sexta-feira, 27 de março de 2015

Artigo

Piketty e o nosso capitalismo de Estado

Sucesso de público e de crítica


     As sociedades muito desiguais são intrinsecamente instáveis, afirma Thomas Piketty, o economista francês diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) de Paris e autor do célebre O Capital do Século XXI. A concentração muito forte de capital, fator gerador das desigualdades, teria também, acrescenta ele, "consequências negativas em termos de eficiência econômica", além da injustiça social.
    A ineficiência econômica é um dos fatores que comprometem o desenvolvimento no Brasil de hoje e contribuem para a manutenção das distorções sociais. Mas isso é apenas parte do problema.
     A concentração do capital decorre da preponderância do sistema financeiro sobre o sistema produtivo. Ganha mais, com muito menor esforço, aquele que dispõe de recursos financeiros para reaplicar do que aquele que vive de sua produção, do esforço de seu trabalho.
     Piketty  é incensado não por ter desvendado a lógica injusta de um modelo dependente do fator financeiro - pois muitos teóricos já o faziam, mesmo entre economistas liberais, como Lawrence Summers -, mas por ter dado robustez estatística e, com isso, argumentos mais palatáveis para uma crítica consistente ao sistema. Popularizou a crítica, angariando simpatizantes dentro do próprio sistema.
     Vejamos: os avanços produtivos do planeta se situam na ordem de 1,5% a 2% ao ano, enquanto as aplicações financeiras dos que possuem capital acumulado aumentam numa ordem superior a 5%, significando que parte crescente do que a sociedade produz passa para a propriedade dos detentores de capital, como ressalta Ladislau Dowbor, economista da PUC-SP e consultor da ONU.
     A ciranda financeira faz também com que apenas 147 grupos empresariais detenham 40% do capital corporativo mundial, "sendo três quartos deles bancos", lembra Dowbor, ou seja, intermediários financeiros e não empresas dos setores produtivos - fábricas,  empreendimentos agrícolas, instalações portuárias, construção civil etc.
     Ocorre que a perversidade - se podemos assim chamar - não caminha sozinha. Ela depende da grande demanda por aquilo que o sistema negocia, "vende" - ou empresta, se preferirmos: os recursos financeiros. Quem toma recursos ao sistema pagará um preço tão mais alto quanto mais numerosos e gulosos forem os tomadores desses empréstimos. Em outras palavras, bancos só cobram justos muito altos - o que aprofunda a acumulação do capital e, por consequência, as ineficiências e desigualdades - porque há agentes dispostos a pagar o preço.
     Os maiores tomadores de recursos dos bancos são os governos, na verdade, os governos irresponsáveis. Isso mostra o quanto o equilíbrio fiscal é importante. E também o quanto é indispensável um ajuste - por mais doloroso que possa ser - quando o ativismo estatal, de viés socialista, negligenciou o equilíbrio.

  Por Nilson Mello     

     Socialismo - O bloco socialista ruiu porque seu modelo econômico não era auto-sustentável, por ineficiente. Isso foi esquecido? Não há desenvolvimento sem um sistema financeiro robusto. Bancos são uma necessidade.

      Regulação - Muito mais importante do que a regulação é a responsabilidade dos governos. 

       Capitalismo de Estado - Indaga Veríssimo, em seu artigo desta quinta-feira na grande imprensa, em crítica ao livre mercado: "O que estamos vendo nesta meleca toda, empreiteiras formando cartéis para participar de licitações combinadas e comprando favores e contratos corruptos com propinas milionárias, se não uma espécie de apoteose feérica do capitalismo de compadres em ação?"  O liberalismo, por óbvio, não defende o capitalismo de Estado, que seria a sua própria negação. O capitalismo de Estado, oude compadrio, é parido pelo ativismo estatal, de viés socialista, que elege favoritos, minando a competição e a eficiência. A propósito, não foi Luiz Inácio Lula da Silva quem criou os  "campeões mundiais", os grupos empresariais brasileiros que teriam tratamento privilegiado do Estado? Deu no que deu!


   

Em tempo

Esquemão - Quando pensávamos que já havíamos chegado ao paroxismo em termos de corrupção com a descoberta do Petrobrasduto (ou Petrolão) pela Operação Lava Jato, eis que a Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público Federal e a Receita, desvenda um esquema de fraude por meio de propinas pagas a agentes do Fisco que causou prejuízo de R$ 19 bilhões aos cofres públicos. O céu parece ser o limite para a ladroagem. 

Comentário do Dia

Diário Oficial carioca - O órgão oficial do município do Rio de Janeiro passa a chamar-se, doravante, O Globo.

É Eduardo Paes - pintado de herói - da primeira à última página, passando, de forma reiterada, pela (meu Deus! o que é isso?) coluna de Ancelmo Góis, pelas páginas políticas, pela Economia, os Esportes, pelos suplementos de domingo....etc, sem qualquer distanciamento crítico, ou rigor técnico.

Acho legítimo um jornal apoiar quem quiser - até o prefeito Eduardo Paes, com os seus arroubos megalomaníacos e o seu indefectível cinismo contra aqueles que o questionam sobre projetos inconsequentes, como o BRT da Barra -, mas um pouco de pudor e escrúpulo, além de critério, não fariam mal algum, pelo contrário, até credenciariam este apoio.


No resumo, é isso: o apoio editorial, válido, tem muito mais valor quando não é vulgar!

sexta-feira, 20 de março de 2015

Artigo

Incompetência não dá margem ao impeachment

 Miguel Rossetto desqualificou os manifestantes: não votaram em Dilma

     A despeito do triunfo nas urnas em novembro passado, o fracasso do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff já era explícito durante a campanha eleitoral. Os indicadores econômicos expunham a persistente alta da inflação e o baixo crescimento, deixando antever suas consequências sociais.
     Havia claros sinais de que a política macroeconômica iniciada em 2010 (a nova "matriz" de Guido Mantega) dera com os burros n'água. Ao mesmo tempo, era quase impossível não associar os descaminhos e desvios na administração pública ao partido que estava no poder havia 12 anos.
     As provas contundentes de má gestão, porém, foram ignoradas pela maioria do eleitorado no momento do voto. Se outros 27% de brasileiros não tivessem preferido se abster, votar nulo ou em branco, o resultado poderia ter sido outro. O baixo nível de informação e de escolaridade poderia explicar a indiferença, mas - verdade seja dita - há muito de intuição e pouco de comprovação científica nesta avaliação.
     De qualquer forma, o compromisso ideológico ou partidário explicaria apenas a teimosia de um contingente menor, algo em torno de 15% que, historicamente, sempre estiveram e certamente sempre estarão - não importam as provas de mau desempenho - ao lado do PT. Ideologia é mais paixão do que razão.
     Por sinal, hoje o índice de aprovação da administração Dilma Rousseff restringe-se a esse patamar (na verdade, 13%), de acordo com  as últimas sondagens. No Datafolha divulgado quarta-feira, 62% rejeitam o governo. Outra conjetura: possivelmente as dificuldades econômicas somente agora estão sendo sentidas de forma mais forte no bolso do brasileiro, em especial o de baixa renda, severamente punido pelo "imposto inflacionário".
     Votar contra Dilma não significava ser contra políticas sociais e de distribuição de renda, como advertia - de forma competente, diga-se - o marketing de campanha governista, atribuindo ao adversário da urna o papel de algoz do povo. Votar contra Dilma significava buscar uma gestão fiscal mais responsável, para viabilizar o desenvolvimento econômico, melhorando a renda, e garantir a continuidade de programas sociais indispensáveis para reduzir desigualdades.
     Se entre os eleitores de oposição havia quem fosse contra esta obviedade política de caráter imperioso - e é claro que havia -, tratava-se de uma minoria inexpressiva e pouco influente até pela incapacidade de fazer o correto diagnóstico das necessidades do país. A propaganda transformou a exceção na regra, mas não pôde mudar a realidade.
     A realidade é que a "gerentona" foi mal justamente no quesito em que o marketing político e o seu criador - o ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva - diziam que ela era mais forte - a capacidade de administração. O "poste" ou "criatura", como vemos, não correspondeu às expectativas - nem do marketing, nem do criador, pelo que se ouve dizer em Brasília -, mas a parcela majoritária da população só se deu conta do desastre ou só resolveu se rebelar contra ele agora.
     Se na campanha havia, para quem pudesse ou quisesse ver, provas explícitas dos desarranjos, após a posse houve o reconhecimento implícito dos erros com a mudança de 180 graus na equipe econômica. Os duros ajustes ora em curso eram o que o principal oponente dizia que o governo precisava fazer, e o que o governo negou e renegou até o fechamento das urnas e a contagem final dos votos - certamente o maior estelionato eleitoral a que o país já assistiu.
     O reconhecimento expresso dos erros cometidos, contudo, só veio esta semana, em coletiva à imprensa da presidente, após as veementes, porém, pacíficas manifestações do último domingo contra o seu governo. "Cometemos exageros", disse, em meio a afagos e brincadeiras com os repórteres, uma atitude "humilde" (o termo a própria presidente empregou) inédita até aqui. É claro que, na campanha, Dilma já havia dito que seriam necessários "alguns ajustes", ciente de que a maior parte do eleitorado não perceberia o engodo, como de fato não percebeu.
     Mas o governo segue esquizofrênico, não mais na política econômica, onde finalmente há um casamento entre as áreas fiscal e monetária, mas no discurso, como, aliás, reconhece documento interno da Secretaria de Comunicação, vazado dias desses à imprensa.
     De um lado, a presidente afirma - coerente com a nova postura humilde - que governa para todos e que as manifestações comprovam o vigor da democracia brasileira. De outro, o ministro Miguel Rossetto, escalado para explicar o inexplicável na noite de domingo, em cadeia nacional e sob panelaço, tenta desqualificar e desprezar os protestos afirmando que só foi às ruas quem votou contra Dilma. Quem é contra o governo não tem legitimidade para se manifestar? E quanto à rejeição de 62%
     Não há base legal para o afastamento de Dilma Rousseff. A presidente não cometeu crime de responsabilidade (nota abaixo). Inépcia administrativa, descontrole fiscal e engodo eleitoral não dão causa ao impeachment. Mas o brasileiro tem motivos de sobra para ir às ruas protestar. E, a julgar pela troca da prepotência pela humildade, já surtiu efeito. Que perdure!

Por Nilson Mello



Nota:
Ver Crime de responsabilidade. O impeachment na Constituição de 1988, no que concerne ao presidente da República: autorizada pela Câmara dos Deputados, por 2/3 de seus membros, a instauração do processo (CF, art. 51, I), ou admitida a acusação (CF, art. 86), o Senado Federal processará e julgará o presidente da República nos crimes de responsabilidade. O impeachment do presidente da República será processado e julgado pelo Senado Federal. O Senado e não mais a Câmara dos Deputados formulará a acusação (juízo de pronúncia) e proferirá o julgamento. CF/1988, art. 51, I; art. 52; art. 86, § 1º, II, § 2º, (MS 21.564-DF). A lei estabelecerá as normas de processo e julgamento. CF, art. 85, parágrafo único. Essas normas estão na Lei 1.079, de 1950, que foi recepcionada, em grande parte, pela CF/1988 (MS  21.564-DF). O impeachment e o due process of  law: a aplicabilidade deste no processo de impeachment, observadas as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do processo, ou o cunho político do juízo. CF, art. 85, parágrafo único. Lei 1.079, de 1950, recepcionada, em grande parte, pela CF/1988. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

Artigo



O mentiroso digno e o delator irônico

A confissão egoísta

     A figura de Pinóquio ganhou força nos últimos dias com a instauração da CPI da Petrobras, as suas primeiras audiências e as novas revelações feitas por corruptos confessos em seus depoimentos no âmbito da Operação Lava Jato. Mas a referência tem razões inversas.
     O personagem do italiano Carlo Collodi (Le avventure di Pinocchio, de 1883) é universal e - a exemplo de todo grande personagem da literatura - mantém-se perene por força de seu grande caráter. Sim, o que chama a atenção no célebre mitômano é, paradoxalmente, a sua dignidade, razão pela qual ele conquistou a simpatia do público. Ele não é o antagonista, não é um Mephisto, mas o próprio herói do romance.  
     Mentir, todo ser humano o faz, dizem os cientistas, várias vezes ao dia, em maior ou menor grau, a ponto de algumas correntes da Filosofia reconhecerem que a mentira, em determinadas circunstâncias, pode até ser ética. Não? Vejamos: mentir para evitar um atentado terrorista, por exemplo.
     Mas é preciso dignidade singular para se trair a cada mentira, algo que o boneco de madeira criado pelo entalhador Geppetto faz com distinção. Pinóquio, com seu nariz revelador, é um ser transparente mesmo quando tenta ser dissimulado. Ser verdadeiro é algo que está além de sua vontade e de suas forças. Pode haver prova mais genuína de caráter?

     Nos depoimentos obtidos nas delações premiadas da Lava Jato deve haver algumas lorotas, mas é presumível que a maior parte do que tem sido dito por personagens como Paulo Roberto Costa, Alberto Yousseff e, mais recentemente, Pedro Barusco - o gerente da Petrobras que sozinho colocou US$ 97 milhões na Suíça! - seja verdade.
     Eis aí o contraste com Pinóquio. No caso, a verdade é uma imposição, uma questão de sobrevivência: escondê-la, neste estágio, significaria penas severas. Os três são, neste sentido, a antítese de nosso herói. Este tentava mentir para auferir alguma vantagem, mas a sinceridade o traía, ainda que de forma oblíqua. O personagem de Collodi é, sem querer, um altruísta.
     Costa, Yousseff e Barusco, por sua vez, contaram a verdade (ou uma meia-verdade ou parte da verdade) por questões egoístas. Ainda que seus depoimentos venham a contribuir para esclarecer o gigantesco esquema de desvio de recursos que colocou a maior estatal do país de joelhos, esse terá sido, pela ótica e pela lógica dos depoentes, o efeito colateral - o que os moveu foi a autopreservação, o instinto de sobrevivência, não o altruísmo.
     Em relação ao depoimento de Pedro Barusco esta semana na CPI da Câmara, em particular, o contraste é ainda maior. Barusco foi enfático na reiteração das denúncias que fez à Justiça. Não se percebia em seu semblante, no tom da voz, na linguagem corporal quaisquer resquícios de vergonha ou de arrependimento. E isso é estarrecedor.
     O esquema de propina vinha dando certo desde 1997/1998 (US$ 97 milhões na Suíça!), como afirmou, mas, uma vez flagrado, tratou de salvar a pele, confessando.
     Diante das câmeras, com transmissão ao vivo, e de centenas de pessoas na plateia, entre parlamentares e jornalistas, não enrubesceu, não se emocionou, não titubeou. O ar de playboy, reforçado pelo cabelo mais longo, puxado para trás da nunca à base de brilhantina, e as roupas de grife (com as quais é visto nas fotos publicadas nos jornais), contribuem para compor a imagem de frieza, com um viés irônico incompatível com a circunstância.
      Diante da dimensão do prejuízo que o esquema de roubalheira a que Barusco estava associado produziu a ironia inoportuna, que beira o deboche, deveria justificar a suspensão dos benefícios da delação premiada. A sua postura chocou tanto ou mais que o conteúdo de seu depoimento. Quem dera tivéssemos mais Pinóquios na crônica política brasileira.

    Por Nilson Mello

Em tempo:


     Uma coisa é a corrupção, sempre condenável, não importa em que grau. Outra, bem mais grave, é a corrupção sistematizada, estruturada em conluio com políticos e partidos políticos, e a serviço de um projeto de poder.


Em tempo II:
     Impeachment? No contexto, poderia gerar (mais) insegurança institucional, o que seria prejudicial no momento em que o governo toma medidas - sobretudo na política macroeconômica - indispensáveis para corrigir os (muitos) erros e desarranjos cometidos no primeiro mandato.
     Além disso, seria injusto deixar para terceiros o conserto dos erros que são de responsabilidade deste governo, mas, principalmente, porque nada garante que o "herdeiro do trono" teria condições (ou vontade política) para prosseguir nos duros, porém, inadiáveis ajustes ora iniciados.
     Por fim, o impeachment permitira ao PT assumir o papel de vítima - algo que muito lhe agrada e que lhe seria conveniente. Mais uma razão para ser desconsiderado no momento.
     Contudo, é preciso lembrar que processos de impeachment são um instrumento do jogo democrático, decididos de forma legítima, com amparo nos poderes constituídos, sobretudo o Legislativo. Ou alguém acha que o impeachment de Collor foi um golpe contra a democracia?