Progresso nos tribunais e nas
privatizações
Em meio a um significativo avanço dos
processos de licitação na área de infraestrutura no decorrer do mês de abril,
uma importante mudança de entendimento do Judiciário quanto à contratação de
trabalhadores avulsos – aqueles sem vínculo empregatício – pelos terminais
arrendados talvez não tenha merecido a devida atenção, mas deve igualmente
contribuir para o equilíbrio da concorrência e o consequente desenvolvimento do
setor.
Em recente julgamento, o Tribunal
Superior do Trabalho (TST) decidiu que, existindo previsão em norma coletiva
autônoma no sentido de regular a contratação de mão de obra portuária avulsa
por intermediação direta do respectivo sindicato profissional, esse instrumento
dispensará a intervenção do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) nas relações
entre empregadores e trabalhadores.
A decisão alude ao parágrafo único do
artigo 32 da Lei 12.815 de 2013 (também conhecida como nova Lei dos Portos) e
está em linha com a modernização do setor, uma vez que o OGMO é “uma entidade
civil, sem fins lucrativos, de interesse público”, instituído pelo antigo marco
legal (Lei 8.630, de 1993). A ideia era livrar o setor do peleguismo sindical,
mas os OGMOs acabaram se revelando estruturas anacrônicas, extremamente
burocráticas e de alto custo, além de geradora de iniquidade, na medida em que
sua intervenção é obrigatória para os terminais arrendados (aqueles situados
dentro dos portos públicos), mas não para as instalações eminentemente privadas
– os Terminais de Uso Privado (TUPs).
Não é demais lembrar que, por ocasião
das discussões em torno da votação da Lei 12.815/2013, chegou-se a pleitear a
obrigatoriedade do OGMO também para os TUPs, a fim de que não se estabelecesse
um desequilíbrio concorrencial desses em relação aos terminais arrendados. O
reconhecimento de que haveria uma vantagem competitiva para os TUPs no que diz
respeito à mão de obra era evidente. A razão é óbvia. Sem a intermediação de um
órgão de caráter paraestatal como os OGMOs, os terminais privados têm liberdade
para contratar, treinar e gerir sua mão de obra de acordo com os seus próprios
parâmetros e critérios de eficiência e produtividade, sem interferência de
terceiros.
Infelizmente, na época de elaboração
da nova lei chegou-se a discutir a equalização da concorrência pela distribuição
equitativa do “ônus” – representado pela obrigatoriedade do OGMO tanto para os
terminais arrendados quanto para os TUPs – e não pela sua eliminação para
ambos, o que significaria redução de custos e ganhos de eficiência uniformes.
Um raciocínio tortuoso que explica as jabuticabas normativas e os “puxadinhos
jurídicos” que de forma recorrente minam o ambiente empresarial brasileiro.
Por fim, optou-se por um hibridismo,
também gerador de insegurança jurídica e disputas judiciais, típico da produção
legislativa brasileira. Assim, enquanto o caput do artigo 32 da Lei 12.815/2013
dispõe que os operadores portuários nos portos organizados (públicos) devem
constituir um órgão gestor da mão de obra, o seu parágrafo único consagra os
contratos entre capital e trabalho ao estabelecer que esses terão a prevalência
sobre o órgão. Contudo, o hibridismo fez com que acordos firmados sem a
intermediação do OGMO fossem derrubados pelos Tribunais Regionais do Trabalho
(TRTs), o que tende a acabar agora com o novo posicionamento do Tribunal
Superior do Trabalho (TST). Mas o caminho para a pacificação da questão ainda é
longo.
Uniformização de parâmetros
concorrenciais, incluindo regimes de emprego da mão de obra, nada tem de
trivial, sobretudo quando se está prestes a estabelecer um modelo de
privatização portuário totalmente novo, com a licitação não apenas de terminais
arrendados dentro dos portos públicos ou autorizações para instalações
eminentemente privadas, mas – muito além disso – a privatização de todo o
complexo público portuário representado pelas Companhias Docas em cada estado.
Na prática, o que o governo está
colocando em marcha com a privatização das Companhias Docas é o fim do modelo
que prevaleceu até hoje no Brasil, de landlord port, ou seja, aquele em que o
Poder Público é responsável pela administração da infraestrutura e áreas
comuns, cabendo ao setor privado os investimentos na superestrutura e a
operação em si. A partir de agora, o que se pretende é que o Estado deixe de
ser um provedor de infraestrutura e de serviços e concentre-se no papel de
regulador e “arquiteto” das diretrizes setoriais de desenvolvimento.
Este novo modelo pode ser denominado
de private landlord port, e teoricamente poderá contribuir para equalizar as
condições de concorrência entre os terminais arrendados e os Terminais de Uso
Privado (TUPs), eliminando a distinção de regimes jurídicos entre eles. Mas
para tanto as regras devem estar muito bem definidas – e esclarecidas.
Um desafio no que toca à equidade de
concorrência será estabelecer normas para os participantes dos certames, tendo
em vista potenciais conflitos de interesses entre operadoras de terminais já
arrendados e grupos que pretendem assumir a concessão das Companhias Docas, ou
mesmo entre grupos que controlam TUPs e pretendem participar das novas
licitações. O projeto de desestatização da Companhia Docas do Espírito Santo
(Codesa), primeiro da fila, deve ser enviado para a análise do Tribunal de
Contas da União este mês de maio, e sua modelagem servirá de teste.
Pelo que foi divulgado até aqui, uma
empresa que já opera terminal poderá ter 15% de participação de forma isolada e
50% se estiver em consórcio, mas esses percentuais poderão variar para os
outros complexos. Com a privatização da Codesa, o governo prevê investimentos
superiores a R$ 1,6 bilhão ao longo dos 35 anos de concessão. Na sequência,
virão os processos de licitação da Companhia Docas da Bahia (Codeba), Terminal
de São Sebastião (SP), Porto de Itajaí (SC) e Porto de Santos.
Como se vê, são significativas as transformações
em curso na área de infraestrutura do país neste momento, com vultosos aportes
de recursos sendo confirmados, a despeito da crise global provocada pela
pandemia de Covid-19. Abril foi um marco, com leilões de infraestrutura que
contrataram mais de R$ 48 bilhões em investimentos para os próximos 35 anos.
Exemplifica o sucesso do mês a privatização da Companhia Estadual de Águas e
Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), que rendeu cerca de R$ 22,5 bilhões aos
cofres públicos, além do compromisso de investimentos da ordem de R$ 27 bilhões
nos próximos 35 anos e de saneamento universal até 2033 para as regiões dos
três blocos arrematados.
Houve ainda o leilão de 22
aeroportos, rendendo R$ 3,3 bilhões ao governo, a privatização de cinco
terminais portuários e de um trecho da Ferrovia Oeste-Leste (Fiol), que liga o
Porto de Ilhéus, na Bahia, à Ferrovia Norte-Sul, no Centro-Oeste. Outros 50
empreendimentos serão licitados em 2021, com previsão de R$ 140 bilhões em
arrecadação e R$ 250 bilhões em investimentos nos próximos anos. Progressos nas
privatizações e nos tribunais. Que continue assim.
Por
Nilson Mello
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