segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Comentário de leitor

Sobre o artigo do dia 28 de agosto, sobre o mau humor da presidente Dilma:


"(...) Não sei qual é o protocolo, mas, de qualquer modo, a re ação da presidente foi muito deselegante.  Parece revelar que, para ela, o lugar que ocupa e o poder que tem como presidente estão acima da boa educação e da delicadeza. Ela não consegue, por uma ocasião que seja, ter uma reação diferente daquela que revela autoritarismo e apego ao poder pelo  poder. A foto que saiu hoje (30/08) na primeira página de O Globo deixa transparecer isso.  Ela não é capaz de mostrar  interesse e respeito pelo outro, seja pelos atletas, seja pelo chefe do protocolo, que, afinal de contas, estava ali fazendo seu trabalho, mesmo que meio atrapalhado.  Como você bem observou, a presidente perdeu a oportunidade de fazer, do limão, uma limonada.  Mas só as pessoas bem intencionadas sabem fazer isso e mostrar, nas pequenas coisas, seu verdadeiro (bom) caráter". (...) Vera Cristina Bueno, professora de Filosofia. 

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Artigo

O inimigo de meu adversário não é meu aliado

Cunha denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro

    Nesses dias em que o noticiário político está a reboque da crônica policial, é preciso atenção redobrada para não confundir os nomes dos personagens centrais da trama e associar alguns deles, injustamente, a atos que definitivamente não praticaram. Por exemplo: o nome certo do doleiro que manejava as propinas e operava a "lavanderia" no esquema de corrupção do Petrobrasduto (ou Petrolão)  é Alberto Youssef.
    O alerta é ainda mais oportuno porque tudo parece meio de cabeça para baixo nisso que convencionamos chamar República. A presidente Dilma Rousseff (eu escrevi Rousseff!), em meio a um esforço sobre-humano para se tornar mais simpática e menos impopular, foi travada pelo seu próprio cerimonial, em evento realizado no Palácio do Planalto. Feito sob medida para a presidente passar uma imagem positiva e se aproximar do público, a comemoração dos 10 anos do Bolsa Atleta serviu apenas para pôr em evidência o indefectível mau humor.
    Somente um ato falho poderia levar um diplomata experiente, chefe (ainda que interino) do cerimonial da Presidência, a interromper a passagem de ninguém menos que a anfitriã da festa. Pior foi a reação. A oportunidade de se fazer limonada do limão, e provar que a postura de fato mudou - razão das insistentes comemorações palacianas -, perdeu-se na falta de jeito e de paciência. O esforço é mesmo sobre-humano e, como vimos, totalmente inócuo. Como esperar que o rinoceronte não quebre nada na loja de cristais?
    Estabanadas voltaram a ser também algumas propostas para se endireitar o país. Na semana em que se anunciou nova marca negativa para as contas públicas, com o déficit do governo central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central juntos) chegando a R$ 9 bilhões nos sete primeiros meses de 2015 - o pior desempenho em 18 anos -, a equipe econômica decidiu ressuscitar, na sua desesperada busca pelo reequilíbrio fiscal, a CPMF.  Com novo nome - agora CIS, de Contribuição Interfederativa da Saúde -, mas com a mesma alíquota, de 0,38%, o tributo continuaria a ter incidência cumulativa - e por isso distorcida, de efeito nefasto para a cadeia produtiva - sobre toda operação financeira.
    Para contrabalançar a notícia ruim relacionada à tributação, anunciou-se, com alguns dias de antecedência, a redução do número de ministérios, de 38 para 28, dentro daquilo que o governo decidiu chamar de "reforma administrativa". Nas palavras da presidente Dilma, ao justificar a medida, essas pastas, que serão eliminadas ou incorporadas por outras, não eram essenciais nem necessárias. Ora, por que então foram criadas? Resta saber se desta "reforma" redundará de fato uma verdadeira reestruturação do setor público federal ou se será algo de caráter meramente midiático, com mais fundamento no marketing do que nas finanças.
    O governo mantém 107 mil pessoas em cargos comissionados, gente não concursada que onera a folha salarial federal. Não se tem notícia de que serão demitidas agora. Se forem dispensadas, é porque não faziam falta - e de que a reforma é para valer. Mas, se não faziam falta, quem os contratou deveria ser punido. A propósito de não concursados, esta semana o IBGE informou que, somente em 2014, ano eleitoral, os municípios brasileiros criaram 35 mil cargos comissionados. Somente os municípios! E somente em um ano que, coincidentemente, era de eleições municipais.
    Nas próximas eleições, portanto, o eleitor deve decidir se estes funcionários não concursados têm contribuído para melhorar os serviços públicos oferecidos à população ou se simplesmente são os beneficiários diretos do clientelismo abjeto do qual o país se tornou refém. Ao analisar a questão, deve lembrar que déficit público elevado, juros altos e inflação têm tudo a ver com máquina pública opulenta e ineficiente.
    Menos mal que no caso da CIS - cuja proposta será oficialmente apresentada na segunda-feira -, parlamentares já a consideram um natimorto: não passará pelo Congresso. Alinhados com a sociedade? Não, caso típico de convergência de interesses: exatamente porque colocam os seus objetivos acima de tudo sabem que o contribuinte  não tolerará mais aumento de carga tributária. Sobretudo em face dos cada vez mais abundantes casos de desperdício e corrupção na máquina administrativa.
    De nossos 594 senadores e deputados federais, mais de 150 sofrem, neste momento, algum tipo de investigação pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. E mais de 50 já estão incursos em alguma ação judicial, por crimes inerentes ou não ao cargo que exercem. Não é pouca coisa.  Os presidentes das duas Casas, Senado e Câmara, respectivamente, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, estão sob investigação, sendo que o segundo já denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Calheiros é alvo de três inquéritos na Operação Lava Jato.
    São esses os possíveis aliados na tarefa de fiscalizar um governo que vai mal das pernas. Mas o fato de Eduardo Cunha agir contra um Executivo merecedor de críticas e reparos não significa que mereça nosso apoio. O inimigo de um inimigo (ou adversário, oponente) não é automaticamente um amigo ou aliado. Confuso mesmo! O procurador geral da República, Rodrigo Janot, com o seu trabalho independente, tem prestado um elevado serviço ao país - e, indiretamente, causado embaraços ao governo, aos dois principais partidos governistas e aos congressistas. Ainda assim, foi reconduzido ao cargo - o que não deixa de ser louvável por parte da presidente e do Senado.
    Dias desses um prestigiado articulista reconheceu a sua dificuldade com os conceitos de esquerda e direita, de bom e mau na política, sem conseguir mais enquadrar uma coisa na outra. Tudo de cabeça para baixo. O chefe do cerimonial do Planalto está, portanto, perdoado pela trapalhada desta semana.

Por Nilson Mello



domingo, 16 de agosto de 2015

Artigo

Um consolo para os manifestantes




     Os cerca de 900 mil que foram às ruas protestar em mais de 250 cidades brasileiras neste domingo tinham em mente um objetivo claro: o afastamento da presidente Dilma Rousseff e, por tabela, o fim da era PT. Objetivo possível dentro da legalidade? O movimento - na esteira do que já havia acontecido em 15 de março e 12 de abril - reflete a desaprovação detectada nas pesquisas de opinião. Hoje, mais de 71% da população rejeitam a administração Dilma. Boa parte dessas pessoas - embora este aspecto seja apenas dedutível - sente-se traída pelas promessas não cumpridas da campanha de 2014.
     Frustração com um governo justifica o afastamento de um presidente ou constitui apenas o indispensável ingrediente político, pressuposto de um eventual processo de impeachment? Mais: seria melhor se este governo tivesse cumprido suas promessas eleitorais (ou eleitoreiras), ignorando novamente a racionalidade econômica e mantendo-se no caminho da irresponsabilidade, como no primeiro mandato?
     A exemplo dos protestos de março e abril - e, mais lá atrás, das jornadas de junho de 2013 - os manifestantes também expressaram a sua rejeição à classe política, de forma geral, e a sua intolerância com a crescente corrupção. Em divergência com junho de 2013, o grito das ruas hoje associa de forma clara - e não sem razão - os desvios e irregularidades no setor público às administrações petistas, no embalo do noticiário produzido pelas revelações crescentemente escabrosas feitas a cada etapa da Lava Jato.
     Vamos ao exercício de respostas. Desaprovação popular, por mais justificável que seja - no caso, em função da má gestão e dos descaminhos praticados e fomentados por integrantes do principal partido governista, em prol de um projeto de poder -, pode até colocar em xeque a legitimidade de um governo, mas por si só não é decisiva e nem dá causa ao afastamento de um presidente. A não ser que se rasguem as regras constitucionais - o que equivale a um golpe de Estado. E sabemos que ruptura institucional traz alívio imediato - pela eliminação do estorvo -, mas acaba semeando problemas mais complexos, sem necessariamente equacionar os antigos. Um caminho que já deu errado no passado.
     A possibilidade de uma saída democrática, ou seja, um processo de impeachment por comprovação de irregularidades nas contas de campanha, na gestão fiscal ou mesmo por envolvimento direto em desvios, é real, mas ainda incerta. Congresso e Supremo, e ainda Justiça Eleitoral e Tribunal de Contas, poderiam até estar em sintonia com as ruas - e nem isso é certo, tendo em vista o adiamento dos julgamentos das contas de campanha e das pedaladas fiscais, respectivamente, pelo TSE e TCU -, mas as provas precisariam ser irrefutáveis.  
     No Congresso, a obtenção do quorum necessário para abertura do impeachment é improvável, mesmo com o governo em situação mais adversa, e com Eduardo Cunha jogando na oposição. O Legislativo pode até ser hostil ao Executivo, contudo, tornou-se "sócio" na manutenção do mandato, ciente da conveniência e das vantagens que podem advir de um governo enfraquecido. Ironias das ironias, talvez aí resida o maior trunfo da presidente Dilma Rousseff.
     Quase sempre estabanado em sua comunicação institucional (a exemplo de uma articulação política desastrada), o Planalto desta vez deu às manifestações a sua real dimensão. Em nota curta, declarou que os protestos estavam dentro da normalidade democrática. A ideia de conflagração - algo que o caminho da "ruptura" poderia até potencializar - ficou restrita ao presidente de CUT, Vagner Freitas, o "aloprado" de plantão que declarara, durante a semana, que "um exército pegaria em armas" em defesa do mandato da presidente.
     Tudo que um governo que enfrenta déficit de credibilidade não precisa é de aliados que fazem e falam bobagem. A propósito do déficit, cabe recordar, ele foi originado no estelionato eleitoral de 2014 e robustecido pelos efeitos da má gestão, aflorados em 2015. Sem verdadeira assunção de culpa, mas apenas um tênue reconhecimento de equívocos, o governo ensaia, desde o início do ano, correções na área fiscal, no que é frequentemente bombardeado na Câmara, pela razão mencionada mais acima. São medidas duras, porém, necessárias para o país. Mas isso pouco importa para os parlamentares.
     Se o objetivo ainda está distante, aos manifestantes deste domingo resta um consolo (além do direito de protestar): para o governo e o PT, o impeachment seria menos traumático do que aparenta. Da posição de alvos, passariam a de atiradores, com farta munição para desferir contra aqueles que ficariam com o ônus de consertar o que estragaram.
     Ah, como dá trabalho esta democracia! Mas há alternativa melhor?    

Por Nilson Mello*

Em tempo: TV e rádio chegaram a informar ontem ao término do dia que o número de manifestantes nas ruas em todo o país havia sido de 2 milhões de pessoas, contagem corrigida para 879 mil no final da noite (e publicada nos jornais desta segunda-feira 17).  

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Anote

As suspeitas que sempre pairaram sobre o contrato do governo com a Odebrecht, no âmbito do Programa de Submarinos (Prosub), objeto do Comentário abaixo (do dia 03/08), são: 1. Que parcela substantiva do valor do contrato seria dirigida ao financiamento da campanha presidencial de 2010; 2. Que a Odebrecht tinha interesse na construção e compartilhamento do estaleiro na Baía de Sepetiba porque utilizaria a infraestrutura para construir plataformas e navios de apoio marítimo, tendo em vista a expansão do pré-sal (receberia assim, indiretamente, um ativo para realizar seus contratos no setor de construção naval); 3. Que, no final das contas, o quinto submarino, o nuclear, não poderia ser entregue dentro do contrato do Prosub, a despeito de seu valor vultoso, simplesmente porque o reator nuclear, há décadas em desenvolvimento pela Marinha, está atrelado a outro programa, de valores e fontes de recursos distintos, e cujo cronograma encontra-se bastante atrasado (assim, a francesa DCNS apenas ajudaria na construção de um casco de grande porte, para suportar o pretendido reator, mas, a rigor, não poderia transferir tecnologia nuclear em função das vedações impostas por tratados internacionais dos quais a França é signatária). Em resumo, portanto, nada justificaria os altos valores que envolveram o negócio, a não ser esses interesses escusos

domingo, 2 de agosto de 2015

Comentário

O bilionário contrato dos submarinos franceses 




Na esteira das investigações da Operação Lava Jato - que tem passado a limpo negócios obscuros envolvendo as grandes empreiteiras -, convém rememorar o bilionário contrato firmado pelo governo brasileiro com a Odebrecht e a francesa DCNS para a construção de quatro submarinos convencionais e um estaleiro em Sepetiba/RJ (além da promessa de um submarino nuclear). Noticiou-se há poucos dias que mais de R$ 3,5 bilhões foram gastos pelo governo dentro deste contrato, mas até aqui o estaleiro não ficou pronto e não há previsão de entrega dos submarinos. O informe abaixo, que data do segundo semestre de 2009, alertava para os altos valores envolvidos no negócio - com indícios de sobrepreço - e para os seus pontos controversos. (Nilson Mello)

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O acordo com a França para o fornecimento de submarinos -
Informe Meta Consultoria e Comunicação - Agosto 2009

O acordo firmado entre Brasil e França, no ano passado (2008), para fornecimento de submarinos à Marinha brasileira chama a atenção pelas cifras e pelo atropelo. O valor estratosférico, de 7 bilhões de euros, superior aos 4,1 bilhões (em euros) de todo o orçamento das Forças Armadas para este ano, incluiria a construção, pela Odebrecht (e sem licitação, em afronta à Lei 8.666) de um estaleiro e de uma nova base na Baía de Sepetiba-RJ.
Pelo acordo, seria fornecido ao Brasil quatro submarinos convencionais da classe Scorpène, fabricados pela estatal francesa DCNS. A França também se comprometeria a transferir tecnologia para o casco de um submarino de grande porte, a ser utilizado no futuro submarino nuclear brasileiro, quando o reator nuclear da Marinha brasileira estiver concluído e testado – algo que ainda deve levar duas décadas.
A tecnologia para o casco de grande porte oferecido pela França seria, na verdade, uma adaptação do próprio Scorpène. Ocorre que o Scorpène é um submarino considerado obsoleto no mercado exterior. O modelo sequer é utilizado pela Marinha Francesa. Os poucos países que o compraram, como Índia e Chile, tiveram problemas de fornecimento e passaram a recorrer a outros fabricantes, nos novos contratos. A Índia está processando a DCNS por descumprimento de prazos e pela não transferência de tecnologia, conforme previa o contrato.
O acordo bilateral Brasil-França traz uma série de salva-guardas que, além de não permitirem a transferência efetiva de tecnologia para submarinos mais avançados - como alardeado - impõe ao Brasil uma total dependência à França, pois impede o país de buscar tecnologias alternativas. A Cláusula 2.3 do Acordo, especificamente, estabelece que todo e qualquer equipamento usado nos submarinos tem que ser de fabricantes franceses.
Com este acordo político firmado com a França, o governo brasileiro impôs à Marinha que encerrasse as negociações técnicas com o consórcio alemão HDW/Thyssen Krupp. No ano passado, o consórcio alemão ratificou uma proposta para o fornecimento de dois novos submarinos convencionais, com opção de mais dois, além da transferência de tecnologia para um casco de grande porte, no valor de 670 milhões de euros (menos de 10% da proposta francesa).
O consórcio alemão tem longo e positivo histórico com a Marinha. Os submarinos brasileiros classe IKL 209 (Tupi, Tamio, Timbira, Tapajó e Tikuna) são projetos da HDW/Thyssen, o primeiro deles fabricado na Alemanha e os demais no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, com efetiva transferência de tecnologia.
Este programa teve início na década de 1980 e incluiu o treinamento de centenas de engenheiros, técnicos e tripulações brasileiros, bem como a modernização das instalações do Arsenal de Marinha-RJ. Pela proposta alemã, o submarino de grande casco poderia ser produzido no próprio Arsenal do Rio, bastando para tanto pequenas obras de modernização (aumento do teto e reforço do cais), não superiores a R$ 100 milhões – bem longe do dispendioso projeto de bilhões dos cofres públicos em um novo estaleiro na Baía de Sepetiba, a ser entregue à Odebrecht.
Chama a atenção no acordo França-Brasil a forma intempestiva e apressada como ele foi decidido, afastando qualquer possibilidade de outros fornecedores, mais tradicionais, discutirem suas propostas com base em critérios técnicos e econômico-financeiros. No caso da HDW, a proposta que vinha sendo discutida e delineada com a Marinha, tendo em vista o histórico de sucesso de uma relação comercial iniciada na década de 1980, foi sumariamente engavetada, sem maiores explicações.
Neste sentido, vale dizer que a HDW é líder mundial na produção de submarinos, tendo fabricado, entre 1960 e 2006, 169 de diferentes modelos - dos quais 43 foram produzidos nos países dos clientes com transferência de tecnologia, incluindo o Brasil. De 2006 para cá já contratou ou entregou mais 17 submarinos para cinco países A DCNS francesa não entregou um submarino sequer nesses últimos anos. A participação HDW no mercado mundial de submarinos convencionais hoje é de 81%.
Por essas razões, é de se estranhar a preferência pela DCNS, num processo que transcorreu sem a devida transparência, afastando, portanto, a possibilidade de uma efetiva concorrência com base em qualidade, confiabilidade e efetiva transferência de tecnologia. As cifras envolvidas aconselhariam uma seleção mais rigorosa, livre de atropelos políticos.
Nilson Mello

Meta Consultoria e Comunicação - Ago/2009