sábado, 30 de maio de 2015

Artigo


A faca e o sofá na sala


    Vídeo que está se tornando viral nas redes sociais mostra o suposto menor acusado de assassinar a golpes de faca o médico Jaime Gold sendo espancado por outros rapazes dentro de sua cela. Pelo que as postagens anunciam, ele está em uma instituição do Estado destinada a recolher infratores e aplicar medidas "sócio educativas".
    O assassinato que, compreensivelmente, chocou os cariocas ocorreu no último dia 19, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão postal de uma cidade que luta para manter o título de "Maravilhosa", apesar a violência crescente, diversificada e cada vez mais descontrolada.
    Pelas imagens do vídeo percebe-se que são os "carcereiros" (eufemisticamente denominados "agentes correcionais" ou algo do gênero) que começam as agressões. Quem dá a partida, portanto, são justamente aqueles que deveriam zelar pela integridade física dos infratores e, sobretudo, pela ordem dentro da instituição.  
    Enquanto seguram os braços do acusado pelas grades e desferem socos em sua cabeça, encorajam os outros menores (ou presos) - uma meia dúzia - a espancá-lo. Alguém dentro da cela grava a sequência violenta, que depois seria postada nas redes.
    Os envolvidos parecem tão mais velhos que se chega a duvidar se aquela é mesmo uma instituição para menores e se o rapaz agredido é de fato o acusado pela morte de Jaime Gold. Ou, ainda, se o acusado foi colocado numa cela com presos comuns numa delegacia qualquer - o que seria um absurdo total. Como o celular foi parar atrás das grades, nas mãos dos detidos, embora o seu uso seja proibido em prisões de qualquer espécie, tudo é possível. O que fica claro é que o agente do Estado, no Brasil, é o primeiro a violar a lei.
    Para os que se regozijam com as imagens - e a replicam nas redes - alegando que pior do que o espancamento foi o assassinato brutal de Jaime Gold (sem dúvida, bárbaro, inadmissível), é preciso dizer que um crime não pode servir de desculpa para outro crime. Menos ainda se tiver a conivência de agentes públicos. A covardia maior não justifica a menor.
    Uma cidade que se mostra revoltada com a violência nas ruas, porque se pretende civilizada, não pode tolerar que um menor "apreendido" (ou mesmo um preso) seja espancado dentro de sua cela com a participação ou conivência de agentes públicos. Isso não é punição, muito menos justiça. Isso se chama barbárie.
    Como tirar os jovens da criminalidade? Governo e legisladores podem até alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tornando-o mais rigoroso. Diante das circunstâncias, a medida é necessária, e há um clamor neste sentido. Mas será mesmo que a principal causa da violência praticada por jovens e crianças é a existência de uma legislação "penal" mais branda para menores de 18 anos?
    Seria preciso sermos totalmente alienados para achar que um jovem de 16, 15 ou mesmo 12 anos vai para as ruas assaltar e cometer outras barbaridades apenas porque a lei não é severa com ele. Os rapazes que espancaram seu colega na cela não o fizeram por reprová-lo e para puni-lo, mas porque a violência faz parte de suas existências. Esses jovens tiveram educação, escola de qualidade, família estruturada, condições materiais mínimas para viver? Cresceram com alguma perspectiva?
    No Brasil é comum se tentar resolver problemas atacando causas diversas ou distantes. Resolve-se pela metade. Não é por outra razão que a Câmara dos Deputados, pelas mãos de seu presidente, Eduardo Cunha, está prestes a desenterrar um projeto de 2004 que criminaliza o porte de armas brancas. O próximo passo seria proibir a circulação de lâminas de barbear, martelos, chaves de roda...
    É aquela história do marido traído que resolve tirar o sofá da sala.
    
Por Nilson Mello

Comentários dos leitores:

   "Análise ponderada da nossa grave realidade"- Francisco Horácio Nogueira, engenheiro (via Facebook).

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   "No meu entendimento, hoje vivemos em um país falido. Pois a falta de ética e moral, que formam a base para convívio saudável em sociedade, estão institucionalizas em todos os níveis e camadas sociais. O que se pode esperar? Acredito que nada" - Glauce Rubim, odontologista (via Facebook).


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    "Concordo que o ECA não é a causa da criminalidade e que sua alteração, apesar de necessária, pouco fará diminuir a criminalidade. Trata-se de um problema de educação. Não vejo como ter esperanças na recuperação de algumas espécies de vagabundos, que não sejam mudanças mais drásticas tanto na constituição quanto no código penal.
    Não tenho a menor dúvida de que punições severas ajudariam muito na prevenção da criminalidade.
    Ontem mesmo, baseado no escandalo da FIFA, comentava que não existe diferença de índole em função de nacionalidade, o que existe é temor - ou não - para cometer crimes em função da impunidade - ou não - das nações.
    O filme que rola, infelizmente não é o do assassino do Dr. Jaime Gold, o qual, aliás, era amigo de vários amigos meus. Pelos testemunhos que ouvi, tratava-se de um sujeito que abriu mão de ter consultório particular para trabalhar no hospital da UFRJ para atender os mais  humildes, que amava o esporte, que tirava do próprio bolso para comprar remédios para os necessitados.
    Por isso usei "infelizmente", já que, excetuando as porradas dadas pelos carcereiros, as demais foram muito brandas, o que deixa claro que a cena se deu dentro de uma delegacia. As "punições" dentro de presídios são muito piores.
    Quanto ao sujeito (?) do filme, apurei que se trata de um estuprador e na "legislação" da bandidagem esse crime, assim como assassinato de crianças, é punido de forma exemplar. Não há razão para ter pena do vagabundo, ele teve sorte de estar numa delegacia, pois quando chegar na penitenciária será alvo de pancadas realmente violentas e terá, parafraseando o Bolsonaro,, seu órgão excretor penetrado por filas de detentos e objetos..
    Ah, nesse caso, desculpe, mas nem eu, que sou um defensor ferrenho da educação como ferramenta de desenvolvimento de uma nação, acho que ela faria com que houvesse menos estupradores. Esses caras são doentes, só a castração ou pena de morte são capazes de deixar a população livre dos que forem pegos.
    Já sobre a criminalização das armas brancas, penso também ser uma medida similar ao sofá do corno, nada adiantará"- Idel Halfen, economista e administrador de empresas, consultor nas áreas de gestão e marketing esportivos (via e-mail).
   
    
   

    

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Ensaio

Sem embustes


A eventual reforma será feita pela classe política de hoje

                Como uma manobra diversionista, a retórica promete um caminho tortuoso e incerto para realizar aquilo que não foi feito na prática por meios mais simples, diretos e eficazes. Os exemplos são cada vez mais frequentes. Em 2013, em meio aos protestos que tomaram as ruas das principais cidades do país, em reprovação ao governo federal e rejeição aos governantes em geral, anunciou-se como panaceia uma reforma política.
    Havia - diagnosticou na ocasião o governo, como se as críticas não dissessem respeito ao seu desempenho - uma clara crise de representatividade na democracia brasileira que seria sanada com alterações no modelo político-partidário. As mazelas seriam, portanto, resultado de um sistema deficiente - e não de equívocos administrativos e desvios de conduta daqueles a quem cabe governar com responsabilidade.
    Na mesma toada, os problemas enfrentados na economia - com inflação crescente e baixos índices de crescimento - seriam decorrência da crise global e, mais do que isso, da falência de um modelo centrado no capital financeiro. Cômodo. Como se o capital financeiro não vicejasse graças aos orçamentos deficitários adotados por governos perdulários.
    A responsabilidade pelos desarranjos foi sendo então crescentemente atribuída a fatores externos - e desta forma permanecendo fora do alcance de uma solução que passasse por medidas corretivas de curto prazo. Com o salvo conduto, a política experimentalista, que desmanchara fundamentos econômicos, foi aprofundada.
    A alegação diversionista era conveniente não apenas porque ajudava o governo a se esquivar da crítica, como também aludia à necessidade de o país promover reformas com inflexão à esquerda. Já que os problemas eram de caráter intrínseco do capitalismo, que se fizessem reformas que alterassem radicalmente o modelo. O desgaste, contudo, chegara a tal ponto que já não permitia mais a insistência no engodo. E, desta forma, ainda que a inflexão seguisse seduzindo e orientando movimentos, foi deixada em estado latente. E lá permanece.
    Na estreia do segundo mandato, ao reorientar sua política econômica e pôr em marcha um pesado ajuste fiscal - na tentativa de reconduzir o país ao crescimento sustentável -, o governo assumiu implicitamente sua culpa. A fonte dos problemas não era extrínseca, como alegara, mas, sim, de ordem interna: a inaptidão técnica que engendrou a chamada "nova matriz macroeconômica", uma aventura inconsequente comparável ao Plano Collor.
    Retomemos o início da reflexão. Na esteira do discurso diversionista, a reforma política foi primeiramente proposta por meio de plebiscito, talvez porque seus defensores imaginassem ser possível promover a referida inflexão manipulando o eleitor, tal como tem sido feito nas eleições regulares. Porém, reforma de amplitude constitucional por meio de plebiscito é algo tão inexequível do ponto de vista técnico que a ideia foi sendo gradualmente deixada de lado até ser substituída, mais recentemente, por uma proposta de Assembleia Constituinte.
    Há de fato coisas erradas no atual modelo político-partidario brasileiro. De cara nos vem uma que, sintomaticamente, nem de longe tem sido aventada pelos defensores da reforma: o fim do voto obrigatório. Por que pouco se toca neste ponto? (Talvez porque, com o voto facultativo, seja mais difícil mobilizar e manipular massas acríticas, ainda que com o forte apoio do marketing eleitoral).
    Convém lembrar que o modelo político vigente, mesmo que imperfeito (até porque nenhum modelo é perfeito), está consolidado e tem permitido ao país 30 anos de estabilidade institucional - o mais longevo período de plena democracia da história republicana.
     O risco de se fazer uma reforma constitucional com a classe política que se tem hoje é tão grande que a prudência aconselha a não levar a ideia adiante. A sociedade deve ficar atenta porque um novo embuste pode estar sendo urdido em torno do assunto. Se observarmos com atenção, veremos que entre os que mais querem reformar o modelo estão justamente aqueles que hoje mais o desvirtuam e o utilizam de forma espúria.
    A Petrobras foi tomada de assalto a partir de um esquema de corrupção nunca antes visto neste país. Os autores e cúmplices do feito foram os primeiros a, sem constrangimento, jurar defender a empresa. Defender de quem, afinal?   
    Diversionismo funciona desta forma, à base de muito cinismo.

      E o capitalismo?

    Que o capitalismo é um modelo imperfeito e injusto, ninguém duvida. Ao impor um aumento permanente da produção e do consumo, tende a levar o ambiente e o ser humano ao esgotamento. Autores contemporâneos associados à ecoética, como Hans Jonas e Pierre Aubanque, expõem com precisão a sua contradição.
    A despeito dos paradoxos, porém, o capitalismo segue como o mais eficaz sistema de geração de riquezas e, por consequência, de desenvolvimento. E por essa razão, usá-lo como desculpa para nossos próprios fracassos não funciona mais. Creditar em sua conta o atraso social de países emergentes como o Brasil é uma falácia que precisa ser de vez desmoralizada.
     A questão de como substituí-lo, portanto, até pode e deve seguir mobilizando as mentes mais brilhantes, de economistas a cientistas sociais, passando por filósofos. Até porque o socialismo real, como alternativa (pois a dialética histórica não se cumpriu), não trouxe melhores resultados: onde se instalou, houve menos prosperidade material e menos liberdade individual.
   
    Por Nilson Mello

Em tempo:

    O governo anunciou na semana passada corte de R$ 69,9 bilhões no orçamento de 2015, menos do que os cerca de R$ 78 bilhões pretendidos pelo ministro Joaquim Levy, mas ainda assim um contingenciamento robusto. Saúde e Educação perderam verbas significativas. É ponto pacífico que o equilíbrio fiscal não poderá ser retomado apenas com o corte das despesas de custeio, pois o maior peso no orçamento vem das despesas vinculadas, obrigatórias. Mas, por uma questão moral, seria interessante ver o governo reduzindo o número de ministérios e de cargos na máquina federal. 

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Artigo

O fator previdenciário



    O déficit da Previdência em 2014 foi de R$ 56,6 bilhões, cerca de 1,1% do PIB, com despesas totais de R$ 394 bilhões. Com a flexibilização do Fator Previdenciário,  conforme aprovação na quinta-feira passada na Câmara, o rombo aumentará em 1,14% do PIB (ou mais R$ 61,5 bilhões/ano). A mudança ainda depende de votação no Senado e pode sofrer o veto presidencial, que, por sua vez, poderá ser derrubado.
    O Fator Previdenciário reduz o valor da aposentadoria à medida que o trabalhador se aposenta mais cedoResponsável por sua criação em 1999 (enfrentando o PT), porque já naquela época era imprescindível diminuir o déficit da Previdência, o PSDB, desta vez, votou pela flexibilização da regra, se opondo ao ajuste fiscal do governo. Ou agiu contra os interesses do país naquela época, mentindo à opinião pública, ou está contra agora.
    Mas se, durante os últimos quatro anos, o PSDB criticou - e com razão - a má gestão orçamentária do governo Dilma Rousseff, como pode ser contra um ajuste do qual depende o reequilíbrio das contas públicas? Quanto ao PT, se reconhece a necessidade do Fator hoje - tanto que a maioria de sua bancada votou alinhada com o Planalto - significa que tentou ludibriar os eleitores em 1999. (o hábito, portanto, não é recente)
    No Brasil, não há idade mínima para a aposentaria - um dos três países do mundo a manter este modelo. Japoneses e alemães - e também , noruegueses, finlandeses, canadenses, suíços -, com padrão de vida e IDH muito mais elevados do que o nosso, poderiam nos lembrar que a regra generosa não é sustentável ao longo do tempo. Diriam o que já sabemos.
    Assim como sabemos que não é justo - e financeiramente sustentável - que servidores públicos aposentem-se com vencimentos integrais, enquanto os trabalhadores do setor privado pagam a conta, sem direito à mesma vantagem. Nada que o Estado dá é de graça.
    O que torna o ajuste fiscal ora em curso de difícil assimilação é o fato de sabermos que, antes de mexer em direitos dos cidadãos (ainda que direitos questionáveis à luz da racionalidade econômica), o governo teria muito a cortar nas suas despesas de custeio, bem como muito a melhorar na gestão da máquina pública. Sobretudo, quando se sabe que o ajuste não seria necessário hoje, se o "desajuste" não tivesse sido fomentado, com singular irresponsabilidade, nos quatro anos anteriores.

  Por Nilson Mello* 

    Anote

    Um dos problemas no Brasil é que queremos ser um país de amplos direitos, sem cuidar dos deveres. Mas o paraíso não existe. Ao menos não na Terra. Esta nossa falsa compreensão da realidade parte de outra crença equivocada: a de que o Estado tudo pode prover.
    Ocorre, contudo, que o Estado não gera riquezas, não produz desenvolvimento. Isso quem faz são os indivíduos e as empresas. E, claro, só farão isso se houver estímulo e um ambiente legal favorável.
    Bem estar social não se inventa, não se cria com um passe de mágica. É, ao contrário, resultado de esforço árduo do conjunto dos indivíduos, dos agentes econômicos. Requer muito trabalho, empenho produtivo. Japoneses, sul-coreanos e alemães poderiam nos ensinar muito sobre a matéria.
    Nada do que se supõe que o Estado "dá" é de fato de graça. Tudo tem custo. E quanto mais benefícios os governos engendram, mais alto será o preço a ser pago pela sociedade, conjuntamente. Carga tributária de quase 37% do PIB - e tendendo a subir -, como ocorre hoje, tem aí a sua explicação.
    O "financiamento" dos benefícios que o Estado paga não pode chegar a tal ponto que desequilibre o orçamento público. Do contrário o preço a ser compartilhado por todos crescerá de forma infinita, inviabilizando os próprios programas sociais.    
    A necessidade de financiamento crescente do Estado, via impostos, mina a eficiência e a capacidade produtiva das empresas, inviabilizando a geração de riquezas - justamente o que é fundamental para se melhorar a renda e, por consequência, os indicadores sociais. Por outro lado, benefícios precoces também desestimulam o esforço coletivo.
    O Estado tem que ser forte. Mas Estado forte não é um Estado-empresário - porque este tende à ineficiência, e ineficiência enfraquece. Um Estado deve ser forte do ponto de vista político e institucional, zelando para que haja um ambiente propício ao desenvolvimento - menos burocracia, menos tributação, melhor educação, estabilidade de regras, segurança jurídica etc -, algo que não temos hoje.

    

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Artigo

Dá para confiar no discurso?

    Tergiversar é um verbo difícil. Ruim de se pronunciar, poderia ser substituído por desviar, rodear, dissimular, desconversar, todos bem mais corriqueiros. Surpreendentemente, tergiversar vem se firmando, ganhando espaço no léxico político. A dificuldade de articulá-lo - relativamente aos seus substitutos - talvez seja percebida, no inconsciente coletivo, como sinônimo de gravidade, de seriedade. Talvez aí resida a sua força, a razão de sua crescente popularidade em nosso cotidiano.
    O verbo sintetiza uma conduta ou postura que embute certo grau de cinismo e hipocrisia. E também alguma dose de covardia. Quando um problema surge ou - mais apropriadamente ao contexto - é denunciado, provocando a reação da opinião pública, não se enfrenta, tergiversa-se.
    Quando a política econômica experimentalista do primeiro mandato fracassou, o governo tentou culpar a conjuntura externa, tergiversando (é um palavrão, mas é o termo apropriado).
    Depois que o mundo todo voltou a crescer e apenas o Brasil, em companhia de umas poucas nações (a maioria sem qualquer expressão), continuou a apresentar desempenho pífio, o governo não mais tergiversou como de início, mas tampouco enfrentou o problema com coragem: preferiu cortar direitos dos trabalhadores (alguns, de fato, demagógicos), ao invés de cortar seus altos custos administrativos e se lançar em decisiva reforma que viesse a garantir eficiência à máquina pública.
    Agora, para a aprovação das medidas que supostamente se destinam a reduzir gastos e a tornar o orçamento mais eficiente, o que fez? Prometeu mais cargos aos parlamentares de sua "base de apoio". A máquina pública, aparelhada e inchada, permanece assim ineficiente (ou torna-se ainda mais ineficiente), em total desacordo com o equilíbrio fiscal que se pretende buscar. Não tergiversou no discurso, mas na ação.
    Quando as denúncias de corrupção engrossavam (seja durante o recente "Petrobrasduto", ou "Petrolão", seja lá atrás, no "Mensalão"), o governo não se desculpou, nem puniu responsáveis diretos. Nem mesmo aqueles que exerciam cargos de relevância no PT e na Petrobras, até serem presos.
    O que fez então o governo? Propôs uma série de medidas "enérgicas" para combater desvios na administração pública e nas estatais. Que nome podemos dar a esta postura?
    Quando a população foi às ruas em meados do ano passado protestar contra políticos e governantes - em claro sinal de desaprovação ao governo federal que viria a se confirmar nas manifestações deste ano e nos baixos índices de apoio -, o governo propôs uma reforma política. Como se as causas do problema nada tivessem a ver com o seu desempenho, mas sim com um modelo político-partidário. Como se as críticas não lhe dissessem respeito.
     Na ocasião, para tornar ainda mais densa a cortina de fumaça, ensaiou uma insólita (logo bombardeada por juristas de boa cepa) proposta de plebiscito - como se fosse possível responder "Sim" ou "Não" para uma série de questões entrelaçadas e de alta complexidade.
    Não custa então lembrar. Se realmente quisesse promover uma reforma política, o governo do PT teria se empenhado - enquanto pôde - em colocar em discussão e votação as 62 Emendas Constitucionais e os 111 Projetos que versam sobre o tema no Congresso Nacional. Mas nem se mexeu.

Por Nilson Mello  

Em tempo

  
      Jabutis - Sobre a reforma do Estado e a redução da máquina pública, vale a leitura de artigo do ex-ministro Delfim Netto publicado esta quarta-feira no Valor Econômico (Por que não começar do começo?). Delfim lembra que os jabutis nas árvores - lá colocados por políticos a cada legislatura - vão pesando ano a ano no orçamento do governo, minando a eficiência do Estado, sem trazer, na maioria das vezes, qualquer benefício à sociedade. A rigor, são programas públicos, com "embalagem social, mas que atendem a interesses privados. Pior: com o passar do tempo, não se sabe por que razão continuam lá em cima, nos galhos. O ex-ministro propõe estabelecer um orçamento de Base Zero, a partir de 2017, mantendo apenas os programas de qualidade, ou seja, aqueles com taxas de retorno social comprovadas (jabutis que funcionam), e garantindo até 5% de investimento público em infraestrutura. Adverte: "A inclusão social deve ser um instrumento de libertação, não de subjugação do homem ao Estado". O link do artigo está abaixo:


http://www.valor.com.br/brasil/4045374/por-que-nao-comecar-do-comeco-de-2017 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Artigo

Sem lubrificante

Chuva de dinheiro para os deputados durante votação

    Tudo na vida é uma questão de perspectiva. Sobretudo na política. A sentença parece de uma obviedade tola, mas é o que vem à mente com a aprovação do texto da Medida Provisória 665 na noite desta quinta-feira na Câmara dos Deputados. Foi a primeira medida do ajuste fiscal estruturado pela equipe do ministro Joaquim Levy a passar por votação no Legislativo, e daí todo o seu simbolismo.
    O texto ainda irá ao crivo do Senado, mas o primeiro passo foi dado, com sucesso. Sucesso? Dependendo da perspectiva, ou do grau de informação do que se passa hoje no país - e em especial com a sua economia -, a aprovação pode ter sido uma vitória do Planalto, da oposição, pessoal, do presidente da Casa, Eduardo Cunha, ou do país. Pode ser vista também como uma derrota. No caso, dos trabalhadores.
    Boa parte do PT, o partido da presidente da República e principal legenda da base governista, assinala a última resposta na múltipla escolha. Tanto que deputados petistas, constrangidos, abandonaram o plenário para não votar - e não ser cobrados mais tarde pelo eleitor. Nove dos 64 deputados do partido não compareceram ou se abstiveram. A vitória - podemos chamar assim? - deu-se por 25 votos.
    No Planalto, a presidente Dilma Rousseff festejou como se estivesse retomando a "governabilidade". Foi o que declarou o líder governista José Guimarães. Esquizofrênico tudo isso, não é mesmo? O líder foi além e louvou a "sintonia fina" entre o PT e PMDB. Mas não andam às turras como cônjuges que não toleram viver sob o mesmo teto?
    Não fica por aí. Quem acha que a medida é uma contribuição importante para colocar novamente a economia nos eixos também pode ter registrado a aprovação como vitória. Mesmo sendo trabalhador e contra o governo Dilma Rousseff. (Bem, isso, hoje, não chega a ser uma excentricidade). Complexo?
    A mudança de regras na concessão de benefícios prevista na MP 665 por si só não garante ajuste fiscal.  Longe disso, e sequer foi anunciada desta forma. A medida estabeleceu critérios mais rígidos, por meio de prazos mais longos, para a obtenção do seguro-desemprego, do abono salarial e do seguro-defeso (para detalhes, acessar link mais abaixo).
    No caso do seguro-desemprego, o trabalhador deverá ter 12 meses de trabalho ininterrupto, e não mais seis, para fazer jus ao benefício. É uma "pequena mudança" que deverá se somar a tantas outras visando o reequilíbrio das contas públicas, após o desmonte promovido de 2010 a 2014. Eis a meta honrada.
    O problema é que quem sofre com esta "pequena mudança" (olha aí a questão da perspectiva novamente) é justamente a vítima de um governo que, em quatro anos, não soube controlar os excessos, combater a inflação e estabelecer uma agenda pró-desenvolvimento em bases tecnicamente sustentáveis. Dupla punição, portanto.
    Se cortassem na própria carne, reduzindo ministérios, número de cargos em comissão e todas as benesses e mordomias, sobretudo as que os próprios parlamentares têm direito (direito?), todo o sacrifício seria mais palatável para o trabalhador. Não resolveria, mas, digamos, lubrificaria. Esforço conjunto. Mas continuam a fazer justamente o contrário.

Por Nilson Mello

http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2015/05/deputados-rejeitam-nove-emendas-de-destaque-e-mantem-texto-base-da-mp-665-8130.html