INSTITUTO DOS ADVOGADOS
BRASILEIROS (IAB)
Comissão de Direito da Infraestrutura
Parecer sobre o PL nº 4.199/2020 e a Lei
nº 14.301 de 2022 (BR do Mar)
Obs:
Parecer atualizado e com adendo, em razão
da
conversão do PL na Lei nº 14.301 de 2022.
(Indicação nº 044 de 2021)
Autor do parecer: Nilson Vieira Ferreira de
Mello Jr.
Nota de esclarecimento
O parecer original sobre o PL nº
4.199/2020 foi apresentado e aprovado por unanimidade na Comissão de Direito da
Infraestrutura do IAB em 31 de agosto de 2021. Porém, quando de seu agendamento
apara apresentação em sessão plenária, em 04 de maio do presente ano, o
referido projeto de lei já havia sido aprovado pelo Congresso e convertido na
Lei nº 14.301/2022. Por decorrência, a sustentação do parecer em plenário
incorporou, como adendo, comentários sobre o texto final da lei sancionada e
promulgada em 07 de janeiro passado. Na sessão plenária, o parecer também
recebeu aprovação unânime, e seu adendo passou a ser parte integrante do
parecer final, conforme decisão da Mesa Diretora. O presente texto foi
atualizado e, portanto, acrescenta ao parecer original os comentários atinentes
à lei promulgada, indicados como “adendo” em sua parte final.
Resumo do Projeto de Lei: O PL
nº 4.199/2020, também conhecido como “BR do Mar”, numa alusão
às rodovias federais, institui
o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem e, para tanto, altera as
Leis nºs 5.474, de 18 de julho de 1968, 9.432, de 8 de janeiro de 1997, 10.233,
de 5 de junho de 2001, 10.893, de 13 de julho de 2004, e 11.033, de 21 de
dezembro de 2004, além de revogar uma série de outras normas, entre as quais o
Decreto do Poder Legislativo nº 123, de 11 de novembro de 1892 e o Decreto-Lei
nº 2.784, de 20 de novembro de 1940.
Palavras-chave
Cabotagem, BR do
Mar, navegação, transporte marítimo, integração intermodal, infraestrutura
logística, concorrência, abertura de mercado, marítimos.
Introdução
O Projeto de Lei 4.199 de 2020
institui o Programa de Estímulo ao
Transporte por Cabotagem (“BR do Mar”), com o objetivo de melhorar a qualidade
e incentivar a concorrência na prestação do serviço de transporte entre os
portos nacionais. Subsidiariamente, pretendo ampliar a frota na navegação de
cabotagem, bem como estimular o desenvolvimento da indústria naval, e ainda,
conforme justificativa do Executivo, a quem coube a iniciativa da matéria, “incentivar
a formação de marítimos nacionais, estimular os investimentos decorrentes de
operações de cabotagem em instalações portuárias e otimizar o emprego dos
recursos oriundos da arrecadação do Adicional ao Frete para a Renovação da
Marinha Mercante (AFRMM)”.
Após
ter tramitado ao longo de 2020, em regime de urgência (art. 46 da CR), na
Câmara dos Deputados, sob a relatoria do Deputado Gurgel (PSL/RJ), o PL seguiu em
dezembro passado para o Senado, onde ficou sob a relatoria do senador Nelsinho
Trad (PSD/MS). Em maio de 2021, perdeu a urgência e, em junho, o plenário da Casa
aprovou a realização de debates temáticos sobre o projeto, nas Comissões de Agricultura
e Reforma Agrária, Constituição, Justiça e Cidadania, Serviços de
Infraestrutura e Assuntos Econômicos.
O projeto
estava previsto para ser deliberado na sessão de 31 de agosto de 2021 da
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, mas foi retirado de pauta, a
pedido do relator, que solicitou mais tempo para conciliar as muitas emendas,
bem como as visões ainda dissonantes dos Ministérios da Economia e da
Infraestrutura acerca de algumas alterações. A nova data para apreciação e
deliberação pela CAE é 14 de setembro. Cabe ressaltar que o PL nº 4.199 foi idealizado pela pasta da
Infraestrutura, como forma de reduzir a dependência do Brasil em relação ao
modal rodoviário.
Considerado
polêmico inclusive pelo seu relator no Senado, e tendo suscitado muitas
controversas durante o seu trâmite, não merecendo a unanimidade nem de
entidades empresarias representativas de classe do segmento de transporte
marítimo, o referido projeto recebeu nada menos que 61 destaques e emendas aglutinadoras
na Câmara, onde passou por seis Comissões (Constituição, Justiça e Cidadania;
Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; Finanças e
Tributação; Minas e Energia; Trabalho, Administração e Serviço Público; Viação
e Transportes), e outras 43 emendas no Senado.
Conceitos e precedentes
De certa forma, o Projeto de Lei foi
amenizado na Câmara, na medida em que o parecer final do relator (Deputado
Gurgel) ampliou o prazo de adaptação às novas regras ao aumentar de três para
quatro anos o tempo de transição para o afretamento de embarcações estrangeiras.
Assim, conforme o texto do relator na Câmara, após um ano de vigência da nova
lei, as empresas poderiam afretar dois navios; no segundo ano, três; e, no
terceiro, quatro, e a partir daí, não haveria mais limites para o afretamento, “observadas
condições de segurança definidas em regulamento”. Mas as mudanças em curso no
Senado foram significativas.
O entendimento da questão requer
o domínio de alguns conceitos básicos acerca do transporte marítimo e da
navegação. De antemão, é preciso lembrar
que o transporte de cabotagem, ou seja, a navegação entre portos nacionais é
realizada, em quase todo o mundo, e mesmo nos Estados Unidos (teoricamente, país
onde há mais abertura de mercado a produtos e serviços estrangeiros, em
consonância com a doutrina liberal), por empresas, navios e tripulações
nacionais. O PL nº 4.199 promove, na verdade, uma
abertura do setor sem precedentes no mundo, ao menos para países em que a
navegação tem alguma relevância em função de sua extensão territorial e
litorânea e/ou de seu porte econômico.
Outro aspecto relevante a se ter
em mente no exame da matéria é que embarcações mercantes estrangeiras, ao redor
do mundo (e são mais de 30 mil delas), devem usar a bandeira do país de origem.
Isso porque é o pavilhão do país que vincula os navios e suas empresas a uma
série de obrigações legais, desde comerciais, fiscais e tributárias até
trabalhistas e ambientais. Se o vínculo é relevante no transporte marítimo de
longo curso, passa a ser ainda mais significativo quando se abre o mercado
doméstico de cabotagem às empresas estrangeiras. Regras específicas devem
disciplinar essa abertura.
Num paralelo que embute uma
hipótese improvável, mas é válido para se ter ideia do que foi colocado em
jogo, imagine-se a abertura do transporte rodoviário brasileiro, sem restrições
significativas, a transportadoras americanas e europeias. O impacto, não apenas
em termos legais, mas principalmente em termos estratégicos e econômicos seria
gigantesco, com óbvias implicações no que toca o princípio da soberania. Outro
parâmetro de comparação é a aviação. A legislação pátria determina que piloto,
copiloto, mecânico de voo e comissários de bordo são funções privativas de brasileiros
natos ou naturalizados. No caso de rotas internacionais de empresas
brasileiras, abre-se exceção e permite-se o emprego de 1/3 de estrangeiros
entre os comissários embarcados.
Com o teor que foi aprovado na
Câmara, o texto do PL nº 4.199 prevê que, em qualquer
situação de afretamento, os contratos de trabalho dos tripulantes de embarcação
estrangeira afretada seguirão as normas do país à qual pertence à bandeira
usada pela embarcação (art. 12 do PL). Da mesma forma,
prevalecem as regras internacionais relativas ao transporte marítimo e à
Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como direitos trabalhistas
constitucionalmente garantidos, tais como 13º salário, adicional de um terço de
férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e licença-maternidade (incisos
do art.9º ).
O texto do relator na Câmara torna
obrigatória a abertura de vagas de estágio nas embarcações brasileiras e
estrangeiras afretadas para brasileiros que fizeram cursos do sistema de ensino
profissional marítimo. Os navios afretados deverão manter tripulação brasileira
equivalente a dois terços do total em cada nível técnico do oficialato,
incluídos os graduados ou subalternos, e em cada ramo de atividade (art. 9º,
incisos II). Note-se que a regra dos dois terços da tripulação para brasileiros
segue o que já previa a Lei 9.432/1997, que dispõe sobre o transporte
aquaviário, bem como a Resolução Normativa 72/2006, do Conselho Nacional de
Imigração, e sua sucedânea, a RN 06/2017.
O comandante, o mestre de
cabotagem, o chefe de máquinas e o condutor de máquinas deverão ser brasileiros
(inciso 3º do mesmo artigo). Se não houver tripulantes brasileiros suficientes
para atingir o mínimo exigido, a empresa habilitada poderá solicitar ao órgão
regulador (Antaq) autorização para operar a embarcação específica com
tripulação estrangeira por até 90 dias ou por uma viagem, se a duração for
maior que esse prazo.
Contexto econômico e mercadológico
De
acordo com o Ministério da Infraestrutura (Minfra), com base em dados de 2018, o
transporte entre os portos nacionais (cabotagem) movimenta cerca de 163 milhões
de toneladas anuais, em 84 embarcações que, somadas, têm 4,3 milhões de toneladas
de porte bruto. Em contêineres, o modal responde pelo transporte de 1,35 milhão
de unidades/ano, o equivalente a 10% da tonelagem total, com 17 navios
especializados (porta-contêineres) em operação.
A
maior parte do transporte de cabotagem é de graneis líquidos (petróleo e
derivados) e sólidos (63% e 23%, respectivamente). Ao apresentar o “BR do Mar”,
o Minfra projetava um aumento do transporte de carga em contêiner da ordem de
100 %, para 2,7 milhões de unidades até dezembro de 2022, a partir do aumento
de 40% da frota dedicada ao segmento de cabotagem. A possibilidade de a meta
ser cumprida como resultado do BR do Mar será analisada, de forma mais precisa,
nos tópicos seguintes.
O
setor de cabotagem tem crescido de forma sustentável nos últimos anos. De 2010
a 2018, o crescimento do modal foi de 28%, saltando de 127 milhões de toneladas
transportadas para algo próximo aos 164 milhões de toneladas. De acordo com a
Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), entidade de classe
setorial, o crescimento tem sido, em média, de 12,92% ao ano, desempenho
bastante significativo. Em 2019, em particular no primeiro semestre daquele
ano, comparado ao mesmo período de 2018, quando houve a greve dos
caminhoneiros, o crescimento do modal foi ainda mais robusto, de 24,7%. Os
“donos” da carga perceberam que não poderiam ficar reféns das contingências
(políticas e estruturais) das rodovias – ou do transporte rodoviário.
Hoje,
a cabotagem responde por aproximadamente 11% do transporte de carga no Brasil,
atendendo a mais de 2 mil empresas usuárias. Ainda segundo a ABAC, os
investimentos têm sido significativos. Nos últimos anos, 20 novas embarcações
entraram em operação no segmento, o que representou investimentos da ordem de
R$ 5 bilhões.
As
maiores empresas que operam na cabotagem no Brasil hoje já têm capital ou
controle estrangeiro. São grandes grupos de transporte marítimo de atuação
global com participação ou controle em uma das 43 Empresas Brasileiras de
Navegação (EBN). Com efeito, três empresas brasileiras de navegação detêm,
juntas, o transporte de contêineres na cabotagem. Duas dessas empresas (Aliança
Navegação e Logística e a Mercosul Line Navegação) movimentam mais de 70% dos
contêineres na costa brasileira e são controladas, respectivamente, por dois
grandes conglomerados da navegação sediados na Europa e integrantes, por sua
vez, de duas das maiores alianças internacionais do transporte marítimo, a 2M
Alliance e a Ocean Alliance.
O
Brasil já operou uma das maiores frotas do mundo, não apenas na cabotagem, como
no longo curso. As razões para a drástica redução de participação brasileira no
transporte marítimo, com frota própria, de empresas brasileiras com capital
predominantemente nacional e navios produzidos no país, devem ser procuradas no
nosso próprio arcabouço legal e nas nossas peculiaridades estruturais.
A
logística brasileira tem custos operacionais significativamente mais altos do
que os países que tradicionalmente operam frotas marítimas. Esses custos estão
relacionados à alta tributação e a uma legislação trabalhista mais estrita
(“protetiva”) do que as da maioria daqueles países. Um ambiente ainda pouco
atrativo para os investimentos, com elevada insegurança jurídica, também
contribuiu para a redução do espaço das empresas brasileiras, que enfrentam
desvantagens adicionais pela falta de escala global. É preciso ressaltar que a
operação marítima requer pesados investimentos e previsibilidade de regras, com
estabilidade regulatória.
Na
verdade, as grandes empresas estrangeiras que operam no país acabam por prestar
um relevante serviço, uma vez que, por questões estruturais e legais locais,
empresas nacionais não estão sendo capazes de oferecer o serviço na medida
necessária. A questão é saber se o BR do Mar contribui para resolver o
problema, abrindo mais espaço a empresas brasileiras, ou vai no sentido oposto,
concentrando ainda mais o mercado.
Aspectos críticos do BR do Mar
O
Projeto
de Lei nº 4.199 de 2020 é dessas iniciativas cercadas de boas intenções que,
contudo, corre o risco de não surtir o efeito esperado, uma vez que parte de alguns
diagnósticos equivocados. Dessa forma, também acaba por estabelecer regras
lesivas ao interesse nacional. De forma implícita, o PL considera que o
principal entrave ao setor é uma pequena disponibilidade de navios. Pressupõe,
também, que o modal está estagnado, registrando baixo crescimento, dentro da
matriz de transportes do Brasil – algo que, como vimos acima, não espelha a
realidade.
Ambas
as premissas são falsas, mas, teoricamente, com base nelas, o PL estabelece
medidas para que empresas estrangeiras possam ampliar a operação na cabotagem,
como se essa participação hoje fosse reduzida, o que também não é verdadeiro,
pois 95% do transporte de cabotagem já são feitos por empresas sob controle
estrangeiro. O texto original do projeto ainda abre
indiretamente a possibilidade de financiamento a estaleiros estrangeiros, para
a produção de embarcações no exterior, em detrimento da indústria naval
nacional, na medida em que às empresas estrangeiras com sede no Brasil seria
dado acesso ao Adicional ao Frete para
Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).
O PL autoriza a importação sem restrições (isenção) de um navio, mas a
matriz poderá criar quantas subsidiárias considerar convenientes para
transferir para o Brasil a quantidade de navios que entender necessária à sua
operação na cabotagem. Ao mesmo tempo, a coligada no exterior poderá construir embarcações
em outros países, uma vez que, em tese, teria colocação assegurada para as suas
embarcações usadas: o mercado brasileiro de cabotagem. De acordo com os incisos
I e III do artigo 11 do texto original do projeto,
essas empresas passam a fazer jus aos recursos do AFRMM, tributo pago por
importadores e que é destinado à quitação do financiamento do Fundo da Marinha
Mercante (FMM), teoricamente, usado na construção de embarcações em estaleiros
brasileiros.
Conforme artigo de minha autoria em conjunto com o engenheiro naval
Nelson L. Carlini, publicado em veículos especializados em 2020 e este ano, isso pode significar que
o navio afretado, construído no exterior, fará jus ao recebimento de recursos
originalmente destinados a pagamento de financiamentos para construção no
Brasil. Com essa possibilidade aberta pelos incisos I e III do artigo 11
do PL nº 4.199 esses recursos do FMM estariam liberados à EBN para amortizar a compra
de navios, mesmo na China, Japão, Cingapura e Coréia, entre outros países com
tradição na construção naval. Em tese, é o que poderia acontecer. Nesse caso,
em vez de atrairmos mais financiamentos para o Brasil, estaríamos, na prática,
disponibilizando recursos para garantir o emprego de operários chineses,
coreanos e japoneses.
Na grande maioria dos países, mesmo nas economias mais abertas, como os
Estados Unidos,
o transporte de cabotagem é reservado a empresas nacionais, com tripulações
nacionais e, de preferência, operando navios produzidos no próprio país. E isso
se deve a questões estratégicas atinentes à soberania, à segurança e à
economia, que guardam estreita relação entre si. Por sua vez, a vinculação da
indústria naval ao modal é feita como forma de estímulo à produção e à geração
de empregos. São setores que, por razões óbvias, devem integrar uma mesma
cadeia econômica, com crescimento recíproco, retroalimentado, a exemplo do que
o agronegócio representa para a indústria de implementos agrícolas, e
vice-versa.
Indústria Naval
Um
dos argumentos do governo para o encaminhamento do BR do Mar é a defesa da
concorrência, com a possibilidade de entrada no setor de novos operadores. Para
tanto, estabelece o amplo afretamento de embarcações no exterior, conforme
dispõem os artigos 5º e 6º do PL. Contudo, pelas condições dadas, somente
grandes empresas de atuação global terão capacidade e recursos suficientes para
atuar no setor. O projeto não cria condições estruturantes para a ampliação da
cabotagem com empresas nacionais, apenas aprofunda a ênfase na operação por
empresas estrangeiras. Como agravante, ainda enseja regras que colocam “em
xeque” a indústria naval nacional.
Em Nota Técnica
encaminhada em abril ao Senado, a Sociedade Brasileira de Engenharia Naval – SOBENA,
entidade técnica, sem fins lucrativos, e de utilidade pública municipal (Lei nº 3.037/2000, Rio de Janeiro) advertiu que, com o Projeto de Lei nº 4.199/2020, “a Indústria de Construção Naval Brasileira deverá sofrer a
perda um dos seus últimos mercados capazes de gerar seu soerguimento, com o
risco do fechamento definitivo de diversos Estaleiros, sejam estes
recém-construídos ou tradicionais”. Asseverou, ainda, que, “com o afretamento
indiscriminado por qualquer empresa, se abre uma porta para a evasão de divisas
e sonegação fiscal, já que os valores de afretamento podem ser livremente
fixados por estas empresas no exterior, resultando em lucro zero para a Empresa
Brasileira de Navegação (EBN) [criada com este propósito específico] e,
consequentemente, zero de recolhimento de Imposto de Renda por tais empresas”.
Na referida NT, a
entidade salientou que “nenhum outro país do porte do Brasil, tais como China,
Índia, Rússia, Indonésia e Estados Unidos, propicia a amplitude da abertura que
está sendo concedida aqui pela BR do Mar”. Para evitar prejuízo maior à
indústria nacional, a SOBENA propôs emenda que confere a prioridade no
afretamento para embarcações construídas no Brasil, desde que apresentem as
mesmas condições das embarcações estrangeiras, um dispositivo que, além de resguardar
os interesses da indústria nacional, não compromete a busca da eficiência e
competitividade, estando ainda em consonância com os parâmetros concorrenciais
em prática no setor no restante do mundo.
A proposta foi
acolhida pelo senador Carlos Portinho (PL/RJ), que a transformou em emenda, a
de número 43 do texto em trâmite no Senado. Com a alteração, o art. 5º do PL nº
4.199/2020 passaria a ter a seguinte redação:
“A
empresa habilitada no BR do Mar poderá afretar por tempo, respeitada a
prioridade de afretamento de embarcações construídas no Brasil [grifo
nosso] nas mesmas condições e de posse de EBN [Empresa Brasileira de Navegação]
ou EBIN [Empresa Brasileira de Investimento em Navegação], embarcações de
sua subsidiária integral estrangeira, para operar a navegação de cabotagem
(...)”.
Conclusões
A mudança embutida na
Emenda nº 43 do Senado, de fato, poderia abrir o mercado para novos
investidores no Brasil, tanto em estaleiros quanto em Empresas Brasileiras de
Investimento em Navegação (EBINs), bem como em Fundos de Investimento em
Infraestrutura. Paralelamente, poderia propiciar condições mínimas para uma retomada
de polos de produção de insumos para estaleiros. Contudo outros aspectos do
projeto geram controvérsias e precisariam ser eliminados.
O texto não deve
permitir, ainda que indiretamente, que o Fundo de Marinha Mercante (FMM) seja
utilizado para financiamento de construção de navios no exterior. Para tanto,
seria preciso alterar os incisos I e III do art. 11, de forma a vedar essa
possibilidade e explicitando que os recursos do referido fundo devem ser empregados
para financiar a construção de embarcações no Brasil, por Empresas Brasileiras
de Navegação ou Empresas Brasileiras de Investimento em Navegação, em
estaleiros nacionais, de preferência voltados para a exportação.
Por
fim, é preciso salientar que os grandes óbices à cabotagem são estruturais,
representados pelo excesso de burocracia nos portos - onde há uma dezena de
órgãos intervenientes, sem a devida uniformidade de atuação -, pelas elevadas
taxas portuárias, pela obrigatoriedade dos serviços de praticagem (pilotos
específicos para cada porto), e pelo alto preço do bunker (combustível naval), sobre o qual incide o ICMS, em
comparação ao diesel rodoviário, subsidiado.
Tais
entraves, estruturais, precisariam ser enfrentados de forma mais decisiva, caso
o intuito seja mesmo o de estimular o transporte de cabotagem. Contudo, o BR do
Mar, na contramão deste entendimento, condiciona preferencialmente o aumento da
participação da cabotagem na matriz de transportes a uma maior entrada em
serviço de navios estrangeiros. Se as referidas condições estruturais não forem
alteradas, a cabotagem não sofrerá o impulso pretendido, não importando uma
maior oferta de embarcação ao preço do desmonte final da indústria naval
nacional. Cabe salientar que não há falta de navios no modal: a taxa de ocupação
média da frota que opera na cabotagem está em torno de 75% (25% de ociosidade).
Com essas
considerações, entendemos que o Projeto de Lei nº 4.199/2020
introduz mudanças drásticas no segmento de transporte entre os portos
nacionais, com efeitos negativos para a indústria nacional, sem que consiga garantir
a realização do objetivo proposto, que é o estimulo ao desenvolvimento do
setor, com defesa da concorrência. Assim sendo, sentimo-nos autorizados a
recomendar ao Senado que proceda a ajustes no texto de forma a prevenir lesão
aos interesses nacionais. Entre esses ajustes, em particular, introduzir a
prioridade de afretamento para os navios produzidos no Brasil e eliminar
qualquer possibilidade de o Fundo de Marinha Mercante (FMM) ser utilizado – ainda
que de forma indireta – para a construção de embarcações no exterior.
Respeitosamente,
salvo melhor juízo, é este, prezados presidente e integrantes da Comissão de
Infraestrutura do IAB, o meu parecer.
Rio de Janeiro, em 31 de agosto de
2021.
Nilson
Vieira Ferreira de Mello Jr.
ADENDO
Comentários adicionais apresentados
na sessão plenária de 04 de maio de 2022
(Power
Point da apresentação em anexo)
Como consta do parecer original
sobre o PL 4.199/2020, o alegado intuito da Lei 14.301/2022 (ou BR do Mar,
programa de estímulo ao transporte de cabotagem) é o de aumentar a qualidade e
incentivar a concorrência na prestação do serviço de transporte entre os portos
nacionais. Isso implica, de acordo com a exposição de motivos do Ministério da
Infraestrutura, ampliar a frota na navegação neste segmento, o que garantiria
maior participação do modal na matriz nacional de transportes.
Subsidiariamente,
visaria ainda, segundo o governo, apoiar o desenvolvimento da indústria naval,
“incentivar a formação de marítimos nacionais, estimular os investimentos
decorrentes de operações de cabotagem em instalações portuárias e otimizar o
emprego dos recursos oriundos da arrecadação do Adicional ao Frete para a
Renovação da Marinha Mercante (AFRMM)”.
Para
cumprir tais metas, o programa BR do Mar foi concebido em quatro grandes eixos:
1. Maior facilidade para afretamentos; 2. Utilização dos recursos oriundos do
Fundo de Marinha Mercante para obras de reparos e modernização de embarcações
em estaleiros nacionais; 3. Redução de custos portuários, por meio de propostas
de combate à burocracia; 4. Propostas para contratos temporários para
movimentação de cargas em terminais dedicados à cabotagem.
Entendemos
que os primeiros dois eixos constituem a maior ênfase da nova lei, enquanto o
terceiro e o quarto foram relegados a medidas complementares. Neste sentido,
cabe ressaltar que grande parte das disposições previstas na Lei 14.301/2022
ainda deverá ser objeto de regulamentação por meio de atos e decretos emanados
do próprio Executivo, senão diretamente via Ministério da Infraestrutura, por
meio de resoluções normativas baixadas pela Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq).
Considerando
o impacto normativo da nova lei, nos parece que tal circunstância tende a
prolongar as dúvidas acerca da efetividade do novo marco legal setorial, além
de gerar futuros questionamentos judiciais, em especial eventuais arguições de
inconstitucionalidade de algumas dessas medidas complementares. Sobre o impacto
normativo, vale lembrar que a Lei 14.301/2022 alterou as Leis nºs 5.474, de 18
de julho de 1968, 9.432, de 8 de janeiro de 1997, 10.233, de 5 de junho de
2001, 10.893, de 13 de julho de 2004, e 11.033, de 21 de dezembro de 2004, além
de revogar uma série de outras normas, entre as quais o Decreto do Poder
Legislativo nº 123, de 11 de novembro de 1892 e o Decreto-Lei nº 2.784, de 20
de novembro de 1940. Convém esclarecer que a Lei nº 9.432, de 8 de janeiro de
1997, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário, continua em vigor,
tendo tido apenas parte de seus dispositivos alterados, mormente aqueles
relativos ao afretamento de embarcações.
No
que tange o contexto em que se insere a Lei nº 14.301/2022, cabe acrescentar ao
que foi dito no parecer original sobre o PL 4.199/2020 que, pelas características
do Brasil, é razoável que o Poder Público pretenda estimular o transporte de
cabotagem. O país tem cerca de 8 mil km de litoral, ao longo dos quais existem
mais de 30 Portos Organizados (portos públicos). Além disso, os maiores
mercados produtores e consumidores (bem como a maioria das grandes metrópoles)
situam-se numa faixa de 200 km do litoral. Em todo o mundo, o conceito que
prevalece é o de que os modais rodoviário e marítimo, sobretudo em nações com
grande extensão territorial, devam ser complementares.
Dados
do BNDEs indicam que o custo do transporte rodoviário chega ser 4,5 vezes maior
do que o marítimo, além de ser mais poluente. Apenas um navio porta-contêiner
pode levar 4,5 mil contêineres, enquanto uma carreta rodoviária leva apenas uma
dessas unidades ou no máximo duas ou três. Desta forma, mecanismos que façam
com que a matriz de transportes (hoje, 65% do transporte interno é rodoviário,
contra 11% da cabotagem) passe a ter maior participação do modal marítimo são
bem-vindos.
Assim
sendo, o maior questionamento em relação à nova lei é se uma abertura sem
precedentes para os afretamentos de embarcações no exterior de fato propiciará o
aumento pretendido de participação da cabotagem na matriz de transportes, uma
vez que os óbices estruturais, como burocracia entre os portos nacionais, custo
do combustível de navegação (menos competitivo do que o diesel rodoviário,
subsidiado), custo dos serviços de praticagem e das tripulações nacionais,
entre outros, não foram diretamente enfrentados, ou dependerão de medidas
complementares, conforme referido no parecer original sobre o PL. 4.199/2020.
As principais
alterações com a nova Lei 14.301/2022
Conforme mencionado, o cerne do novo
diploma legal é a maior facilidade para afretar navios no exterior. Pela regra
anterior, era possível trazer navios de fora do país, no caso de não haver
embarcação brasileira disponível para fazer o serviço. Neste sentido, procedia-se
à “circularização”, ou seja, consulta ao Sistema de Afretamento de Navegação
Marítima e de Apoio (Sama/Antaq). Outra possibilidade prevista na Lei 9.432 de 1997 era quando houvesse
“interesse público” reconhecidamente envolvido na questão, algo raro de
acontecer – ou de se comprovar. Havia ainda a possibilidade de afretamento no
exterior em substituição a embarcação já em construção no Brasil.
A
lei previa ainda hipóteses em que era possível fazer o afretamento no exterior
sem necessidade expressa de autorização da Antaq e “circularização”. Isso se
dava quando a embarcação a ser afretada já fosse brasileira. Ou ainda quando a
embarcação era estrangeira, mas estava sendo afretada a “caso nu”, ou seja, para
ser tripulada por brasileiros e equipada (mantimentos, provisionamentos etc) no
Brasil.
Com as mudanças
introduzidas pela Lei 14.301 de 2022, o armador passa a poder fazer o
afretamento de embarcação a “casco nu” no exterior, independentemente se tiver
embarcação em operação no Brasil. De acordo com o art. 5º da nova lei, a empresa habilitada no BR do Mar também poderá
afretar por tempo embarcações de sua subsidiária integral estrangeira ou de subsidiária
integral estrangeira de outra empresa brasileira de navegação para operar a
navegação de cabotagem, desde que essas embarcações estejam em sua propriedade
ou em sua posse, uso e controle, sob contrato de afretamento a “casco nu”.
Esse afretamento poderá ser realizado na hipótese de
ampliação da tonelagem de porte bruto das embarcações próprias efetivamente
operantes, registradas em nome do “grupo econômico” a que pertença a empresa
afretadora, de acordo com a proporção a ser definida em ato do Poder Executivo
federal. Ou ainda em substituição de embarcação de tipo semelhante em
construção no país, na proporção de até 200% (duzentos por cento) da tonelagem
de porte bruto da embarcação em construção, pelo prazo de seis meses,
prorrogável por igual período, até o limite de trinta e seis meses.
Também poderá fazer o afretamento em substituição de
embarcação de tipo semelhante em construção no exterior, na proporção de até
100% da tonelagem de porte bruto da embarcação em construção, pelo prazo de seis
meses, prorrogável por igual período, até o limite de 36 meses. E ainda no atendimento
exclusivo de contratos de transporte de longo prazo, nos termos dispostos em
ato do Poder Executivo federal, bem como na prestação exclusiva de operações
especiais de cabotagem, pelo prazo de 36 meses, prorrogável por até 12 meses,
nos termos dispostos em ato do Poder Executivo federal.
Como
se percebe da leitura das hipóteses, a lei deixa larga margem para definição
posterior por meio de normas a serem fixadas pelo próprio governo, inclusive no
que toca o conceito de “grupo econômico”. Mas está claro que cai a exigência de
só se permitir contrato “por tempo” quando não houver embarcação de bandeira
brasileira disponível no sistema Sama/Antaq. Os afretamentos a tempo, para
substituir embarcações em reparo ou construção, estão autorizados. Estão ainda
permitidos os afretamentos para substituir navios em reparos ou construção e
para operações que ainda não existam ou para cumprir exclusivamente contratos
de longo prazo.
Conforme mencionado, a
nova lei estabelece uma flexibilidade maior no caso do afretamento na
modalidade “casco nu” com suspensão de bandeira (ou seja, adoção temporária de
registro brasileiro), não sendo mais necessário comprovar navio existente na
frota ou em construção. Nessa modalidade, foi estabelecida uma regra
progressiva. Imediatamente (2022), o armador poderá fazer o afretamento de uma
embarcação; em 2023, de duas; em 2024, de três; em 2025, de quatro; e, a partir
de 2026, de quantas quiser, o que configura uma abertura sem precedentes.
A empresa habilitada na BR do Mar
passa a estar automaticamente autorizada a afretar navios no exterior de sua
subsidiária integral estrangeira, ou de uma subsidiária estrangeira de outra
companhia brasileira. Para estar habilitado no programa, o armador precisa
estar registrado como Empresa Brasileira de Navegação (EBN) no segmento de
cargas de cabotagem, estar com situação tributária regular, e apresentar plano
periódico acerca de sua operação, conforme regulamentação específica ainda a
ser editada (Antaq). Esses navios poderão ser de propriedade dessas
subsidiárias ou estar em sua posse ou controle simplesmente, sob contrato de
“casco nu”.
A
nova lei cria a figura da Empresa Brasileira de Investimento em Navegação
(EBN-i), destinada a constituir frotas e afretar embarcações para as EBNs
operarem. As EBN-is têm navios, mas não os operam. De acordo com o Ministério
da Infraestrutura, a existência dessas empresas garantirá agilidade aos
afretamentos, pois dispensa as EBNs de adquirirem frotas próprias, com todos os
investimentos e riscos interesses, mas as mantêm responsáveis pelas operações
de cabotagem.
As
inovações introduzidas pela nova Lei 14.301/2022 têm alguns desdobramentos
tributários e fiscais. As embarcações afretadas serão imediatamente submetidas
ao regime aduaneiro especial de admissão temporária sem necessidade de registro
de declaração de importação e com suspensão total de incidência tributária nos
casos de Imposto de Importação (II), Imposto sobre Produtos Industrializados na
Importação (IPI-Import), das contribuições de PIS e Cofins na Importação e da Cide-Combustível.
Adota-se, assim, o Regime de Admissão Temporário Automático previsto na lei, e
não apenas os previstos no art. 5º da Instrução Normativa 1600/2015 da Receita
Federal do Brasil.
A
nova lei também prorrogou por dois anos o Reporto – o Regime Aduaneiro Especial
para Incentivo e Ampliação da Infraestrutura Portuária e Ferroviária, que
suspende o recolhimento de tributos na importação de máquinas e equipamentos
para investimentos em portos e ferrovias. Instituído em 2004 pela Lei 11.033, o
Reporto vinha sendo regularmente prorrogado, mas havia expirado em 2020. Sua manutenção
no texto final da Lei 14.301 se deu por meio de derrubada pelo Legislativo do
veto presidencial.
O
Planalto impôs o veto ao texto original porque considerava que não havia
previsão de receitas que pudessem compensar a renúncia fiscal decorrente da
prorrogação do regime, e temia violação da lei de Responsabilidade Fiscal. Com
a derrubada do veto pelo Congresso, os riscos para o Executivo deixaram de
existir. Num momento em que se promovem grandes investimentos em terminais
portuários e ferrovias, por meio de privatizações nesses dois setores, a
prorrogação do Reporto tem indiscutível relevância.
A
nova lei também prorrogou até 2027 a isenção do Adicional ao Frete para a
Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) no segmento de cabotagem que tenha como
destino e origem o Norte e o Nordeste, com o intuito de estimular este tipo de
transporte nessas regiões. No longo curso, o adicional foi reduzido de 25% para
8%; na cabotagem para as demais regiões do país, de 10% para 8%. A nova lei possibilitou
ainda a geração de crédito do AFRMM na operação de embarcações estrangeiras
afretadas por tempo no regime do BR do Mar. Pela regra anterior, a operação de
navios estrangeiros não dava direito a esse crédito.
A
norma ainda ampliou de forma significativa a utilização dos recursos oriundos
do Fundo da Marinha Mercante (FMM), que agora podem ser empregados em obras de
dragagem e instalações retroportuárias (áreas secundárias dos portos), além de
manutenção, modernização, “jumborização” (aumento da tonelagem) de navios,
desde que em estaleiros nacionais. Permite ainda usar os créditos do FMM como
garantia à construção de embarcações, pagamento de afretamento e reembolso de
prêmio de seguro.
No que tange a legislação trabalhista,
a regra de 2/3 de tripulantes brasileiros nos navios afretados, conforme
demanda de entidades sindicais, não prosperou no texto final da Lei 14.301.
Prevalece, portanto, a Resolução Normativa (RN) 06 do Conselho Nacional de
Imigração. Pela norma, a partir de 90 dias de operação no Brasil, o navio deve
ter 1/5 de sua tripulação composto por marítimos brasileiros e, a partir de 180
dias, o percentual passa a ser de um terço. Além disso, o comandante, o chefe
de cabotagem, o chefe de máquinas e o condutor de máquinas têm que ser brasileiros
(art.9º, III, da Lei).
Pelo
artigo 12, aos contratos de trabalho de tripulantes que operam embarcação
estrangeira afretada na forma da nova lei devem ser aplicadas as regras internacionais estabelecidas por
organismos internacionais devidamente reconhecidos, referentes à proteção das
condições de trabalho, à segurança e ao meio ambiente a bordo de embarcações, e
a Constituição Federal.
Não será necessário visto para tripulantes estrangeiros. Entendemos que as
disposições no campo das relações de trabalho geram dúvidas e potencializam
demandas judiciais.
Observações
finais
A
Lei partiu dos pressupostos de que o modal está estagnado e de que não há
disponibilidade de embarcações na cabotagem, o que não é totalmente verdadeiro
à luz das estatísticas apresentadas de início. Contudo, a partir desses
pressupostos, promoveu uma abertura do setor, por meio da liberação dos
afretamentos, sem precedentes no mundo para nações com a relevância econômica e
as características geográficas (extenso litoral) do Brasil. Por outro lado, os
grandes óbices à expansão do modal – tanto os de caráter estrutural como os de
caráter regulatório - ainda não foram decididamente removidos, ou dependerão de
medidas complementares, e isso nos leva a concluir que o pretendido objetivo de
aumentar a participação da cabotagem na matriz de transportes pode não ser
alcançado, ao menos não nos ambiciosos prazos e percentuais esperados pelo
governo.
Quais
seriam, então, esses óbices ou entraves? Como já mencionado, um deles é a
burocracia representada, entre outros, pelo excesso de documentação exigida de
uma embarcação que opera na cabotagem. De acordo com a Associação Brasileira
dos Armadores de Cabotagem (ABAC), um navio chega a emitir 30 documentos para
navegar entre os portos nacionais. A burocracia gera demora e
imprevisibilidade, o que faz muitas vezes com que os “donos da carga” optem
pelo modal rodoviário, mesmo para grandes distâncias.
Por outro lado, os custos
trabalhistas na navegação, comparativamente mais altos do que no exterior, em
parte também afetam a competitividade do setor, ainda que um navio consiga
ganhos de escala devido à sua grande capacidade de transporte. O combustível de
navegação (bunker) mais caro do que o
diesel rodoviário (subsidiado), devido à incidência do ICMS, representa
igualmente uma desvantagem do modal. Por fim, vale mencionar que a deficiência
nos acessos aos portos, com reduzida integração intermodal, e a prevalência do
transporte rodoviário em relação ao ferroviário, são fatores que comprometem a
eficiência do transporte marítimo de forma geral. Essas deficiências de acesso
se verificam igualmente nos canais de navegação, cujas obras de dragagem nem
sempre são realizadas com a regularidade e a agilidade necessárias.
No
nosso entendimento, a remoção desses entraves poderia contribuir de forma mais
decisiva para o aumento da participação da cabotagem na matriz de transportes
do que ampla liberação de afretamentos promovida pela nova lei. Devemos
reconhecer, contudo, que parte desses óbices (como custos trabalhistas e
redução de ICMS sobre o bunker) é de
difícil solução política, enquanto que as questões relativas à melhoria da
infraestrutura de acesso e a integração intermodal exigem investimentos e
tempo.
No
que toca especificamente o apoio à indústria naval, a despeito das grandes
possibilidades de uso dos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) em obras
em estaleiros nacionais, entendemos que o setor poderia ter recebido um impulso
mais significativo, se a emenda 43 tivesse sido totalmente acolhida no texto
final. Neste sentido, o BR do Mar talvez tenha perdido uma grande chance de
promover o soerguimento da indústria naval brasileira, que já foi uma das
maiores do mundo.
São
essas, portanto, respeitosamente, minhas considerações adicionais.
Rio de Janeiro, em 04 de maio de 2022.
NILSON
VIEIRA FERREIRA DE MELLO JR.