Ensaio sobre a cegueira
Roberto Campos tinha razão
A ditadura cubana afrouxou por esses dias as regras para que seus cidadãos
possam viajar ao exterior. Foi curioso ver parte da imprensa brasileira, alguns
articulistas em particular, comemorando o fato como um ato de bondade do regime
dos irmãos Castro, há mais de 50 anos no Poder.
Enquanto a dissidente Yoani Sanchez
preparava-se para tirar o seu passaporte e pular fora da Ilha, escaldada pelas
seguidas prisões por simples oposição ao governo nos artigos de seu Blog, dos
gabinetes de Brasília às redações de grandes jornais brasileiros viram-se
manifestações de louvor à Havana. Cinismo ideológico ou desonestidade intelectual?
A condescendência do governo do PT com a
ditadura cubana não deixa de ser um escárnio com o povo brasileiro. Efetiva
separação de poderes, plena liberdade de imprensa, pluripartidarismo, rodízio
de governantes, eleições regulares e limites ao poder de polícia (a partir de
mecanismos como o devido processo legal, direito de permanecer em silêncio,
pressuposto de inocência, contraditório etc) são hoje princípios consagrados no
Brasil.
Nenhum deles, contudo, prevalece na Cuba
exaltada pelos ideólogos petistas. Roberto Campos costumava dizer que o PT era
o partido dos intelectuais que não liam ou pensavam - o que explicaria a
indulgência por aqui. O rótulo de comunista funciona como salvo-conduto para a
boa vontade.
Na “democracia” oblíqua venezuelana, onde
aparências ao menos são mantidas (tais como formal separação de poderes e
eleições regulares), ainda se pode reconhecer a ressonância do populismo, a
legitimidade aferida nas ruas. Em Cuba, nem isso. A igualdade forçada pelo
autoritarismo levou à população à penúria e desmoralizou o regime, tal qual
aconteceu no antigo bloco soviético. O comunismo desmorona devido à absoluta
ineficácia de sua economia.
O artificialismo econômico de inspiração
ideológica e a intervenção estatal que dele decorre, em seus variados graus de
aplicação (Argentina, Venezuela e o próprio Brasil, entre outros), seguirão
produzindo atraso na América Latina. A propaganda elocubrada pelos ideólogos
que pouco leem alerta que as regras de mercado do mundo liberal geram
injustiça. E desde quando é justo viver num país em que a igualdade forçada
impõe a todos - à exceção de uma pequena elite dirigente - uma carência
material generalizada? Assim é Cuba: nenhuma prosperidade, escassa liberdade.
Como lembra Costas Douzinas (*), Marx
expressava uma oposição radical aos direitos humanos surgidos com o Iluminismo
do século XVIII porque oS identificava com o egoísmo da sociedade burguesa das
revoluções americana e francesa.
O que lhe interessava não era a liberdade
individual, mas a igualdade econômica a ser alcançada pela supressão das
classes sociais. Uma sociedade justa, reformulada e livre de vícios, emergiria
da ditadura do proletariado. O fim elevado justificaria o autoritarismo
“provisório”.
Hoje sabemos que, a despeito do alto preço
pago por seus cidadãos, privados de liberdade, não se tem notícia de país
marxista que tenha tido êxito na missão. A propósito, a ambição é característica
exclusiva do capitalismo ou traço inerente ao ser humano? Mais: é possível haver
prosperidade sem ambição?
Retomemos Douzinas: “Com efeito, o respeito
aos direitos humanos e à democracia foi a principal plataforma sobre a qual os
comunistas da Europa ocidental romperam com sua antiga e desqualificada
adulação e defesa da União Soviética (...).”
Quando a prosperidade do capitalismo ficou
patente, deixou de ser possível esconder e justificar a falta de comodidades
básicas e de liberdades nos países comunistas. Os intelectuais europeus
enxergaram a realidade antes mesmo do fim da Guerra Fria e da “Queda do Muro”.
Os “nossos” permanecem com a vista embaçada.
Por Nilson Mello
(*O
Fim dos Direitos Humanos - Editoria Unisinos)
Comentário:
O governo acha, segundo os
jornais desta semana, que o PMDB tem sido fundamental para a governabilidade do
país. É preciso agora explicar o que o governo e o PMDB entendem por
“governabilidade”.
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