Princípios e coligações em marcha
O Estado entendido como um ordenamento político de determinada comunidade (país) - aproveitando aqui uma definição de Norberto Bobbio - é inerente à sociedade não primitiva e, utopicamente falando, só poderá deixar de existir quando cessarem as condições que determinaram a sua criação, as causas que o produziram.
O predomínio das paixões sobre a razão, ou seja, a incapacidade de os homens procurarem convivência harmônica independentemente de coação superior, está na origem dessas causas e condições. O Estado é o mal necessário que impede a guerra de todos contra todos.
Na visão liberal, deve ser mínimo, na medida do necessário, para não avançar sobre as potencialidades individuais. Na concepção marxista, deve ser autoritário no primeiro momento para forçar a ascensão ao poder da “classe universal”, o que implicaria o fim da própria sociedade de classes - e, consequentemente, a morte natural do Estado.
O Estado liberal não tem sido capaz de eliminar injustiças. Mas, por outro lado, as premissas de que pela força (ditadura do proletariado) é possível se chegar a uma sociedade sem classes e de que nela o homem passe a viver sob o império da razão, livre dos conflitos, tampouco resistem às contundentes “réplicas da história”, para novamente usar uma expressão do gosto de Bobbio, embora originada em Hegel.
Se a igualdade não é inata, nem as virtudes homogêneas, ou equitativamente distribuídas entre os seres humanos, as paixões não desaparecem.
Muito bem, qual a relação que essas digressões têm com as eleições deste ano? A relação está no fato de que, vez por outra, precisamos nos dar conta do motivo pelo qual votamos e confirmamos, periodicamente, a necessidade de escolher pessoas para nos governar.
Porém, reconhecida a necessidade do Estado e a sua legitimação por meio do voto (ainda que facultativo), formalizando o “contrato social” entre governados e governantes, outra dificuldade se impõe. Se os eleitos (governantes) instituem e aplicam as leis, pois essas são postas por quem detém o Poder, que normas-princípios estão eles obrigados a seguir?
A questão pode ser colocada de forma mais direta: que fundamentos devem reger a atuação daqueles que governam e servir de guia para as normas que estabelecem? O direito natural, a moral atrelada à religião, as tradições, ou a remissão a um sábio legislador original foram algumas das respostas dadas pelos pensadores desde a antiguidade, sem, contudo, esgotar o tema.
O questionamento ganha relevo em sociedades heterogêneas, como a brasileira, em que tradições e princípios estão sendo substituídos, em velocidade digital, por meros valores de consumo. O desafio é ainda maior se considerarmos que essa sociedade recebe um volume espantoso de informações – sempre ou quase sempre atreladas aos tais valores de consumo – sem, contudo, ter sido adequadamente formada para processá-las, decifrá-las e interpretá-las.
Quando falamos em crise do Estado, estamos na maioria das vezes diante de uma crise da sociedade. Uma massa muito “informada”, mas mal formada constitui um eleitorado incapaz de firmar ou renovar um “contrato social” em bases saudáveis. E é neste momento que o Estado deixa de ser meio para se tornar fim, desvirtuando o próprio contrato.
Com esse pano de fundo imperceptível para a grande maioria, os partidos brasileiros, informam os jornais desta sexta-feira 18, começam a se articular com vistas às possíveis alianças nas eleições deste ano. Sabemos, desde já, que PSDB e DEM avançam numa coligação em redutos estratégicos, como São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Enquanto isso, o PMDB esboça voz independente para, como de praxe, abocanhar mais vantagens nas coligações que vier a concretizar.
Apesar da pompa e dos discursos pseudo-moralistas que o anunciam, esse processo está longe de enfrentar as questões primordiais. A contaminação do eleito pela má qualidade do voto, decorrente da quebra de valores da sociedade, tende a perdurar. Nessas circunstâncias, como será possível revigorar as relações entre governados e governantes instituindo um “novo” tipo de Estado? Pois só uma sociedade forte poderá produzir uma nova concepção institucional, diferente do Estado de injustiça, estritamente capitalista, e do Estado de não-liberdade, do socialismo.
Por Nilson Mello
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