A eleição
e o sofá na sala
A Justiça
Eleitoral no Rio de Janeiro anuncia tolerância zero à “boca de urna” e promete
usar cinco ginásios, entre eles o Maracananzinho, para abrigar detidos que
tenham feito propaganda irregular no domingo de votação. Em nome do eleitor, que
não pode ser coagido no cumprimento de seu direito - transmutado em dever pelo
paradoxo da obrigatoriedade do voto - o Tribunal Regional Eleitoral adota uma
prática que nos remete a episódios emblemáticos, não necessariamente
democráticos.
Convenhamos
que é preciso disposição singular e estrito rigor para encher cinco ginásios da
cidade, entre eles o maior de todos, com capacidade para 20 mil pessoas, com
cabos-eleitorais ou simples eleitores que venham a cometer o que seria, na
definição da própria Justiça Eleitoral, “um crime de menor potencial ofensivo”.
Até porque a linha entre o permitido e o proibido é tênue. Eis que bandeira de
partido e button pode; camiseta
com a cara do candidato, não.
Mas tudo
bem, Lei é Lei, e deve ser cumprida, não importa se boa ou ruim. Apenas a título
de comparação, vale lembrar que, sem o amparo legal, obviamente, Pinochet encheu
o Estádio Nacional de Santiago com opositores (ou supostos opositores, ou,
ainda, opositores em potencial) no golpe de 1973. E a ditadura chilena não foi a
precursora da medida, nem a última a adotá-la. Nazistas, fascistas, stalinistas
e, mais recentemente, sérvios e bósnios, uns contra os outros, e eles contra
terceiras etnias, fizeram “coisas” parecidas.
Vejamos então o que o TRE do
Rio de Janeiro consegue com o respaldo da Legislação e de normas eleitorais
infralegais que, apesar de estapafúrdias, devemos observar como válidas, uma vez
que não tiveram sua constitucionalidade ou legalidade questionadas. É o caso – e
aqui apenas para citar um exemplo - da proibição de entrada com celulares na
cabine de votação.
A medida - justifica o
presidente do TRE, Luiz Zveiter – é profilática e visa a resguardar o eleitor do
comando indevido de terceiros, sobretudo nas comunidades mais pobres, onde
grupos de milicianos e de traficantes poderiam ditar o voto, via celular, a
eleitores “hipossuficientes”. A “elite” no Brasil quer sempre proteger o pobre,
ao invés de lhe garantir boa educação. Bem, foi certamente pensando na
profilaxia que aquele marido ciumento da velha piada vendeu o sofá da sala.
Onde será que o presidente
do TER fluminense encontra inspiração para medidas tão estritas? O fato é que
ele não está sozinho. A “venda de sofás” tem sido uma tendência do Poder Público
no Brasil. Não faz muito tempo a Prefeitura do Rio proibiu o uso de facões por
vendedores de coco na orla. A ideia era prevenir homicídios com arma branca. O
desperdício em larga escala da polpa do fruto foi considerado um preço razoável
a se pagar.
De volta às eleições de
domingo, cabe o alerta. Quem, distraído ou inadvertido, entrar com seu celular
na cabine e, depois, for flagrado por fiscais, será preso e recolhido ao
Maracananzinho – ou, muito pior, à Vila Olímpica Oscar Schmidt, na implausível e
abrasiva Santa Cruz, extremo-oeste da Zona Oeste da cidade. Com a prisão e o
indiciamento, correrá o risco de deixar de ser réu primário. Com tamanha ameaça,
o mais sensato seria nem sair para votar.
Muito bem, após ser
bombardeados meses a fio com as repetitivas - e invariavelmente inconsistentes,
dadas as circunstâncias - mensagens-relâmpagos dos postulantes na mídia
eletrônica, o eleitor é, da noite para o dia, colocado numa redoma. Nada pode
perturbar a sua decisão autônoma. Que erre sozinho, em silêncio. O aparato
coercitivo foi cuidadosamente urdido para não falhar.
O dia em que a democracia do
voto obrigatório demonstrar o mesmo zelo e preocupação com o aparato
educacional, nem serão necessárias tantas medidas preventivas. Pois o eleitor e,
por consequência, o eleito, serão de melhor qualidade. Isso demandará ainda
muito tempo, mas chegaremos lá.
Por
Nilson Mello
Em
tempo: O artigo de 28 de setembro
(“O insondável eleitor brasileiro”), aí abaixo, examina o crescimento do
candidato que lidera a corrida à prefeitura de São Paulo, lembrando que ele não
pertence a uma grande legenda, não conta com uma coligação expressiva e nem
dispôs, ao contrário dos três principais rivais, de significativo tempo de
propaganda na TV e rádio.
A explicação para o seu
crescimento seria o apoio religioso, sobretudo de evangélicos da Igreja
Universal. Ocorre que o candidato do PT, na terceira colocação, de acordo com as
pesquisas, também conta com expressivo apoio evangélico. Basta lembrar que
recente pesquisa apontou que uma em cada cinco pessoas que votam no PT na
capital paulista é evangélica. Celso Russomano, com partido pequeno e pouco
tempo de TV e rádio, é mesmo um caso de estudo.
Gostei do artigo. Se o povo fosse politizado e o voto não fosse obrigatório, não precisaria de tanta segurança. Nos exemplos comparativos, poderia também ser incluído o cerco aos palestinos (inclusive com Arafat), sitiados durante muito tempo pelo exército de Israel.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, Fauzi. A sua observação está em linha com o que eu penso. Mais um detalhe: o que eu procurei desnudar também foi o viés autoritário que tem regido as ações do Poder Público no Brasil. Probir telefone é um arroubo de totalitarismo. Abraços
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