sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Artigo


Pede para sair

    
    A declaração da presidente Dilma Rousseff garantindo que o ministro Joaquim Levy "fica" lembrou aquelas entrevistas de presidente de clube de futebol após derrota por goleada para o maior rival: o treinador segue "prestigiado". Mas a semelhança limita-se à forma apenas. Porque, no caso de Levy, é possível mesmo que sua gestão seja estendida às últimas consequências, enquanto for cômodo para o governo ter alguém para fazer - ou tentar fazer - o "trabalho sujo" do suposto ajuste fiscal. Não é uma questão de prestígio, mas, justamente o oposto, de crescente desprestígio.
   Levy, com seu rótulo de neoliberal, digno representante da Escola de Chicago, poderá ser encaixado também no papel de bode expiatório de uma crise para a qual não deu qualquer contribuição. Na verdade, este já tem sido o tom do discurso hipócrita.
    O país enfrenta hoje os efeitos de anos a fio de uma gestão econômica irresponsável. Ressalte-se, esmeraram-se no desmonte. Depois de um 2014 medíocre, teremos em 2015 uma retração de 3%; em 2016, de 1,22%. Ou seja, a queda ano que vem (-1,22%) será menor, se os justes permitirem a correção de rumo. Mas que ajustes?
    Em combinação perversa, o retrocesso veio acompanhado de inflação, que deve fechar o ano em 9,75%, para, se tudo der certo (certo?!), cair para 6,12% em 2016, convergindo para o centro da meta, de 4,5%, no segundo semestre de 2017. Em suma, depois de anos de farra fiscal e estímulo irresponsável ao consumo, sem lastro na produtividade, o grande feito do Brasil será o de retomar índices civilizados de inflação (algo que já havíamos conquistado, mas desprezamos) num prazo de dois a três anos. Um objetivo que, apesar de modesto diante de nosso potencial, implicará um altíssimo custo: recessão, desemprego, desinvestimentos, suspensão ou adiamento de programas sociais imprescindíveis etc.
    O "bem feito" desmanche da administração Guido Mantega, sob orientação direta de sua chefe, fez, entre outras proezas, com que a política monetária restritiva (alta do juro) já não seja capaz de segurar a inflação. E aí há sempre o incauto a perguntar por que então não reduzir a taxa de juros, para dar alívio à economia. Uma pergunta que requer outra: se a inflação hoje é de estratosféricos 9,49% em 12 meses, onde estaria se a taxa de juros não tivesse sido elevada? Nunca é demais lembrar que o pobre é maior a vítima da infalção.
    No primeiro semestre de 2012, sob clara influência do voluntarismo da presidente da República, o "independente" Banco Central deu início a um ciclo de baixa dos juros. Não havia condições fiscais que sustentassem a medida sem risco inflacionário. O experimentalismo durou pouco, porém, o suficiente para fazer um grande estrago cujo preço pagamos agora.
    A partir de julho de 2013 - refeito do susto, e percebendo que a inflação poderia entrar de vez em uma espiral incontrolável -, o BC passou a sustentar ciclos de alta da taxa básica de juro, hoje mantida em 14,25%, o mais alto patamar desde outubro de 2006. Uma taxa que aumenta e encarece a dívida do governo e torna um possível ajuste das contas públicas ainda mais complexo. 
   Juros baixos exigem política fiscal responsável. Teremos aprendido a lição desta vez? Com a palavra Alexandre Tombini.      
    A permanência de Joaquim Levy no Ministério não ajuda a esclarecer o que aconteceu e o que ainda está acontecendo no país. Ele tornou-se um mero coadjuvante de mais um capítulo da grande farsa. Como bem assinala Fernando Gabeira em sua coluna desta sexta-feira em alguns jornais de grande circulação, "(...) sabendo que Levy propõe medidas duras e tende a fracassar, o PT estará com seu discurso em dia".
    A culpa de tudo e por tudo será dele. Veio para arrumar a casa, reduzir gastos, mas foi transformado em arauto da volta da CPMF. Aliás, que ministro "neoliberal" é este que em vez de cortar gastos propõe aumento de tributação? Se ele não tem como dobrar Congresso e governo (e não tem mesmo!), concretizando reformas estruturantes que garantam cortes efetivos de gastos, melhor então pedir para sair, em benefício da própria biografia, já bastante comprometida pelo estágio no governo petista.

Em tempo:

    A oposição entregando petições de impeachment ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em nada ajuda a causa. São esses movimentos que confundem a nossa cabeça no Brasil. Afinal, de que lado está a oposição?

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Artigo

Ética, Política e Estado

Aristóteles e o bem comum

    O Estado pode ser entendido como um conjunto de instituições com mando sobre o território em que a sociedade se estruturou e competência para manter ou aprofundar a pretendida coesão e definir seus rumos. É a expressão política da sociedade.
    O governo seria o ente que, em suas várias esferas, e atuando sob delegação, estaria encarregado de gerir o Estado, capacitando-o a atender as demandas da sociedade. Ou seja, se o Estado é a expressão política da sociedade, o governo é a materialização do Poder.
    Estado e sociedade atuam de forma separada, porém, "contígua". A dicotomia entre ambos ficaria patente pelo contraste entre a quantidade e a qualidade das demandas apresentadas pelos indivíduos em seu conjunto e a capacidade das instituições do Estado de lhes dar respostas compatíveis.
    Não raro - e muito frequentemente, podemos dizer - a resposta do Estado estará muito aquém dos anseios da sociedade, caracterizando uma anomalia funcional  na ordem político-institucional. E a resposta estará aquém não apenas por omissão, mas por ações insuficientes/deficientes.
    A ação do Estado - e, por consequência, a eventual omissão - decorre do Direito, mais precisamente o Ordenamento Jurídico. Este, por sua vez, nada mais é do que uma representação da Política - a rigor, a maior representação. Mas como falar em Política, Estado e Direito sem falar em moral?
    Moral e ética são conceitos que se misturam, porém com significados distintos do ponto de vista etimológico. Porque a moral não é algo individual, inato ao ser humano. A índole, boa ou má, como a própria palavra revela, pode ser inata. Mas a moral é o resultado de uma cultura e uma tradição, que pode ser religiosa (a maior parte das vezes), embora nem sempre se confunda com ela.
    As normas jurídicas tendem a se estabelecer sobre a moral. Na verdade, não é o Direito que cria a norma, mas a moral é que informa que norma deve ser criada. Na perspectiva de Montesquieu, quando o Direito estrutura a norma ao arrepio da moral - dos costumes culturais, sociais e religiosos - temos a potencialização de conflitos, a emergência de uma anomalia institucional (sua causa e ao mesmo tempo o seu sintoma e efeito).
    A Ética (do grego ethos, que também é conduta) constitui uma Filosofia da Moral, pela qual se busca entender os sentidos dos valores morais, e, mais que isso, perseguir esses valores. A Ética, portanto, neste sentido, prescinde da religião e da tradição, ou das tradições, mas pressupõe a razão.
    Devemos então considerar que a Justiça, que decorre do Direito, e que representa a "virtude suprema", na visão platônica, e a verdadeira "igualdade e proporcionalidade", na concepção aritstotélica, está inexoravelmente atrelada ao Estado, e que este só poderá se consolidar como expressão da sociedade, o que implica necessariamente o exercício ético da atividade política na melhor tradição aristotélica, ou seja, o da busca do bem comum.
    Tema por demais abstrato ou apropriado ao momento brasileiro?


*Por Nilson Mello