões de eleitores que estavam aptos a ir às urnas, foi legítima e incontestável não importando a pequena margem de diferença para o seu adversário ou o fato de sua vitória ter sido decorrência de uma votação mais expressiva nas regiões menos desenvolvidas do país.
     Nas verdadeiras democracias – e o Brasil é uma delas, sem dúvida, após a sétima eleição geral consecutiva livre e direta - os votos têm exatamente o mesmo peso, independentemente da qualidade do votante. Não há, portanto, voto diferenciado.
Da mesma forma, a legitimidade do vencedor em pleitos majoritários não é conferida em dosagem, ou seja, não oscila em decorrência da maior ou menor diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados. Do ponto de vista prático, a maioria mais um tem o mesmo efeito de uma maioria ampla.
Contudo, o desenho da votação em cada região do país associado ao perfil dos eleitores nos permite algumas análises.
A presidente Dilma Rousseff construiu a sua vitória graças às Regiões Norte e Nordeste, onde obteve 56% e 72% dos votos válidos, respectivamente. O opositor Aécio Neves venceu no Sul, Centroeste e Sudeste, onde alcançou, respectivamente, 60%, 58% e 57% dos votos válidos. Na Região Sudeste, uma ressalva: embora tenha vencido no geral, ganhando em São Paulo com boa margem, e no Espírito Santo, o candidato da oposição perdeu em Minas Gerais, seu reduto eleitoral, e no Rio de Janeiro.
A que conclusão chegamos? Se a pergunta fosse direcionada a um militante, simpatizante ou eleitor de Dilma, ele certamente responderia que o Norte e o Nordeste, mais pobres, somados aos extratos menos favorecidos das regiões mais prósperas (Sudeste, em especial), elegeram a candidata do PT porque acreditam que ela fez mais pela sua melhoria de vida – e ainda poderá fazer mais.
De um jornalista militante do PT, ainda antes da votação de ontem, durante o balanço do primeiro turno e no bojo das pesquisas de intenção de voto para a rodada final, ouvi textualmente o seguinte sobre a vantagem da petista nos estados nordestinos: “São Paulo regride, enquanto o Nordeste progride”.
Na contramão da crença ideológica, que turva a lente com que se enxerga o mundo, distorcendo a realidade, encontramos outra explicação mais plausível. A candidata à reeleição conseguiu uma vitória mais expressiva nos estados menos desenvolvidos e nos grotões mais pobres justamente porque, nessas regiões, o nível de escolaridade é mais baixo e, por consequência, menor é a capacidade do eleitor para avaliar erros e acertos.
Se levarmos em conta os enormes problemas que o país enfrenta na economia – um conjunto de indicadores amplamente desfavoráveis, a começar pela inflação e pela ausência de crescimento - e ainda os inúmeros casos de corrupção envolvendo integrantes de governos do PT, com deletérias ramificações nas estatais, a relação entre desinformação e voto em Dilma salta aos olhos – para aqueles que querem ver, evidentemente.
 Acrescente-se a isso o fato de as camadas menos favorecidas da população – e, portanto, menos informadas - estarem mais sujeitas à manipulação e a práticas espúrias como o assistencialismo. Uma menor parcela – como o jornalista citado acima – vota em Dilma por orientação ideológica, e a despeito de todas as incongruências programáticas. Mas esses, claro, são uma minoria. 
Mais uma vez, seria preciso ser completamente desinformado para acreditar – ou ter má-fé para repetir - que os 51,03 milhões de brasileiros (48,4% dos votos válidos) que apostaram em Aécio Neves neste segundo turno são privilegiados e insensíveis que não se preocupam com o bem-estar dos mais humildes, ou com o destino do país. Vale dizer que metade dos eleitores do tucano ganha até três salários mínimos apenas, o que desmonta (mais uma vez, para quem quiser ver apenas) o marketing falacioso.
A propaganda do governo martelou que o voto contra Dilma seria o voto contra os pobres. Numa democracia ainda tão desigual como a brasileira, é a pobreza a mola propulsora do círculo vicioso da política – é dela que se alimentam os maus dirigentes.
Haverá esperança real de mudança quando os nossos governantes passarem a garantir para a educação uma prioridade estratégica, com parâmetros rigorosos de ensino (não foi o que fez o PT em 12 anos). O esclarecimento é o antídoto que depura a democracia, livrando-a de suas impurezas, entre elas o populismo e a demagogia. Não podemos discriminar o voto, atribuindo critérios de legitimidade em função dele. Não seria justo.
Mas podemos qualificar o votante. O processo é demorado, exigirá esforço e paciência, sobretudo dos mais esclarecidos. Enquanto isso, só nos resta reconhecer a legitimidade dos eleitos, preservando as regras do jogo.

 Por Nilson Mello
 
Em tempo:
1. Para um país que quer mudanças, 21,09% é um índice alto de abstenções, sobretudo se somados a votos brancos (3,84%) e nulos (1,71%).
2.A oposição venceu nas regiões mais desenvolvidas. Nos estertores do regime militar, meados dos anos 1970, o governo federal só vencia as eleições nos rincões distantes dos grandes centros urbanos. O discurso oficial de então era parecido com o do PT de hoje: no interior, o povo dá valor às ações do governo.
2.1 Com a costumeira lucidez, Demetrio Magnoli lembra que, em países marcados por grandes desigualdades, os mais pobres, no interior, quase sempre votam no governo.
3. O PT muito se queixa da grande imprensa. A grande imprensa – Veja, TV Globo, Estado de S. Paulo, O Globo etc – de fato crítica os governos do PT - este agora reeleito em particular - e denuncia as práticas políticas que o partido adotou no Poder. E com razão.
4. A propósito, para se defender das denúncias de corrupção, o governo primeiro disse que as acusações eram invenção da imprensa (elitista e reacionária), depois, durante a campanha, mudou o discurso, afirmando que há muitas denúncias porque o governo Dilma manda investigar os desvios. Ou é uma coisa ou outra. O curioso é que a maioria dos desvios que o governo “manda” investigar é praticada por integrantes do próprio... PT ou de pessoas com interconexões com o parido.
5. De outro militante petista, ouvi o seguinte: “A presidente Dilma é ótima oradora”.
6. O PSDB do Rio de Janeiro, sem candidato próprio ao governo, elegeu apenas um deputado federal. O esvaziamento contribuiu para a derrota de Aécio Neves no Estado.
7. O economista José Roberto Mendonça de Barros, didaticamente, elenca os 15 fracassos do governo Dilma, em artigo publicado ontem no jornal O Estado de S. Paulo (ver link abaixo).  http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,15-fracassos-do-governo-dilma-na-area-economica-imp-,1582925

Comentário do leitor:

"Essas eleições deixaram bem claro que o país está dividido, não entre PT e PSDB, mas entre pessoas com instrução formal e pessoas sem ela. Num país assim dividido, a democracia estará sempre a reboque dos demagogos. Essa observação não desqualifica a vitória de Dilma. A realidade social do Brasil é essa e temos de aceitá-la. Se desqualificarmos a vitória de Dilma com base nos votos que recebeu dos sem instrução, estaríamos condenando esses eleitores a cidadãos de segunda classe.
No desenvolvimento da democracia na Europa, houve tempo em que o sufrágio era concedido apenas aos proprietários, e, mesmo proprietária, mulher não votava. Na Grã Bretanha, até a Primeira Guerra Mundial, a grande massa estava excluída das listas eleitorais. A maioria dos soldados que morreu nas trincheiras da França não tinha o voto. Mas morreram “for King and Country”. Acima do voto, havia algo maior que justificava o sacrifício. No Brasil, temos de nos ater a ideia democrática de que todo voto, quer venha dos instruídos, quer não, tem o mesmo valor. Nesse sentido, pode-se dizer que nossa democracia hoje é mais avançada do que a inglesa em 1914. De lá para cá a democracia inglesa evoluiu muito. A nossa terá de evoluir também. O caminho dessa evolução está traçado e as eleições presidenciais realçaram mais do que nunca o fato de que a educação tem de ser alçada à prioridade absoluta nos próximos 20 anos. Como fez o Japão em 1860. A sociedade japonesa, na época feudal, percebeu que não resistiria à investida do Ocidente, iniciada pelo Comandante Perry, se não se modernizasse. Modernização significava dominar as ciências. Em 10 anos, o Japão passou de um país com 90% de analfabetos para um de 90% de alfabetizado. Em 1905, derrotou a moderna frota russa com uma esquadra que incorporava o melhor da tecnologia ocidental. A história não carece de bons exemplos de desenvolvimento democrático via educação. Quando digo que temos de aceitar a imensa desigualdade social brasileira, não significa que devo me conformar com sua existência. Minha inconformidade com essa situação vem do fato de que quem a criou foram nossos dirigentes, ou melhor, nossas classes dirigentes, essas que apoiam o Aécio. Tendo sido obra do homem, pode ser desfeita por ele. Lanço um olhar para além das próximas eleições, que serão, como essas últimas, disputadas entre os instruídos e os sem instruções. Para além de limitar a ação dos demagogos, de eliminá-los, se possível, e assim abrir o caminho para eleições em que projetos para o pais são debatidos por uma população que recebeu boa educação formal, a redução drástica da desigualdade tornará o país mais eficiente, haverá menos desperdício e nossas cidades serão menos violentas, esteticamente mais aprazíveis e nosso conceito no mundo mais respeitado. (...) Falei em eleições futuras em que os eleitores se empolgarão na discussão de projetos para a nação, em vez da continuação ou não do “Bolsa Família”. Isso só pode acontecer com a desigualdade social reduzida a um mínimo. Enquanto essa era não se materializar, os debates permanecerão chulos e os programas dos candidatos paroquiais. O país continuará `a deriva, sem projeto nacional e o brasileiro continuará perplexo no que diz respeito a sua situação no mundo. O que somos nós? E para onde vamos? São ainda duas perguntas filosóficas - ou melhor, teóricas." - Mario Santos, diplomata.


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Entrevista

A política econômica deixou escapar a virtude da cautela
                                          Luis Otavio F. Façanha

    A afirmação expressa no título é do economista e professor Luiz Otavio Figueiredo Façanha, para quem o governo cometeu equívocos na condução macroeconômica ao buscar taxas elevadas de investimento por meio de desonerações e estímulos ao crédito. Em entrevista ao Blog Meta Mensagem, Otavio Façanha lembra que a “indulgência (do governo) com a inflação não é sincera”.
Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - onde se formou, lecionou por décadas e foi pró-reitor de Finanças e Patrimônio entre 1994 e 1998 - e pela Universidade de Vanderbilt (USA), Façanha é um estudioso do setor industrial, da criação e sobrevivência de firmas, e um atento observador das políticas públicas, tema de sua tese de doutorado na UFRJ.
Na década de 1980, trabalhou como pesquisador da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), desenvolvendo pesquisas para a indústria brasileira e, posteriormente, coordenando programa de avaliação de processo decisório e das atividades de financiamento a empresas brasileiras, sob os auspícios do Bando Interamericano de Desenvolvimento (BID).
No Instituto de Economia da UFRJ, na década de 1990, lecionou história da Economia e teoria e formação do sistema financeiro internacional, e ainda microeconomia, organização industrial, teoria dos jogos e econometria. Neste período, consolidou seu interesse pelo estudo de organizaçōes complexas, publicando um importante trabalho sobre a Indústria Brasileira na Década de 70, em conjunto com a professora Denise Rodrigues. Escreveu, ainda, entre outros, Brazilian federal universities: relative efficiency evaluation and data envelopment analysis, em conjunto com os professores Alexandre Marinho e Marcelo Resende.
Anos de docência, profundos estudos e pesquisas não o livram da surpresa (nem sempre agradável) com elucubrações econômicas que desafiam a lógica. Confessa sua perplexidade, por exemplo, com o fato de os formuladores do governo terem preconizado como motor básico do sistema econômico a ampliação do emprego e da renda. Alerta: emprego e renda são, na verdade, mais os resultados do que os fatores desencadeadores do processo de crescimento. No que toca a atuação do Banco Central no controle da inflação, ressalta que “há um generalizado desconforto em relação à política fiscal”. A seguir, a íntegra da entrevista.

Blog Meta Mensagem - A indústria vem perdendo espaço no PIB, e eficiência em relação aos competidores externos. Por quê?


Luis Otavio Façanha - De fato, a indústria brasileira vem perdendo espaço no PIB. Deixou os 58% de participação em 1985 e os 41% em 1992 para trás, encontrando-se, agora, na faixa de 26%. E a ideia da desintustrialização chegou a ser agrupada ao conjunto dos efeitos pecaminosos do Plano Real, o mesmo que nos livrou da hiperinflação e recolocou o país em rota de crescimento. Mas o fato notável a observar é que o declínio da participação da indústria no PIB é semelhante ao de indústrias maduras nos respectivos PIBs. Na China, a participação da produção industrial no PIB ainda é de cerca de 30%. Nos EUA, a indústria empregava apenas 11% da força de trabalho em 2005, mas no Brasil a indústria ainda emprega aproximadamente 20% da força de trabalho. Essas mudanças, uma transformação e reconfiguração “estruturais” na economia, levaram tempo para serem percebidas e melhor analisadas, e durante alguns anos a tese da “desintustrialização” andou em voga. Programas de governo não fazem menção direta ao tema, como mencionarei, e o fenômeno não resultou de decisões de política econômica e de desenvolvimento.  Hoje, o setor de serviços tem participação aproximada de 60% do PIB brasileiro, como em vários outros países com economias maduras. Passou incólume pela desaceleração até 2012 e, em 2013, respondeu por 49% do saldo líquido de vagas, cifra quatro vezes superior ao do total da indústria.  Emprega mais de 16 milhōes de trabalhadores (e a indústria cerca de 8 milhōes) e estive conosco nas passeatas de 2013, clamando, dentre outras reivindicaçōes, por melhores condiçōes de mobilidade. O que viabilizou tanta pujança? A oferta de mão de obra. Examinem, por favor, os quadros apresentados pelo IBGE relativos à distribuição etária da população brasileira, que eu sumarizo livremente, como segue.



BMM - A media de crescimento econômico tem sido baixa nos últimos. Há consenso de que o Brasil precisa aumentar as taxas de investimento para voltar a crescer. E também há consenso de que precisa aumentar a oferta de bens e serviços, bem como a eficiência do setor produtivo, para reduzir as pressōes inflacionárias. Políticas de desoneraçōes teriam eficácia nesse contexto? Além de restriçōes orçamentárias, que limitam o investimento público, o setor privado não se sente seguro para investir? Há aí um impasse? Quais seriam outros fatores da falta de competitividade e como resolvê-los?


Luis Otavio Façanha - Houve declínio de investimentos, sem dúvida. É sabido que, depois de ótimos desempenhos no governo Lula, quando o PIB cresceu em média cerca de 4%, recentemente (com o PIB crescendo menos) a taxa de investimento (relação Innvestimento/PIB) caiu muito acentuadamente no segundo trimestre de 2014 em relação ao correspondente de 2013. Mas a indústria de bens de capital (a indústria que atende à demanda dos bens de investimento) cresceu muito entre 2013 e 2014. Caindo muito acentuadamente em 2014, cerca de 9%! Vou complementar esses comentários com alguns gráficos, a meu ver, ilustrativos. Os dois primeiros gráficos tratam da indústria de bens de capital.


Os dois gráficos que se seguem referem-se à produção industrial, especificamente à variação do índice, em relação ao mês imediatamente anterior, no primeiro caso e em relação a igual período, no segundo.



O primeiro dos diagramas mostra o índice da produção de bens de capital. A base (=100) é janeiro de 2012, o que nos leva a verificar que, entre 2012 e 2014 a produção desses bens de investimento chega a dobrar em relação à base. Já em termos de variação o cenário configure-se menos róseo, devido às fortes oscilaçōes. O agregado da produção industrial oscilou muito menos, ficando praticamente estacionário na faixa de 1% ao longo do período, vindo a oscilar fortemente nos meses finais de 2013 e em 2014, como se pode notar no gráfico que se segue.


Alguns especialistas já assinalaram que essas oscilaçōes podem resultar em percepçōes macroeconômicas voláteis, que se acumulam a incertezas microeconômicas nada favoráveis a investimentos. A esse respeito, uma ilustração pode ser útil. No trabalho que mencionei sobre sobrevivência de firmas, examinamos mais de 20.000 empresas longitudinalmente, de 1996 a 2005. Nesse último ano, apenas cerca de 7 mil empresas ainda estavam em operação, o que indica elevada taxa de mortalidade, como em economias maduras, enfatize-se, mas sem o ambiente de negócios que facilite a criação de novas firmas. Em suma, a competição, benéfica, é acirrada, e entraves burocráticos, um componente do “custo Brasil” já de conhecimento público, são mais a regra do que exceção.

Mas, o problema da indústria e o declínio dos investimentos estariam então associados a restriçōes de recursos? Não creio. Em 2005, pudemos verificar, o BNDES dirigiu cerca de US$ 10 bilhōes para médias e pequenas empresas.

BMM - Mas, afinal, o que não funcionou em sua opinião?
Eu diria que seriam necessários ajustes macroeconômicos no lugar, por exemplo, de (onerosas e discricionárias) desoneraçōes fiscais. No lugar disso, o crédito foi expandido e, em 2012 o crédito privado já dava sinais de esgotamento. De 2007 a 2014 as dívidas de pessoas físicas teriam superado a marca de R$ 1 trilhão (R$ 250 bilhōes em 2007). Minha percepção é que a política econômica deixou escapar a virtude da cautela, buscando taxas elevadas de investimento e crescimento (e incorrendo em outras desvirtudes). O comportamento da produção de bens de capital volta a ser ilustrativo do meu argumento. Afinal, previsibilidade é precondição para se alcançar competitividade internacional. Há uma gigantesca literatura sobre inovaçōes nas indústrias que apontam nessa direção, a de horizontes bem definidos de crescimento e do indispensável arejo informacional e tecnológico (que políticas de estímulo à produção local costumam contrariar) Em entrevista ao Globo de 04.10.2014, o economista Otaviano Canuto afirma: “Hoje, o produtor brasileiro tem a sua competitividade prejudicada por não ter acesso ao que há de melhor lá fora”. 

BMM - Baixo crescimento, inflação em alta. O que exatamente deu errado na política econômica do atual governo?

Luis Otavio Façanha - Num dos últimos fins de semana, li um artigo do professor Ricardo Bielschowsky, intitulado O modelo de desenvolvimento proposto por Lula e Dilma (Brasil Debate), cujo objetivo primordial foi o de divulgar indicadores de conquistas sociais dos últimos 10 anos. No artigo, é citado o Programa de Governo 2002, reproduzido como se segue: “… o motor básico do sistema é a ampliação do emprego e da renda per capita e, consequentemente, da massa salarial que conformará o assim chamado mercado interno de massas. O crescimento sustentado a médio e longo prazos resultará da ampliação dos investimentos na infraestrutura econômica e social …”. Confesso que me surpreende ler a afirmação de que “o motor básico” de um sistema econômico possa ser constituído por “ampliação do emprego e renda”, mais resultante do que desencadeador de expansōes, mas não se deve descartar a possibilidade dos formuladores do plano estarem diante da atraente distribuição etária de 2000. Mas, voltando ao artigo mencionado, ao “olhar para o futuro”, o texto propōe, no campo social, “ampliar em quantidade e qualidade (grifo meu) os investimentos e gastos sociais …”, tendo antes mencionado que seria necessário  “recuperar o crescimento e expandir o investimento publico”, quantitativamente e em qualidade,  “porquanto o investimento industrial se dá principalmente em função da expansão do mercado interno”. O artigo praticamente silencia no que diz respeito à inflação, mencionando estar a mesma estável (e não tolerada) e na amplitude da meta. Como se inexistissem controles de preços para tentar conter a inflação. Deixa de mencionar, também, quaisquer medidas de normalização das políticas macroeconômicas, privilegiando a retomada dos investimentos públicos (para a posterior retomada dos investimentos privados). Segundo o autor, a Dívida Líquida na faixa de 33,8% do PIB, deixaria o futuro governo em situação confortável para atingir aqueles objetivos (ver também artigo do professor Marcio Pochman, na Folha de S. Paulo, 27/09/2014). Como se, por exemplo, não pairassem generalizados desconfortos em relação à transparência da política fiscal. A título de esclarecimento, a dívida bruta, segundo o Banco Central, está na faixa de 60% do PIB, e os jornais de hoje, dia 01/10/2014, estampam notícias alarmantes a respeito do superavit primário Para meu espanto, fiquei sabendo que o câmbio estaria em regime de flutuação livre, e que a magnitude das reservas internacionais adicionariam graus de liberdade à política econômica. Com relação a esses e outros temas pertinentes, convido o leitor a recorrer a vários artigos publicados pelo professor Samuel Pessoa na Folha de S. Paulo dominical. Como ele propõe, desfeita a lista (de 10 itens) da “matriz macroeconômica” do governo atual, poderíamos voltar a crescer a taxas de 3% ao ano. Nada a ver, portanto, com “ajustes ortodoxos” que, segundo o professor Pochman (e outros respeitáveis economistas), tiveram efeitos tão deletérios (quanto discutíveis) para as economias europeias. Para os nossos propósitos, talvez seja mais esclarecedor mencionar uma linha de pesquisa que associa ciclos políticos (mais precisamente, political booms) a crises financeiras (cf. H.Herrera, G. Ordoñez, C. Trebech, CESifo Working Paper 4935, ago 2014), fenômenos frequentes em economias emergentes. A pergunta central do texto merece reprodução: ”Why do policy makers not take more steps to reduce excessive leverage and control credit growth during a (political) boom?”. No nosso caso, o risco de crise financeira encontra-se aprisionado nos bancos públicos. Mas a inflação alcançou o maior índice mensal desde 2002 em dezembro de 2013.

BMM - Qual tem sido a influência da política fiscal no desempenho da economia?

Venho falando da política fiscal, de modo implícito, mas ela está presente em tudo que discutimos. Por exemplo, na resposta à pergunta anterior eu mencionei uma estatística que é de agrado de economistas mais alinhados com as políticas do atual governo (e a mim também, afinal, porque é positiva): o patamar de 43% para a Dívida Líquida - DL. Grosso modo, a DL resulta do total da Dívida Bruta – DB, descontados os créditos do governo. Acontece que o agregado que reflete a política de gastos e investimentos governamentais é a DB, que será financiada pelos impostos, pela rolagem de títulos e pela emissão de novos títulos, dentre outros mecanismos. Ou seja, é sobre a DB que incidem os juros. Vou ilustrar. Segundo os Boletins do Banco Central, de 2009 a 2013 o País pagou cerca de R$ 1,06 trilhão com juros, R$ 249 bilhōes em 2013. O percentual dos juros com relação ao PIB chega a mais de 5%, cifra que preocupa os especialistas, uma vez que à luz de comparaçōes internacionais reflete tomada de recursos onerosa. Mais preocupante, ainda, é a operação de repasses de recursos ao BNDES, que montaram a cerca de R$ 500 bilhōes. Esses recursos foram obtidos a juros altos, a Selic, e com prazos comprimidos, e foram (parcialmente) emprestados a juros subsidiados em operaçōes de longo prazo. A DL leva em conta o pagamento dos empréstimos, que serão recebidos ao longo dos anos. À luz desses comentários (e de uma pergunta que eu deliberadamente omiti), o mínimo que se pode dizer é que o debate em torno da independência do Banco Central deveria ser protelado. Política fiscal com pouca nitidez aprisiona as políticas do Banco Central. Que sinal estarão recebendo os agentes econômicos quando observam uma política fiscal expansionista ser acompanhada por um aumento de juros?

BMM - O governo também afirma que um combate mais efetivo à inflação geraria desemprego, dando a entender que deixou a inflação fugir da meta para evitar efeitos sociais indesejáveis. Isso procede?  Como o Sr. analisa a trajetória dos gastos públicos no Brasil?

Em novembro de 2013, o IBGE informava que a taxa de desemprego no país fora causada pela migração de indivíduos para a inatividade, vale dizer, para situação em que o indivíduo não estuda, não trabalha e tampouco procura emprego. Estima-se que o desemprego entre jovens de 18 a 24 anos seja de 23%, e entre adultos de 25 a 29 anos alcance 29%. E esses números não pressionam as estatísticas oficiais. Ainda assim, o desemprego vem aumentando persistentemente. E a indulgência com a inflação não é sincera, tal como você mencionou, e eu também. O artigo que mencionei na resposta à pergunta anterior, declara estar a mesma “obedientemente” dentro da amplitude da meta, a ponto da Petrobras conviver com preços administrados!  Mas o objetivo maior daquele artigo foi o de divulgar indicadores de ganhos sociais alcançados nas duas últimas décadas, eu diria. E que resultam da extraordinária expansão do setor serviços (o IBGE cobre 650 mil empresas, nas atividades de alojamento e alimentação, transporte e atividades auxiliaries, correios e telecomunicaçōes, atividades imobiliárias, de informática, serviços prestados a empresas e outras). Mas, isso não implica deixar de crescer, o que é possível, respeitando a lógica de decisão dos agentes que se pretendem sejam incentivados (mais do que abrigando setores específicos com renúncias de receita de impostos de resultados no mínimo duvidosos) e aprimorando a qualidade dos investimentos públicos, que são direta e indiretamente indispensáveis a qualquer proposta de desenvolvimento econômico. Adicionando alguns temas, a serem melhor avaliados e que configuram (padrōes de comparação) e custos  de oportunidade dos gastos públicos: o conteúdo de inovação tecnológica dos investimentos realizados com o financiamento do BNDES e da FINEP; a opção rodoviária no contexto da mobilidade urbana; as intervençōes no setor de energia, e o recurso emergencial à energia termoelétrica; a produção de etanol; a energia eólica; a infraestrutura de saneamento; a educação pré-escolar que sempre supus estritamente complementar aos objetivos do programa bolsa-família,  que, por sua vez, nasceu como bolsa-escola. Temas que, assim eu espero, voltem ao debate público com menos partidarismos e mais bem informados. Deixo-os, temporariamente, com o professor Samuel Pessoa, (que nos propôs há pouco voltar a crescer a 3% a.a) para quem “… (O) contrato social da redemocratização produz constrangimentos ao nosso crescimento, pois resulta em baixa taxa de poupança e investimento”. O que não implica deixar de crescer!