sexta-feira, 28 de março de 2014

Artigo

A CPI e a verdade além dos discursos

Petrobras é o filé mignon dos políticos

    A virtual instalação de uma CPI da Petrobras no Senado, precipitada, entre outros, pelas revelações de indícios de negligência e desvios na compra da Refinaria Pasadena, no Texas, traz a reboque uma retórica que clama pelo expurgo da influência partidária na estatal e o fim de seu uso como instrumento político. Puro jogo de cena.
Como é quase certo que não passa pela cabeça de nenhum dos 28 senadores (um além do número exigido) que assinaram o pedido de CPI nesta quinta-feira a hipótese de que, para se livrar desses vícios, a empresa teria, necessariamente, que deixar de ser uma estatal, o discurso é - ele também – mera dissimulação política, fermentada pela agenda eleitoral.
Pois está claro que a única forma de se colocar uma empresa estatal, seja ela qual for, a salvo da influência partidária - que a afasta das boas práticas de governança, comprometendo a sua eficiência e os seus resultados – é a privatização. Heresia?
Apesar do que propaga a demagogia com indiscutível e lamentável sucesso, estatização nada tem a ver com soberania. Ao contrário, é justamente o vício estatizante e intervencionista que pode levar um país a bancarrota, ao naufrágio econômico e à crise institucional com convulsão social.
A Venezuela está aí para servir de exemplo - didático. Quem não tem medo de superar dogmas pode fazer a lição examinando os acontecimentos. Porque nada mais deletério do que o emprego partidário do patrimônio público. E governo agindo como empresário é desastre certo.
Então, a despeito das mal disfarçadas alegações, não é por outra razão - mas somente pelos objetivos submersos, ressalvadas raríssimas exceções - que a classe política, não importando de que partido ou orientação programática (se é que isso existe), se opõe ferrenhamente a privatizações em geral e a da Petrobras, em particular.
O elevado ideal de preservação do patrimônio público é apenas parte da propaganda enganosa que até opositores do governo, com o requerimento da CPI sob as axilas, cinicamente repetem. Sem estatais, o esquartejamento do botim que o atual modelo propicia perde oque tem de mais valioso.
Portanto, não se preocupem, puristas desavisados. O movimento ora ensaiado pelas oposições (no plural, porque a oportuna convergência entre alguns grupos decorre claramente da agenda eleitoral), visando a expurgar a influência partidária na estatal, tem um limite muito claro, tacitamente (ou talvez até explicitamente) estabelecido. A ninguém, no Congresso, interessa perder este filé mignon chamado Petrobras. Pobre Petrobras. 
Por Nilson Mello

quinta-feira, 27 de março de 2014

CORREÇÃO

      No artigo de sexta-feira (21), e em sua chamada, o nome Pasadena foi grafado de forma incorreta, devido a um erro de digitação, e posteriormente corrigido na página.

     Dora Kramer - A propósito, o Planalto atribuiu a um relatório falho, produzido por um diretor, a aprovação da compra da refinaria texana, em 2006, pelo Conselho de Administração da Petrobras.

    Agora, responsabilizado pelo mau negócio, o autor do relatório é afastado de uma Diretoria da subsidiária BR. Mas, antes, fora promovido a esse cargo e, recentemente, a uma função no exterior.

     Então, pode-se concluir que o Conselho da Petrobrás, presidido na época por Dilma Rousseff, aprovou um negócio envolvendo valores significativos com base em dados vagos e incompletos.

     O fato por si só seria grave porque o papel de qualquer Conselho de Administração é cobrar esclarecimentos, sempre que as informações apresentadas pelos executivos da empresa estejam inconsistentes.

     Como bem lembrou a jornalista Dora Kramer em artigo no Estado de S. Paulo desta quarta-feira (26), a Petrobras demorou seis anos para punir o autor dos equívocos, a contar de 2008, ano em que a presidente Dilma Rousseff afirma ter tido conhecimento das falhas e omissões no documento.

     Mas, contraditoriamente, a presidente da estatal e o seu ex-presidente continuam dizendo que, à época, a operação parecia ser um bom negócio. Então, ou o relatório estava errado e o negócio sempre foi ruim, ou era um bom negócio na época e o relatório estava correto – e neste caso não se justifica a punição ao diretor, a não ser que para salvar aparências. Decida-se, presidente.

Por Nilson Mello

sexta-feira, 21 de março de 2014

Artigo

O que é pior no caso Pasadena?

 Refinaria Pasadena, Texas

    As cláusulas do tipo put option garantem a um dos sócios o direito de adquirir 100% do negócio em caso de discordância quanto aos rumos da companhia, dentro de determinado prazo. São usuais em operações de fusão e aquisição como a compra, em 2006, da refinaria Pasadena, no Texas, pela Petrobras.
Menos comuns, mas igualmente corriqueiras, as cláusulas Marlin garantem um percentual de lucro a um dos sócios, em caso de condições desfavoráveis de mercado. Também estava presente no contrato da unidade texana.
A put option é tão frequente que figurou na compra de outra refinaria pela Petrobras, a de Okinawa, no Japão, dois anos mais tarde, por US$ 50 milhões. O esclarecimento quanto à presença das cláusulas em Pasadena foi feito nesta quinta-feira (20) pelo ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielle. 
Em grande medida, a explicação põe em xeque a presidente Dilma Rousseff que, na véspera, procurou se isentar de qualquer responsabilidade na operação, concretizada na época em que era ministra-chefe da Casa Civil (a poderosa “gerentona” do governo Lula) e presidente do Conselho da estatal.
Em nota, o Palácio do Planalto informou que, se essas regras fossem conhecidas na época, “seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho”. E ainda que o aval foi dado com base em relatório (resumo executivo) “falho, pois omitia qualquer referência às cláusulas Marlin e de Put Option que integravam o Contrato”.
Contudo, é possível ler nas entrelinhas das explicações de Gabrielle que quem é ou foi executivo do setor petróleo ou autoridade com ingerência na área de energia e, sobretudo, na Petrobras, tem pleno conhecimento de tais regras. Dilma, além de presidente do Conselho da empresa, foi ministra das Minas e Energia e titular da pasta no Secretariado do Rio Grande do Sul. Detalhe: Gabrielle não confirmou que o resumo executivo omitira as cláusulas.
 A discrepância de valores na transação fechada no Texas chama a atenção e por isso o esforço para esclarecê-la. A refinaria havia sido comprada em 2005 pela belga Astra Oil por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte, a Petrobras desembolsou US$ 360 milhões por apenas 50% da unidade. Num segundo aporte, em junho de 2012, pagou mais US$ 820,5 milhões pelo seu controle, após uma disputa judicial e um pedido de arbitragem que culminaram com a imposição da cláusula put option.
Segundo Gabrielle, “o negócio foi adequado, com as regras que ele continha, naquele momento”. A diferença entre o que a Astra Oil pagara pela planta e o que a estatal brasileira acabou desembolsando pelo seu controle é de US$ 778 milhões, ou 1.830%. Para sermos imparciais, reconheçamos que a grande variação não significa necessariamente que houve sobrepreço com o intuito de desviar recursos.
Gabrielle afirma que o valor final envolveu não apenas a planta, como a aquisição da capacidade de refino e produtos que estavam na refinaria, além de remuneração para os bancos que apresentaram garantias e custos judiciais, entre outros. Explicações dadas, contudo, não há como não dizer que foi um péssimo negócio.
Agora, além do dinheiro jogado fora e da má gestão na Petrobras, é saber o que pode ser pior: o fato de a presidente Dilma ignorar regras que deveria conhecer, não ter exigido explicações mais detalhadas de um negócio vultoso envolvendo a maior estatal do país, da qual era presidente do Conselho, ou de apostar numa explicação capenga para tentar se eximir de culpa numa operação desastrosa?

    Por Nilson Mello

Anote – O choque de oferta de alimentos leva analistas do próprio governo a admitir que o índice de inflação romperá o teto da meta (de 6,5%) no segundo semestre. A política monetária não surte o efeito esperado sem uma política fiscal (contenção de gastos públicos) compatível.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Em tempo


    Não se deve pré-julgar sem ouvir a versão do acusado e entender todas as circunstâncias do fato. Mas devemos reconhecer que os antecedentes dos três policiais envolvidos na morte de Claudia Silva Ferreira - que já baleada foi arrastada por um veículo da PM - compromete qualquer tentativa de lhes garantir o benefício da dúvida. Essa tentativa foi feita em comentário publicado ontem neste Blog. A “folha corrida” dos acusados consta das matérias dos links abaixo.

Link 01
Link 02

quarta-feira, 19 de março de 2014

Comentários


Desmanche da Petrobrás e Eletrobrás – A desorientação administrativa e a postura reativa, pautada no “método” tentativa e erro, são as características mais marcantes de um governo que foi eleito sob o marketing da capacidade de gestão de sua condutora (o que não deixa de ser irônico).
    “O que há no governo é mais do que má gerência. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia”, sentencia Elio Gaspari, em artigo publicado hoje em O Globo.
A má gestão da presidente Dilma Rousseff tem sido objeto, direta ou indiretamente, de outros comentários e artigos deste Blog (ver nota Anote do último dia 12). O desmanche econômico-financeiro da Petrobras e da Eletrobras é apenas um de seus efeitos deletérios.

Link para artigo de Elio Gaspari:


Barbárie – A morte de Claudia Silva Ferreira, arrastada por um carro da PM após ser baleada numa favela, é um desses trágicos absurdos que se repetem cada vez com maior frequência no Rio de Janeiro.
Como não poderia deixar de ser, os três PMs envolvidos foram imediamente afastados de suas funções, detidos e serão indiciados por homicídio, provavelmente qualificado. Na imprensa, contudo, já foram pré-julgados como bárbaros. E aí vale uma reflexão, a título de contra-ponto.
Como sabiam que estavam sendo vistos e que, certamente, estariam sendo monitorados por câmeras ao longo do trajeto, teriam ainda assim arrastado propositalmente a vítima, já seriamente ferida, por 350 metros?
A hipótese de que teriam  fé absoluta na impunidade não é capaz de manter a tese de barbárie de pé neste caso. Daí porque é razoável supor que o episódio tenha resultado do desespero e do despreparo. Sobretudo, se considerarmos que ocorreu em plena luz do dia, com dezenas, talvez centenas de testemunhas.
A outra hipótese: atingiram a vítima acidentalmente; na ânsia de socorrê-la, jogaram-na no camburão; e, na afobação de chegar ao hospital, demoraram a ver que a porta da caçamba abrira e ela caíra... Cometeram uma sucessão de erros e devem ser punidos por eles. Mas não teriam sido bárbaros a ponto de arrastar propositalmente uma mulher ferida pelas ruas.
Porque o difícil não é crer na crueldade. Já tivemos notícias de barbaridades cometidas por integrantes da PM fluminense, de execução de magistrados a espancamento de inocentes. Mas convenhamos que até para a estupidez e a crença na impunidade deve haver um limite. Em outras palavras, podem até ser muito cruéis, mas não é possível que sejam tão burros.

Comentário de leitor:

(...) Muito bom seu comentário sobre a mulher arrastada pelos PMs. (...) O que causou tudo isso? Selvajaria ou burrice? Em comentário anterior, você respondeu a pergunta. A ausência de projeto educacional apropriado para o pais. Enquanto não vem, selvajaria e burrice se espalham pelo pais e envenenam  a nossa sociedade. Os sinais de que a contaminação chegou a níveis críticos  pipocam diariamente na imprensa. Aumento assustador da criminalidade que se tenta reprimir com uma policia troglodita. Mas como você observou, mesmo com projeto educacional apoiado em prioridade máxima, os efeitos somente serão sentidos a longo prazo. Enquanto isso, a burrica e selvajaria exigirão da gente seu “pound of flesh” , como pedira o mercador de Veneza - Mario Santos, diplomata.

 

segunda-feira, 17 de março de 2014

Anote

A revolta na base aliada do governo, objeto de análise do último artigo deste blog, na sexta-feira passada, começa a ser esclarecida por reportagens publicadas neste fim de semana. Os partidos aliados, PMDB à frente, acusam o PT de colocar em prática um plano para sufocá-los e passar a ser a única sigla relevante na Câmara, a partir das eleições do outubro. A matéria do link abaixo, do Estado de S. Paulo deste domingo, expõe a guerra em curso. O revés sofrido pela presidente Dilma Rousseff nas votações dos últimos dias é apenas um dos sinais de descontentamento. A questão (levantada no artigo de sexta) é saber se o governo e o PT avaliaram corretamente os riscos inerentes a um embate com o PMDB.
Segue o link:

sexta-feira, 14 de março de 2014

Artigo



O presidencialismo de coalizão

 Plenário do STF: balanço positivo do Mensalão

Ao insistir no confronto com o PMDB, o PT dá a entender que pode se desfazer do chamado “presidencialismo de coalizão” em pleno ano eleitoral sem perder de vista a vitória nas urnas em outubro e o seu projeto de poder. Seria isso mesmo?
O “toma-lá-dá-cá” que a fórmula da coalização propicia é, de fato, deletéria. Eliminar as negociações e os negócios submersos que pautam a relação do Executivo com o Legislativo seria, portanto, um projeto digno do apoio de todos.
Contudo, muito pior do que o efeito colateral nefasto que o modelo implica é a proeminência de um partido hegemônico, com poder absoluto sobre uma máquina pública avassaladora – e por extensão sobre todos nós, mortais.
Que fique claro: presidencialismo de coalização não é um mal em si. O mal está nas práticas inconfessáveis que os agentes adotam dentro do modelo possível.
São eles que precisam melhorar, ou serem melhorados, por meio do voto esterilizado que o eleitor “deposita” na urna. O pressuposto é o próprio aperfeiçoamento do eleitor. Então, de volta à velha pergunta: a educação que temos hoje no Brasil já é capaz de potencializar essa revolução ou precisaremos de mais alguns anos (décadas ou séculos) para depurarmos o processo?
Olhando o embate do ponto de vista prático, dentro do cálculo estritamente eleitoral, é difícil acreditar que o PT não perceba o risco de derrota com a possível defecção do PMDB. Ainda que o partido blefe melhor do que aparenta, e que seja capaz de redefinir o eixo dos entendimentos sem maiores estragos, a estratégia é de alto risco. Para o PT, claro, não para o país.
A oposição agradece. Em especial o PSDB, herdeiro presuntivo do apoio - por questões históricas e também pela estrutura capilarizada, “mais capacitada” a absorver o apoio que é quase que declaradamente interessado.
Aliás, o movimento do PT foi até aqui o lance mais ousado da pré-campanha de Aécio Neves. E, pelo que se vê do espírito e do ânimo do tucano, será difícil de ser superado. E isso talvez explique um pouco o risco assumido pelo governo e o seu partido.

Por Nilson Mello

Em tempo

Mensalão - O Supremo Tribunal Federal encerrou nesta quinta-feira (13) o processo do “Mensalão”. Dos 40 personagens inicialmente denunciados pela Procuradoria-Geral da República em 2006, 38 acabaram no banco dos réus.
Desses, 24 foram condenados ao término de um ano e sete meses de julgamento, com 69 sessões. Entre eles estão um ex-ministro, um ex-presidente de partido, um punhado de outros ex-dirigentes partidários, ex-deputados federais, empresários, banqueiros e diretores de estatais.
Pode-se até discutir algumas penas aplicadas a um ou a outro réu, por rigor de menos ou até rigor demais – afinal, cada qual tem o direito de fazer o seu próprio juízo, desde que cumpra o que determina a Justiça.
Por isso a Ação Penal 470 fica como um marco na história política brasileira. Contribuiu para a moralização da vida pública nacional, o fim da impunidade e a consolidação das instituições.
A exclusão de dois indiciados e a absolvição, no julgamento, de 13 réus, juntamente com as condenações, apenas comprovam, no final das contas, a independência, a credibilidade e a força dessas instituições.

Mais impostos – Por falar em eleição, o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, certamente a maior entre os chamados emergentes, na casa dos 36% do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda assim, o governo anuncia que aumentará impostos, a fim de poder fazer aporte de caixa para destinar R$ 4 bilhões às distribuidoras de energia, além de estimular o financiamento de mais R$ 8 bilhões ao setor. Foi a fórmula encontrada para conter ainda mais os aumentos da conta de luz em ano eleitoral. De qualquer maneira, a fatura vai para o contribuinte, mas sob mal ajambrado disfarce. O controle de preços administrados é uma das razões para os baixos investimentos no setor de energia. Por sua vez, os baixos investimentos são uma (a principal) das razões para os riscos de apagão. O contribuinte é punido de todo jeito: por pagar altos impostos, por não ter uma infraestrutura confiável na área de energia (a exemplo do que ocorre em outros setores, como saúde, educação, segurança e transportes) e por ser engabelado em ano eleitoral.

quarta-feira, 12 de março de 2014

ANOTE


Sempre achei que a dificuldade de comunicação (a oral e, sobretudo, a escrita) que acomete algumas pessoas reflete, na verdade, um raciocínio tortuoso. Às vezes a pessoa até é letrada (não sei se é o caso), mas se exprime mal. A lucidez faz com que a comunicação seja direta, clara, límpida. Por isso tendo a achar também que nossa presidente não é assim tão casca-grossa como suas declarações nos fazem crer. E digo isso em sua defesa. É mesmo uma deficiência cognitiva. A questão é que a falta de lucidez - também determinante do preconceito ideológico que compromete a eficiência - gera problemas muito mais sérios do que o "ruído" na comunicação - sobretudo se o agente detém poder. A propósito, o maior estelionato eleitoral que se cometeu neste país foi o marketing eleitoral em torno da imagem de boa gestora da então candidata Dilma Rousseff. A boa gestão tem como pressuposto o raciocínio claro, indispensável para o acerto dos diagnósticos e dos prognósticos na política e na economia. Talvez tenham confundido gestão com autoritarismo, e assim confundido os eleitores... NM

sexta-feira, 7 de março de 2014

Artigo


A literatura política na ficção
Trotski estava certo ou isso perdeu relevância? 
 
    Em O homem que amava os cachorros, o premiado escritor cubano Leonardo Padura expõe de forma contundente as contradições de uma ideologia que tolhe a expressão da individualidade na sua autoproclamada e paradoxal busca pelo bem-estar dos indivíduos.

A repressão dos autênticos anseios pessoais e sua submissão a projetos ideológicos, em nome de interesses coletivos supostamente mais elevados, tem sido a fórmula infalível do fracasso de Estados que acreditam poder refundar a natureza humana por meio da força. Lamentavelmente esse foi também um ingrediente determinante dos grandes conflitos do século XX.

O marxismo identificou na mais valia - na apropriação, pelo empregador, de uma parcela do trabalho do empregado e na sua transformação em lucro - a causa das injustiças sociais. A eliminação das classes, da propriedade privada e, por consequência, do próprio lucro transformaria a humanidade.

O diagnóstico vigoroso conquistou o mundo. De forma subjacente, contudo, a doutrina preconizou, a despeito das evidências em contrário, algo que nem as religiões monoteístas, fundadas na fé absoluta num Deus infalível, arriscaram fazer: tornar o homem um ser perfeito, livre de vícios.

O desmoronamento do Bloco soviético no final dos anos 1980, depois de décadas de promessas originadas na Revolução de outubro de 1917, provou que o bem-estar da coletividade não pode ter como pressuposto o sacrifício dos projetos individuais. Hoje, quem se livrou do “dogma” percebe que são as aspirações pessoais a mola propulsora do mundo, porque delas depende a eficiência econômica. A soma dessas aspirações, dentro de um ambiente regrado, garantirá os avanços da sociedade em direção ao progresso.

A Lei deve coibir abusos e garantir igualdade de condições na competição - resguardando direitos aos menos capacitados e às minorias - sem, contudo, nivelar indivíduos, que são, por natureza, desiguais. Essa é a verdadeira sociedade justa, e não aquela que, por decisão autoritária de um Estado onipresente, define o que cabe a cada um.

A força do livro de Padura está no fato de não ser uma crítica previsível ao modelo. A sua ficção presta uma homenagem à história. O próprio autor foi forjado no sistema (nem tudo foi em vão, afinal!).

O relato esterilizado da trajetória de Ramón Mercader, o executor de Leon Trotski que, em nome de um projeto revolucionário, anulou a sua individualidade e acreditou cegamente no que lhe determinaram, é didático sem necessidade de recursos a adjetivos ou a conclusões panfletárias. O mesmo vale para a história entrelaçada de Iván, jovem escritor, atônito com as diretrizes do regime cubano, às quais tenta, com sofrimento, se adequar.

 A grande fome que resultou da política de coletivização da agricultura promovida por Satlin (produtores rurais foram expropriados até de seus cães e sementes), entre 1929 e 1933, mencionada no livro de Padura, foi justificável na perspectiva revolucionária, mesmo tendo levado à morte milhões de pessoas? Ou podemos dizer que é a propriedade privada e, por extensão, a possibilidade de lucro, o maior incentivo à produção e a tão almejada segurança alimentar?

De forma mais prosaica, podemos ainda indagar - sem que isso tenha mais a menor relevância hoje, o que não deixa de ser trágico - com quem estava a legitimidade revolucionária, com Trotski ou Stalin?

As respostas não estão no livro, mas ele nos ajuda a perceber que há verdades irrefutáveis transcendentes à luta de classes.

Por Nilson Mello

Em tempo

                O PT engrena o ano eleitoral em briga aberta com o maior partido da base governista e, ao menos em teoria, o seu forte aliado nas urnas em outubro, dada a sua capilaridade Brasil afora. Dez em dez analistas seriam capazes de garantir que um revés do PT na eleição presidencial deste ano está condicionado a uma defecção do PMDB. Isso considerado é difícil entender a lógica que tem orientado o movimento da cúpula petista nos últimos dias. A não ser que a mídia esteja exagerando o confronto – o que é bastante provável.

  Anote

    Se não está à beira de uma crise, como lucidamente ponderou Armando Castelar Pinheiro, em artigo no Valor desta sexta-feira (07/03), a economia brasileira continua a dar sinais para preocupação. A piora na balança comercial em fevereiro é mais um deles. Vale, portanto, repetir a observação de Castelar: “...as reformas necessárias para acertar o rumo estão ao nosso alcance. Apenas temo que a situação tenha que piorar antes que elas sejam feitas”.