O liberalismo, o conservadorismo,
o socialismo e o atual governo
o socialismo e o atual governo
A
doutrina liberal reconhece a desigualdade entre os indivíduos em função do
mérito de cada um e de suas aptidões naturais. E propõe que o mercado, por sua
eficácia intrínseca, pautada pela competição, seja o campo em que as
potencialidades individuais se desenvolvam. A cada qual de acordo com o seu
empenho, o que pode até ser considerado rigoroso, mas jamais injusto. Há,
portanto, uma clara diferença entre liberalismo e conservadorismo.
O
conservadorismo tende ao "inigualitarismo" radical e, como tal, é
autoritário, preconizando uma sociedade rigidamente hierarquizada, não raro
condicionada por classificações atreladas à religião, raça, sexo, origem
social, ideologia etc. É não apenas injusto, como desumano. Quando a ministra
Damares diz o que a mulher pode ou não fazer, em virtude de seu gênero, ela
está sendo inigualitária. O "inigualitarismo" é essencialmente
conservador, e como tal inflexível.
De
forma contrária, o liberalismo - queiram ou não seus críticos - é progressista
na medida em que liberta o ser humano para realizar todas as suas potencialidades,
desde que respeitando os direitos alheios, além de colocá-lo a salvo da tutela
do Leviatã*.
O
liberalismo não é socialmente estanque, porque trata os desiguais
desigualmente. Sabemos que a regra primordial de justiça é aquela que manda
tratar os iguais de forma igual e os desiguais, de forma desigual. Apesar da
obviedade deste comando, ele é costumeiramente desprezado. Trata-se também de
um termo de balizamento ideológico.
Não
é exagero dizer que, a rigor, o socialismo privilegia a regra "a cada um
de acordo com a sua necessidade", em detrimento da regra "a cada um
de acordo com o seu mérito". O operário Karl receberá tanto
quanto o operário Friedrich, porque suas necessidades de sobrevivência são
semelhantes - quando não idênticas - e ainda que Friedrich tenha desempenho
melhor no trabalho e apresente maior aptidão intelectual e física.
Ora,
que estímulo Friedrich terá para seguir se empenhando ao máximo e desta forma
contribuir para o desenvolvimento da sociedade em que vive? O desestímulo ao
ímpeto individual, comprometendo a eficácia econômica, foi claramente a razão
do colapso das economias socialistas (Bloco Soviético) na segunda metade do
Século XX. Como vemos, não se trata apenas de uma questão econômica,
utilitária, embora ela tenha sido decisiva, mas também filosófica.
Neste
sentido, o liberalismo é mais justo e progressista que as doutrinas
socialistas, uma vez que essas pretendem tratamento idêntico (igualitarismo em
diferentes graus, até o absoluto) para indivíduos distintos em suas aptidões e
inclinações - distinções físicas, morais, intelectuais. Mas os seres humanos
são distintos, diferem uns dos outros: uns são bons, outros maus; uns fortes,
outros fracos; uns inteligentes, outros estúpidos; uns honestos, outros venais,
e assim por diante.
Tais
características não decorrem apenas do meio social - como pretendem, no extremo
de sua metodologia, as doutrinas marxistas. Elas são, sobretudo, uma expressão
da natureza, ou seja, encerram condições biológicas, genéticas. O homem é
produto do meio, mas não é somente produto do meio.
Ao
garantir a seus indivíduos, desde cedo, condições idênticas de competição para
desenvolver ao máximo as suas potencialidades, no limite autorizado por sua
natureza ou na medida de seu livre arbítrio, e com isso obter retorno em termos
de conforto material (retorno compatível com o seu mérito e esforço), uma
sociedade poderá se dizer liberal e ao mesmo tempo progressista e socialmente justa.
Muito
bem, agora o problema que mais nos diz respeito. Em países de tradição
"inigualitária" como o Brasil, com grandes abismos sociais, o Estado
passa a ter papel fundamental até para o sucesso de uma doutrina liberal ou de
políticas de orientação liberal, muito embora isso possa parecer um
contrassenso doutrinário. O Estado não pode ser "mínimo", tem que ser
necessário. Pessoalmente, entendo que não devemos ter qualquer constrangimento
em repelir os purismos ideológicos, não importando de que tendência for.
Uma
boa analogia é a de corredores numa prova de atletismo. Se os competidores não
estiverem alinhados na largada, com uns à frente dos outros, a competição não
será justa. A doutrina liberal só é moralmente válida se os cidadãos do Estado
em que ela se estabelece se encontrarem em condições de igualdade desde o
início de suas vidas. Estabelecida a padronização nas condições, que
cada um receba de acordo com o seu mérito. E aqui, reconheçamos, a doutrina
será quanto menos liberal quanto maior for a necessidade de o Estado intervir
para propiciar condições de igualdade na competição. Mas a incoerência não é
minha, mas da própria doutrina.
Educação
básica de qualidade e condições dignas de sobrevivência na infância e na
adolescência são pré-requisitos da competição moralmente justa. Feito
isso, o estímulo ao progresso individual será a mola propulsora do
desenvolvimento das nações. O esforço de cada um, na busca de suas realizações
pessoais (materiais, mas também intelectuais e afetivas), se somará aos
esforços dos demais, contribuindo para o sucesso "do todo". Ao invés
de o Estado estabelecer uma conta de chegada, engessada, com "quotas"
de retorno para os indivíduos, como ocorre nas economias planificadas (de orientação
marxista, em diferentes graus, o que inclui Cuba, Venezuela e Coreia do Norte),
é a ambição pessoal que impulsiona a coletividade e a faz prosperar.
Não
por acaso, foram as nações capitalistas, ou seja, aquelas que adotaram o modelo
liberal (liberdade individual, liberdade de empreender) que alcançaram os mais
altos indicadores de desenvolvimento econômico e social. Estamos falando de
Europa Ocidental, incluindo países escandinavos (equivocadamente tachados de
socialistas), bem como Canadá, Austrália, Japão, Coreia do Sul e, por que não
citar?, o Chile, na América Latina.
O
governo Bolsonaro é uma moeda de duas faces: uma liberal, outra conservadora.
Na minha opinião, o seu sucesso ou insucesso dependerá, em grande medida, de
qual face prevalecerá, sendo quase certo que as duas serão indissociáveis até o
último dia de gestão, com conflitos previsíveis, como temos visto.
Um
problema adicional, que não é apenas de caráter conceitual, se apresenta para
este governo e os subsequentes: se o papel do Estado, equalizando as regras do
jogo, a fim de que a competição seja efetivamente justa (e a própria Reforma da
Previdência está em linha com esta orientação), é indispensável, como evitar
cair na armadilha do intervencionismo e do dirigismo estais desmedidos que tanto
mal já causaram à economia do pais (e não apenas no passado recente)?
No presente,
acho que o ministro Paulo Guedes e sua competente equipe são capazes de
caminhar de forma equilibrada nesta estreita trilha. Com inteligência
suficiente para não sucumbir ao "purismo ideológico". Acho também que
o sucesso de agora determinará o padrão das próximas gestões. Aguardemos.
Por Nilson Mello
* Leviatã: na obra de Thomas Hobbes de mesmo nome, o Estado, como soberano absoluto e com poder sobre seus súditos que assim o autorizam através do pacto social; também o monstro primitivo das profundezas, mencionado na Bíblia.
Ótima análise Nilson.
ResponderExcluirObrigado, abraços
ExcluirMuito bom Nilson.👏
ResponderExcluirObrigado. Como é o seu nome?
ExcluirAbraços