quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Artigo



Mensalão. Estamos quase lá



    As manifestações que desde junho tomaram as ruas das principais cidades brasileiras – hoje já um tanto arrefecidas e desvirtuadas, mas ainda assim legítimas nas motivações de origem - provam que o fim da impunidade é uma aspiração do eleitor.
O basta à impunidade gera por consequência direta ou indireta a moralização das práticas políticas no país, não por acaso outra “bandeira” desfraldada nos protestos populares deste ano.
A decisão do Supremo Tribunal Federal desta quarta-feira (13/11) determinando o cumprimento imediato das penas de onze dos 25 condenados no processo do Mensalão foi, sim, uma vitória da sociedade. Mas uma vitória apenas parcial.
    A conquista seria completa se o Supremo não tivesse sucumbido, durante a sessão, a uma filigrana jurídica que tomou forma de manobra, contribuindo para postergar o desfecho do processo.
Seguindo o voto do ministro Teori Zavascki, o Tribunal decidiu por maioria de seis votos a cinco que não haveria trânsito em julgado de sentença para aqueles réus que tivessem interposto embargos infringentes mesmo nos casos em que esses recursos não fossem cabíveis.
A filigrana, no caso, revela-se pelo argumento apresentado pelo ministro: a de que a sessão de ontem não se destinava a fazer juízo de admissibilidade dos recursos.
Como já exaustivamente comentado, o pressuposto do embargo infringente é a ocorrência de ao menos quatro votos divergentes em decisão contrária ao réu.
A sentença de vários dos condenados cujos advogados apresentaram o recurso não cumpria esse requisito. Ainda assim, prevaleceu o entendimento do ministro Zavascki.
Curiosamente, quem melhor definiu o absurdo foi o ministro Dias Toffoli, sem se distanciar de seu simplismo habitual: “Quem entrou com o recurso, mas não tem o direito, não pode ser beneficiado (...). Se não há quatro votos divergentes, pode-se, sim, falar em trânsito em julgado”. Voto vencido.
Muito bem, sem trânsito em julgado, evidentemente não poderia haver cumprimento imediato de sentença para esses casos.
A decisão gerou o insólito: réus que não ajuizaram o embargo, reconhecendo que não eram cabíveis, terão que cumprir pena imediata, enquanto outros, que o opuseram sem o pré-requisito, com o intuito único de protelar a decisão, terão mais algum tempo de liberdade antes de ir para a cadeia.
Cabe também replicar o comentário do ministro Gilmar Mendes, nos jornais de hoje: “Estamos dizendo aos que não interpuseram embargos infringentes que, da próxima vez, interponham, porque haverá alguma vantagem. Estamos fomentando um sistema recursal caótico”. Nas palavras do ministro, a tradução da vitória parcial da sociedade. 
A admissibilidade dos embargos infringentes, quando o seu pré-requisito está atendido, tornou-se questão incontroversa após a decisão do Tribunal em setembro passado. Na ocasião, contrariando o chamado “clamor das ruas”, o ministro Celso de Mello, deu voto de desempate favorável ao recurso.
Artigo deste blog, de 13 de setembro, “Quem disse que a democracia é simples?” (acesse pesquisa na barra lateral direita), defendia o cabimento dos embargos, antes mesmo do voto de Celso de Mello. A tese, expressa no artigo, era a de que só se faz Justiça com estrito respeito à legalidade, ainda que isso tome tempo.
Como os embargos infringentes, previstos no regulamento do Supremo, foram recepcionados pela Constituição e são há algum admitidos em julgamentos na Corte, não reconhecê-los no julgamento do Mensalão seria um ato de exceção incompatível com a própria democracia. Essa mesma democracia que se pretende preservar com a punição rigorosa dos mensaleiros condenados.
Já o que aconteceu ontem foi bem diferente. O não reconhecimento do trânsito em julgado, tendo em vista recursos que são visivelmente inadmissíveis, é fruto de uma criatividade jurídica que beira o deboche. Nada tem a ver com estrito respeito à legalidade. 
Em todo caso, está ficando cada vez mais claro que, embora tarde um pouco, no caso do Mensalão a Justiça não falhará.
 
Por Nilson Mello


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