sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Artigo


Genealogia do voto


                                                                Ministra Carmem Lucia
    
     Alto índice de abstenção é um fenômeno que pode dar margem a interpretações e diagnósticos diametralmente opostos. Nas 50 cidades onde houve um segundo turno nas eleições municipais este ano, as abstenções alcançaram o índice recorde de  19%. Isso significa que dos 31,7 milhões de brasileiros aptos a votar na ocasião, seis milhões prefiriram nem ir às urnas. Não é pouco: uma metrópole inteira como o Rio, ou a metade da população de Portugal.

     Se somadas as abstenções aos votos nulos e em branco, que totalizaram 7,44% do total (ou 2,3 milhões de pessoas), o índice chega a 26% do eleitorado. Sugere o senso comum que votos nulos, via de regra, indicam rejeição à classe política, aos postulantes e aos governantes. Exceto nos casos em que decorre de erro grosseiro – resultado da inépcia do prórprio eleitor - algo impossível de se identificar ou confirmar.

Os votos brancos, por sua vez, podem até ser também decorrentes de displiscência, mas mais razoável é supor que revele acomodação do eleitor ou, na pior das hipóteses, indiferença com o cenário político, o que não deixa de ser uma aprovação oblíqua, muito embora, pela legislação, esses votos não possam ser computados para nenhum partido ou candidato. O aspecto estatístico, que dá margem a elacubrações como a do presente artigo, é, na verdade, o que expressa o valor dos votos nulos e brancos.

Abstenções, contudo, podem traduzir anseios mais complexos e sutis. Para um observador otimista, a fuga das urnas poderia significar um alto grau de satisfação com o desempenho dos governantes e com os serviços prestados pelo Estado, o que desencojararia a alternância de poder e a mobilização para tanto. Se no branco a aprovação é escamoteada, na abstenção ela seria explícita. 

O saneamento é de boa qualidade, bem como a educação, os transportes, a saúde e os demais serviços públicos em minha cidade, então por que eu devo ir votar? Mesmo obrigado, não irei, pensaria o satisfeito.

Em caso das eleições federais e estaduais, a medida do grau de satisfação pode ainda ser dada por fatores como bons indicadores na economia e na segurança pública. E em todos os casos, nos pleitos municipais, estaduais e federais, pela capacidade do governante ou postulante de seduzir e, por que não dizer?, ludibriar o eleitor – postura cujo êxito dependerá diretamente da capacidade crítica dos votantes.

Para o pessimista, por outro lado, a abstenção é prova cabal do enfado do eleitor com “tudo isso que está aí”. Sou obrigado a votar, mas votar em quem? E por quê? Nessa linha de raciocínio diríamos que, no voto nulo e no voto em branco, o eleitor tenta fazer o seu protesto – um protesto indireto e sem qualquer efeito, vá lá, mas ainda assim uma tentativa de manifestação crítica. Já a abstenção seria a desilusão completa com a política.

Para o analista pessimista, a abstenção numa democracia de voto obrigatório, ou, para usar o eufemismo tão caro aos constitucionalistas, num sistema em que o voto é um “direito-dever” (pode haver contradição em termos maior que essa?), representa o momento em que o eleitorado joga a toalha de vez, tamanho o desânimo.

Sem descartar a possibilidade de a robusta estatistica da abstenção ter sido decorrência de falhas de recadastramento, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Carmen Lúcia Rocha, acredita que a fuga das urnas é preocupante porque põe em risco o princíppio da representatividade, pilar do sistema democrático.

A ênfase da precoupação da ministra, por força da função, se dá em relação a um princípio que, para todos os efeitos, é uma ficção. Pois, num universo de baixa escolaridade, a representatividade não se traduz em qualidade. E mesmo com altos índices de comparecimento às urnas, nada mais significa do que um contingente maior de pessoas sujeito a se transformar em massa de manobra eleitoral.

O que corrói a representatividade no Brasil não é a abstenção, ma o seu vício de origem, ou seja, o perfil do votante, agravado pelo voto obrigatório.


Por Nilson Mello


P.S.: Uma pessoa que lê regular e atentamente este Blog (?!), a quem muito prezo, me recrimina por abusar das vírgulas nos textos. Prometo melhorar.


    

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