O insondável eleitor
brasileiro
As eleições municipais, por
mais monótonas que sejam, sempre trazem algo de improvável e peculiar. Se no
Rio confirma-se o absoluto favoritismo do candidato à reeleição, embalado por
uma robusta coligação que lhe garante (por que não dizer?) um desproporcional
tempo no horário de propaganda na TV e no rádio, em São Paulo o antes favorito
José Serra encara a possibilidade de ficar de fora até mesmo do segundo turno.
Com o maior índice de
rejeição na capital paulista, na casa de 45% do eleitorado, Serra vê-se fustigado
pelo terceiro colocado na corrida para a prefeitura paulistana – o até bem
pouco implausível candidato do PT, o ex-ministro Fernando Haddad. Na dianteira,
segue firme o ex-apresentador de TV Celso Russomano, do pouco expressivo PRB.
Detalhe: na maioria das simulações Russomano bate os adversários no segundo
turno.
Que os dois principais
partidos brasileiros – não necessariamente pelo critério de bancadas, mas de
liderança e protagonismo – estejam sendo derrotados por uma legenda de menor
tradição na maior capital do país já é algo remarcável.
O fato chama mais a atenção se
considerarmos que o segundo colocado nas pesquisas, e candidato do PSDB, é o
postulante da situação, ou seja, da máquina municipal; e que o terceiro, que corre
por fora desde a largada em quarto, tem na presidente Dilma Rousseff e no
ex-presidente Lula (até recentemente, pelo menos) dois cabos-eleitorais de peso.
A vantagem dos candidatos à
reeleição ou dos candidatos apoiados pela situação, não importa em que esfera,
é inquestionável, a despeito das restrições expressas em Lei ao uso da máquina
pública nas campanhas. Contudo, máximas eleitorais existem para ser desafiadas
a cada pleito, como prova a atual eleição paulistana.
Eis que o candidato da
situação, e também ex-prefeito da cidade, ex-governador, ex-senador,
ex-deputado e ex-candidato à Presidência da República – e por tudo isso uma
liderança política de expressão nacional – corre o risco de perder a vaga e o
prestígio para um adversário com muito menos apoio político e financeiro, de um
partido infinitamente menor e de trajetória política bem mais modesta, para
dizer o mínimo.
Num cenário ainda pouco
provável, porém, possível, Serra pode até mesmo ficar de fora do segundo turno,
o que poderia significar o fim de seus projetos políticos mais ambiciosos.
Mas isso é apenas o menor
dos paradoxos que se apresentam. Vejamos: se no Rio de Janeiro a larga vantagem
de Eduardo Paes é atribuída em grande parte ao generoso espaço de propaganda
eleitoral “gratuita”, em virtude do amplo espectro de sua coligação, com apoio
das administrações estadual e federal, em São Paulo esse aspecto é simplesmente
irrelevante.
O candidato com maior tempo
em São Paulo, nada menos do que 8 minutos e dezesseis segundos de propaganda
obrigatória, é justamente o petista Fernando Haddad, que somente agora, na reta
final da campanha, se aproxima do segundo colocado, José Serra, com seus seis
minutos.
Enquanto isso o líder
Russomano segue rumo ao segundo turno dispondo de meros dois minutos para
passar sua plataforma e, digamos, suas “ideias” – e arcando, como já
mencionado, com aquilo que poderia ser considerado um handcap, ou seja, biografia menos expressiva, partido menor, nenhum
apoio das máquinas municipal, estadual ou federal etc...
Por sua
vez, Gabriel Chalita, candidato do capilarizado e articulado PMDB, estacionou
desde o início na quarta colocação, a despeito dos nada desprezíveis quatro
minutos e trinta e quatro segundos de TV e rádio. Até que ponto o tempo de
propaganda eleitoral é decisivo numa campanha é difícil de avaliar.
O paradoxo que contrapõe
tempo e intenção de votos implica outros aspectos remarcáveis. Pois igualmente
curiosa é a associação de causa e efeito que já se faz entre o crescimento de
Fernando Haddad e o afastamento do ex-presidente Lula de sua campanha, tendo em
vista o desgaste causado pelo julgamento do mensalão no Supremo.
Mas isso nos leva a novo
questionamento: a opinião pública não eximiu Lula de responsabilidade no
esquema montado em sua primeira gestão para comprar votos de parlamentares,
tanto é assim que ele conseguiu ser reeleito, teve ampla aprovação popular e
transferiu votos para a eleição de sua sucessora?
Deixemos a resposta para
aqueles que entenderam o apoio de Paulo Maluf a Fernando Haddad como uma
incongruência programática e ideológica necessária, tendo em vista o
pragmatismo que se impõe na busca pelo poder. Mas, convenhamos, seria uma ironia
constatar que Maluf ajudou Haddad mais do que Lula.
Como se vê, não há respostas
fáceis que possam nos ajudar a interpretar o imprevisível e insondável eleitor
brasileiro. O que, de certo modo, é até bom.
Por Nilson Mello
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