sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Artigo


                         
O gueto de Gaza


O cessar-fogo de 72 horas, pactuado ontem, fracassou. Nesta sexta-feira (01/08) disparos e bombardeios foram retomados. Se a trégua (efêmera, por razões humanitárias) já é difícil, como se chegará um dia à reconciliação e à paz num conflito armado em que os civis, de ambos os lados, são as maiores vítimas?

Porque parece muito claro que a morte de não militares, de não combatentes – de inocentes, portanto – multiplica e (por que não dizer?) perpetua o ódio recíproco.

Não se trata aqui de pacifismo ingênuo. Muito menos de deixar de denunciar e condenar o terrorismo do Hamas (algo que a diplomacia brasileira, por determinismo ideológico, não fez). Os seus métodos covardes sem dúvida conduziram à escalada da violência que agora a comunidade internacional assiste com estarrecedora e quase criminosa passividade.

Ao contrário, trata-se de tentar entender, com pragmatismo, aonde a proclamada “ação defensiva” de Israel pode levar. Pois, se não é possível se reconciliar com aquele que matou o seu filho ou o filho de seu vizinho, ou que destruiu a sua casa e o bairro em que morava, é preciso saber o que se pretende, do ponto de vista estratégico.

Observadores internacionais – especialistas militares, segundo os jornais de hoje – afirmam que Israel não teria alternativa neste momento a não ser os bombardeios repetitivos e as “incursões cíclicas” à Faixa de Gaza, evitando uma ocupação mais prolongada (como fez na Cisjordânia, em 2002), para não desviar o seu foco de uma ameaça maior, que seria o programa nuclear iraniano. 

O objetivo é quebrar a capacidade ofensiva do grupo terrorista palestino (com a sua intermitente barragem de foguetes sobre o território israelense), a exemplo do que foi feito em 2006 com o grupo xiita Hezbollah, no Líbano.

A doutrina tem o apoio de 95% da população de Israel. A questão é saber se o preço que ela cobra, em número de vítimas inocentes – centenas de crianças, em especial – é justo. É justo?

Mais do que isso. Considerando que os palestinos também fazem jus ao seu território – algo que não lhes foi concedido pela resolução da ONU de 1947, que criou o Estado de Israel – e que, portanto, o processo de pacificação passa necessariamente pelo reconhecimento deste direito, é difícil explicar que papel a presente “doutrina de defesa” pode ter na busca do entendimento. Pelas razões mencionadas de início, somos inclinados a crer que ela apenas torna ainda mais difícil uma solução para os conflitos na região. 

O direito de defesa de Israel contra o grupo terrorista Hamas é legítimo e indiscutível. Mas este direito não é absoluto. Este direito não autoriza o bombardeio indiscriminado de regiões urbanas densamente povoadas.  A morte de mais de mil civis, além de um gigantesco número de feridos e desabrigados, equipara a suposta operação de defesa a um massacre e às piores atrocidades cometidas por seus inimigos.

As advertências do governo de Israel para que os palestinos deixem as suas casas antes dos ataques aéreos e terrestres soa a hipocrisia. Confinados numa faixa de terra de 45 km de extensão por 10 km de largura, com alto índice demográfico, e submetidos a restrições de circulação para fora desse território, os palestinos simplesmente não têm para onde fugir. Gaza, hoje, foi transformada em um gueto, expressão que relembra o mais dantesco episódio da Humanidade, que teve justamente o povo judeu como vítima.

Direito de defesa não pode ser um ato de vingança,

Por Nilson Mello

Comentário do leitor Jacques Malka, advogado, Rio de Janeiro, em 02 de agosto:

"A propósito do seu texto 'Considerando que os palestinos também fazem jus ao seu território – algo que não lhes foi concedido pela resolução da ONU de 1947, que criou o Estado de Israel', esclareço, se me permite, que a Resolução 181 da ONU de 1947, aprovou um plano para partição de determinada área em 2 Estados, um judeu e outro árabe. Os judeus aceitaram. Já os árabes palestinos, assim como os Estados Árabes, não aceitaram o Plano".



 

 




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