Do
clima ao ponderável, os desafios da infraestrutura
De
um lado, no clima, e de outro, paradoxalmente, em órgãos de controle, residem
hoje as incertezas dos setores produtivo e de infraestrutura. Há
também expectativas quanto à atividade legislativa e a medidas a serem
confirmadas pelo Executivo que contribuiriam para atrair investimentos. Nessas
duas frentes, o debate transparente, próprio do regime democrático, é
indispensável para o aprimoramento das políticas públicas. O pressuposto deste
processo é a crítica construtiva.
A
crise hídrica e, com ela, a possibilidade de uma quebra da safra é o fator
climático imponderável que preocupa o agronegócio, o carro-chefe da economia
brasileira há alguns anos. Em função das estiagens no Centro-Sul, já se pode prever uma safra de milho 3,9% inferior à de 2020, ainda
que a área plantada tenha sido 6% maior. Outras culturas importantes, como as
de café, laranja e cana, foram igualmente afetadas. A previsão do avanço do PIB
agropecuário em 2,6% este ano ainda está mantida, mas o risco é grande.
Não se pode disciplinar o clima (fator
imponderável), porém, é possível mitigar os seus efeitos, sobretudo se ações
preventivas não foram tomadas a tempo. O Ministério das Minas e Energia garantiu
na última semana que não trabalha com a possibilidade de racionamento de
energia, e que antecipou a entrada em operação de termelétricas, a fim de suprir
a queda de geração de energia hidrelétrica. Também está acelerando a construção
de novas usinas e de linhas de transmissão.
Deixou,
contudo, no ar a possibilidade de restrições ao uso da água no campo – uma
medida extrema e, pelo que se sabe, sem precedentes. Tendo em vista a
importância do agronegócio para a economia, essa seria a hipótese a ser prontamente
descartada, até para evitar o “terrorismo midiático” e os movimentos
especulativos a ele associados.
Acelerar
as medidas mitigatórias, em paralelo a um discurso tranquilizador, ajuda a
dissipar as expectativas negativas. Desnecessário
lembrar a estreita relação da atividade agropecuária com as operações logísticas.
Graças, sobretudo, ao agronegócio, o setor portuário tem demonstrado grande
resiliência desde o início da pandemia. No primeiro quadrimestre, voltou a
apresentar crescimento: de 9,7%, em relação ao mesmo período do ano passado,
com um total de 380,5 milhões de toneladas movimentadas.
Para
tornar ainda mais claro o horizonte da logística e dos transportes, há providências
práticas, de curto prazo, a serem tomadas, tanto pelo Executivo quanto pelo
Legislativo, e, de preferência, em cooperação entre os dois Poderes. É o caso do
Projeto de Lei 4.199/2020, de estímulo à cabotagem, que pode ser aprimorado com
o apoio do próprio governo e de sua base aliada.
O BR
do Mar, como foi apelidado, promove uma ampla abertura do transporte marítimo
entre os portos nacionais, algo sem paralelo no mundo. Da forma como está o
texto, contudo, não garante o efetivo aumento da participação deste modal na matriz
de transportes, pois questões cruciais – como o preço do combustível mais caro
em relação ao diesel rodoviário, o alto custo das tripulações brasileiras,
devido aos excessivos encargos, ou o excesso de burocracia – não foram decisivamente
enfrentadas.
Ao
mesmo tempo, o projeto, na origem, ignorou a possibilidade de se estimular a
retomada da indústria naval brasileira, que chegou a ser a segunda maior do
mundo na década de 1970. Uma vez que o PL perdeu a urgência e está parado no
Senado, abre-se a oportunidade para que ajustes sejam feitos.
Entre
as mudanças recomendáveis está a emenda de número 43, de autoria do senador
Carlos Portinho (PL/RJ). Ela altera o art. 5º do Projeto de Lei 4.199, para que
seja dada prioridade, no afretamento para a cabotagem, a embarcações
construídas no Brasil, desde que ofertadas nas mesmas condições técnicas e
financeiras das produzidas no exterior.
A emenda teve fundamento em nota técnica da Sociedade Brasileira de Engenharia
Naval (Sobena), num bom exemplo de interlocução produtiva entre sociedade e Congresso.
Está também em consonância com a ideia de que ambos os setores – o de
transporte marítimo e o de indústria naval – são indissociáveis, e por isso devem
se desenvolver em ciclos de reciprocidade, a exemplo do que ocorre com a
agropecuária e o setor de implementos agrícolas.
O apoio do governo ao aprimoramento do “seu” BR do Mar deve ser
acompanhado de outras providências urgentes para a infraestrutura. A imediata
prorrogação do Reporto, regime especial que desonera a importação de
equipamentos para investimentos em portos e ferrovias é fundamental para
viabilizar novos projetos, sobretudo no momento em que esses dois setores
inauguram uma nova e promissora etapa de privatizações. Sem o regime, esses
equipamentos se tornam até 50% mais caros, inviabilizando muitos projetos.
Instituído em 2004, prorrogado a cada cinco anos, o Reporto expirou em
dezembro passado e ficou sem rubrica no orçamento de 2021, devido à inércia do
governo. Chegou a ser “contrabandeado” em uma das muitas emendas do BR do Mar –
onde é um “estranho no ninho” – e prometido para uma das futuras etapas da
Reforma Tributária. Contudo, a urgência dos investimentos em portos e ferrovias
recomenda a sua imediata prorrogação. Até porque dessa medida depende, em
grande parte, o sucesso das privatizações nesses dois setores.
O secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni,
tem reiterado que os contratos com os terminais arrendados serão respeitados no
processo de desestatização das Companhias Docas. É um discurso responsável, em
prol dos investimentos e das privatizações, pois fortalece a ideia de segurança
jurídica. Mas precisa ser confirmado por ações concretas do governo, como a
prorrogação do Reporto. O que é ponderável deve ser resolvido pelo Executivo e
Legislativo, pois de imponderável, já basta o clima, nem sempre previsível e
favorável à agricultura ou à geração de energia.
Lamentavelmente, imponderáveis são também as decisões surpreendentes emanadas
pelos órgãos de controle – justamente as instâncias que deveriam contribuir
para a segurança jurídica. Insere-se nesse rol recente decisão do Tribunal de
Contas da União (TCU) que determinou, contrariamente à previsibilidade, a
prorrogação do arrendamento de terminal no Porto de Santos cujo contrato já
havia expirado. Agiu o TCU na contramão do planejamento feito pelos gestores
portuários e em flagrante violação do direito de escolha da Administração
Pública.
Se o assunto do momento é o clima, está aí uma decisão que turva o
horizonte, afastando os investimentos de que o país tanto precisa. Para essas
questões, interlocução e crítica construtiva também podem ajudar.
Por Nilson Mello