sexta-feira, 21 de junho de 2013

Os protestos, as perdas e os ganhos


A metáfora da democracia brasileira

   O risco de um movimento da magnitude do que há dez dias varre o Brasil é o de uma escalada de violência que está na contramão do desejo de um país melhor, justamente a causa motivadora das justas manifestações desencadeadas como reação ao aumento das passagens dos transportes públicos.  

  Aonde se quer chegar?  Os manifestantes – lembrou um sociólogo em entrevista à imprensa – foram às ruas porque não se sentem mais representados pelos partidos em geral e a oposição, em particular.  Bingo!

  Uma gota d’água fez transbordar a insatisfação que vinha latente. A sociedade, em momento histórico, deu sua reprovação categórica a um Estado omisso nas suas obrigações, voraz na cobrança dos impostos, ao mesmo tempo em que absolutamente incompetente na prestação de serviços públicos de qualidade – em especial nas áreas essenciais de saúde, educação, segurança e transportes.
Por extensão, a sociedade expressou o seu repúdio à corrupção e à impunidade.
    
  O caráter apartidário garantiu legitimidade ao movimento. E exatamente por isso é impossível não reconhecer que ele embute uma contundente e inequívoca reprovação ao atual governo do PT. Afinal, que partido é há mais de uma década hegemônico no país? 
    
  Um dado a remarcar é que, a despeito da reprovação implícita ao cinismo político, a prática não foi abandonada pelos nossos governantes. Acuado e atônito, um prefeito colocou na mira do alvo as empresas de ônibus. Fingiu não entender que os protestos são contra a inépcia do Poder Público, não contra o setor privado.

 Também está claro que foi um movimento fundado na insatisfação da classe média. Mais exigente e crítica, e à margem dos programas de transferência de renda, foi ela que esteve liderando as multidões nos grandes centros urbanos. 

  O sentimento, calcado em dados consistentes, de que a economia já não vai bem e que a velha inflação está de volta foi o ingrediente adicional.

 Instados a analisar o momento e propor soluções, juristas e cientistas políticos apressaram-se em pedir uma reforma política. A questão é saber quem faria a reforma: a classe política que está aí e cuja representatividade está sendo indiretamente colocada em xeque nos protestos? A próxima legislatura? Ora, a possibilidade de ela vir a ser melhor do que a atual é remota, quase nula. 

 Se não houve qualificação do eleitor, o passo crucial – o da reforma – não pode ser dado com chances mínimas de acerto. 

  A figura metafórica do cão correndo atrás do rabo, já usada neste Blog para sintetizar o desafio da democracia brasileira, volta a ser oportuna. É preciso qualificar o governante e a classe política, a partir da qualificação do eleitor, mas isso pressupõe um Estado que, antes de tudo, garanta uma educação de boa qualidade. Onde está este Estado? 

  Pois então é pelo clamor público inédito que as manifestações dos últimos dias fazem todo o sentido. O problema é que os oportunistas estão à espreita e se aproveitam do anonimato das massas. 

 Sem pauta expressamente definida ou liderança formalmente constituída (difusa, para usar o termo de agrado geral), o movimento começa a resvalar para uma preocupante convulsão nacional, com violência generalizada e desproporcional. 

 Os graves episódios de depredação, vandalismo e ofensa ao patrimônio público verificados nos últimos dias, sobretudo no Rio e em Brasília, recomendam a suspensão das passeatas. O que se tem a perder, neste momento, é muito mais do que se pode ganhar no curto prazo. 

  O que se tem a perder é a própria democracia que se pretende proteger e aperfeiçoar. O risco de uma conflagração interna, cujas consequências são imprevisíveis, não é desprezível. 

 As conquistas que estariam em jogo: uma democracia que, ainda que imperfeita, garante a liberdade de expressão, resguarda os direitos individuais, impõe limites à ação penal do Estado e preserva institutos como a separação dos Poderes, o multipartidarismo e eleições regulares, livres e diretas, entre outros.
  Nunca é demais lembrar.

Por Nilson Mello

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