sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Artigo

A realidade vence a ideologia

Presidente da França, François Hollande.

   Medidas recentes, não combinadas, mas coincidentes, e adotadas em diferentes graus pelos governos do Brasil e da França mostram que não pode haver gestão eficaz na economia com subordinação à ideologia.
Nem o Planalto nem o Elysée virão a público reconhecer com todas as letras que erraram ou abjurarão os seus impulsos heterodoxos no campo econômico, mas a realidade dos fatos é mais contundente do que qualquer retórica palaciana. 
Ainda que, tanto lá quanto aqui, mas, sobretudo aqui, onde a demagogia exerce maior sedução sobre o eleitor, as recaídas sejam sempre possíveis e mesmo prováveis, a inflexão é digna de nota.
Ressalve-se que, no Brasil, a rigor, a referida medida não chega a ser uma mudança de rumo, mas apenas atestado de equívoco.
    Na França, o socialista François Hollande lançou um pacote fiscal que prevê o corte de 50 bilhões de euros em despesas públicas, além de redução de encargos das empresas num total de 30 bilhões de euros até 2017.
O plano tem o objetivo de reativar a economia francesa, cujo crescimento tem sido pífio, e gerar novos postos de trabalho, revertendo a preocupante taxa de desemprego de 11%.
Quando tomou posse, em 2012, Hollande dizia que a austeridade não deveria ser uma receita obrigatória para a França e a Europa, mergulhada em crise, apostando no aumento dos gastos públicos como forma de impulsionar a economia.
Assim como outros dirigentes de orientação socialista, o governo Hollande confundia programas de inspiração keynesiana, ou medidas de caráter anticíclico, com frouxidão fiscal. Alguma semelhança com os trópicos?
A sua guinada pode ser vista como o reconhecimento implícito de uma verdade irretorquível: quem agrega valor e gera riquezas não é o Estado, mas a sociedade, por meio dos indivíduos e das empresas.
Só que, para gerar valor, empresas e indivíduos não podem estar sufocados pela compulsão tributária de um Estado opulento. Encore: Alguma semelhança com os tópicos?
Bombardeado pelos partidos de esquerda que o apoiam e o elegeram, entre eles o Partido Comunista Francês, acusado de se render ao liberalismo, Hollande defendeu-se com lucidez: “o que estava em jogo era o futuro da França, não o de uma ideologia”.
O liberalismo deve ter lá muitos pecados, mas colocam em sua conta os vícios que, na verdade, são do ativismo estatal irresponsável.
Ao contrário do que escreveu o mais proeminente articulista da imprensa brasileira na semana passada, o que levou a Grécia à bancarrota não foram as regras de mercado, mas, sim, programas de governo que as ignoram, assim como políticas que ignoram a correta gestão das contas públicas.
No Brasil, a ideologia levou o governo Dilma Rousseff a uma condução econômica arriscada, em que políticas monetária e fiscal eram incompatíveis. Em nome de um crescimento econômico que não veio, justamente porque faltou eficiência e estabilidade, os gastos públicos foram mantidos altos, ampliou-se o estimulo ao crédito, ao mesmo tempo em que se reduziam as taxas de juros.
No governo Lula, a expansão dos gastos era compensada por uma política monetária restritiva. Sua sucessora inovou, combinando expansão fiscal com alívio nos juros. Uma inflação persistentemente alta foi o resultado da heterodoxia.
Agora, para segurar a inflação e melhorar as expectativas dos agentes econômicos, o Banco Central é obrigado a apertar ainda mais os juros – elevou a taxa em 0,5% esta semana, para 10,5% ao ano. Não é que se queiram juros altos, mas muito pior é uma inflação sem controle.
É preciso prova mais contundente de que este governo não sabe o que faz na economia?
 
Em tempo:
Casanova – Muito mais inusitada do que a mudança na política econômica francesa, foi a revelação de que o presidente François Hollande é um conquistador inveterado. Afinal, il n`as pas de tout le physique du rôle.
 
Por Nilson Mello

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