sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Artigo


A mudança de rumo
Levy tem como missão melhorar a gestão dos gastos públicos

Os 54,4 milhões de brasileiros (51,64% dos votos válidos) que votaram na presidente Dilma Rousseff no segundo turno da eleição presidencial deste ano têm o direito de se sentir traídos com a escolha da nova equipe econômica, sobretudo a de Joaquim Levy para comandar a Fazenda. Podem até cobrar explicações pelo engano a que foram induzidos (é o tal negócio, por que não se informaram melhor sobre a situação do país, não é mesmo?). De qualquer forma, não devem ficar pessimistas. Ao contrário.

Quando a candidata e o seu partido afirmavam – não apenas na campanha, mas ao longo dos quatro anos do governo iniciado em 2010 - que ia tudo bem na economia estavam, na verdade, mentindo. Do contrário, não seria preciso uma guinada de 180º agora. Deveriam pedir desculpas aos brasileiros.

Os que votaram em Aécio Neves - cerca de 51 milhões de eleitores - podem se sentir aliviados. E comemorar. Se a economia caminhava para um colapso de difícil reversão, ou reversão lenta e a um altíssimo custo, por conta da inflação elevada, do baixo crescimento e da degradação das contas públicas (variáveis que, claro, têm íntima relação de causa-e-efeito entre si), as perspectivas começam a melhorar. Eis aí um promissor estelionato eleitoral.

Não é o primeiro. Luiz Inácio Lula da Silva também não fez o que prometia na economia quando foi eleito em 2002. Manteve distância do que o PT sempre preconizou para a área econômica. Ao assumir, em 2003, deu sequência ao programa do PSDB e com ele, ou graças a ele, chegou ao segundo mandato. Jamais reconheceu a (bem-vinda) incoerência ou renegou o plano anterior, talvez cinte de que a maioria do eleitorado não se daria conta do “truque” ou não se importaria com ele.

Convenhamos, se o PT continuar a fazer na economia tudo diferente do que pregam seus economistas e ideólogos, estaremos a salvo.

Com Levy oficialmente anunciado e prometendo metas factíveis de superávit em 2015, diante do estrago apresentado em 2014, o mercado financeiro já deu sinais de otimismo esta semana. Racionalidade econômica conduz ao equilíbrio fiscal e garante ambiente mais seguro para os investidores. São pressupostos para a estabilidade e o crescimento sustentável, algo agora assumido pela presidente reeleita, a despeito de ter feito tudo contrariamente a esses princípios durante quatro anos.

Doutor pela Escola de Chicago e, portanto, identificado com o pensamento liberal e a ortodoxia no trato das contas públicas, Levy é a personificação da mudança de rumo – o “Mãos-de-Tesoura” que as circunstâncias exigem. O eixo da política econômica voltará a ser a responsabilidade fiscal, com melhor gestão dos gastos, visando à reconquista da credibilidade. Então, os eleitores de Dilma podem até se revoltar, mas que se revoltem contra a governante, o governo e o partido que os ludibriou durante quatro anos e que encurralou a economia do país.

Por Nilson Mello

Em tempo:

A questão agora é saber se Joaquim Levy e a nova política econômica resistirão às pressões do PT e ao próprio protagonismo da presidente da República. A hipótese de o novo ministro ser afastado às vésperas de 2018, dando lugar novamente ao neopopulismo, após sanear as contas públicas, também não é de toda remota.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Artigo

O Legado

Neste período de transição para o segundo mandato, começa a haver consenso nas áreas técnicas do próprio governo de que não se cresce com inflação e que o seu efetivo controle pressupõe uma política fiscal mais responsável, com redução significativa de despesas.

Teria sido esse, aliás, o principal ajuste aludido pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha, quando a sua vitória ainda era incerta.

Se confirmado o diagnóstico otimista do primeiro parágrafo, os mais refratários, quando o assunto é austeridade, precisarão reconhecer que a tarefa de conter o aumento dos preços não pode ser uma batalha solitária da política monetária – a política de juro, a cargo do Banco Central.

Até porque, quanto mais isolado estiver o BC, como ocorreu nos últimos tempos, maior será o custo desse esforço, representado por novas rodadas de aumento da Selic (a taxa básica) e/ou sua manutenção em patamares elevados. Já foi dito aqui que juro alto é sintoma e “remédio” ao mesmo tempo.

É sinal de que há uma disfunção na economia, ou seja, demanda por bens e serviços maior do que a capacidade de oferta, pressionando os preços. E é também um instrumento (a medicação) para reverter esse descompasso. Está claro que juro muito alto é tão nocivo quanto a inflação, em determinados casos até mais prejudicial. Mal necessário.

Aqueles que diziam – e foram muitos dentro do governo a fazer isso – que a inflação no Brasil tinha causas externas estavam simplesmente mentindo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e, portanto, a variação de seus preços tem essencialmente causas internas.

Não faz sentido manter os impulsos fiscais de um lado, como vem fazendo o governo – na crença de que eles ativam o consumo e aceleram o crescimento –, enquanto que, na outra frente, a monetária, o BC “enxuga gelo”, puxando os juros para cima. A esquizofrenia na política econômica chegou ao limite, sem qualquer resultado.

Havendo consenso de que é preciso ajustar a política fiscal, o problema passa a ser definir o que cortar, uma vez que a maior parte do orçamento da União está comprometida com as receitas vinculadas, constitucional e legalmente determinadas.

A propósito, qualquer reforma de fundo no Brasil deve procurar desatar essa camisa-de-força, uma vez que ela compromete a capacidade discricionária do gestor público e as próprias políticas de Estado. Mas esse é um debate de longo prazo, dada a sua magnitude e os obstáculos políticos inerentes. As medidas emergenciais não podem esperar reformas estruturantes.

Então, o que é possível cortar de um ano para o outro? Os investimentos não podem ser cortados, ao menos não significativamente. Eles são imprescindíveis para a retomada do desenvolvimento (sobretudo se considerarmos que o setor público já investe muito pouco, apenas 3% do PIB), bem como para o aumento da produção e da produtividade, algo que, paralelamente, também contribui para o combate à inflação na medida em que reduz o descompasso entre demanda e oferta.

Restam, portanto, as despesas de custeio, o que incluem as destinadas à manutenção dos serviços criados anteriormente à Lei Orçamentária do ano em questão e que correspondem às de pessoal, de material de consumo, de serviços terceirizados e de gastos com obras de conservação e adaptação de bens imóveis, entre outros.

Não é tão difícil assim fazer cortes de custeio, mas a tarefa exige critério técnico e, claro, vontade política. Terá o novo governo Dilma Rousseff esses dois predicados? Muitos cargos comissionados (pessoal carreado, em levas, para o governo central sem concurso e por isso sem estabilidade) teriam que ser eliminados. No curto prazo, trata-se de uma providência prioritária para a aguardada retomada da credibilidade.

Mas esses cortes por si só talvez não sejam suficientes. O reequilíbrio implicaria, então, um aumento da tributação. Não é por outra razão que a volta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis e da CPMF já é dada por muitos especialistas em contas públicas como certa.
O segundo mandato começaria então com juro elevado e, apesar dele, inflacão alta; e, ainda, rombo nas contas externas, dólar em subida aspiral (em parte por conta da perda de confinaça), desequilíbrio fiscal e, por força da necessedidade de arrumar a casa, mais tributos.

Que legado, hein presidente eleita! Até o número de miseráveis no país voltou a aumentar, conforme dados da semana passada, e a despeito da disseminação do Bolsa Família.  Não há desenvolvimento social perene sem crescimento econômico sustentável, o que pressupõe equilíbrio fiscal.

Por Nilson Mello


Sobre o ajuste indispensável, vale a leitura dos artigos “A qualidade do ajuste fiscal”, de Bernard Appy (ex-integrante do governo), e “A presidente em seu labirinto”, de L.C. Mendonça de Barros, que podem ser acessados pelos dois links abaixo.
Links para os Artigos indicados:



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Artigo


Por partes, como Jack, o estripador
 
     A senadora Marta Suplicy deixou o Ministério da Cultura esta semana atirando contra o governo e criticando aquilo que considera uma má gestão dos assuntos econômicos. Adotando tom irônico em sua carta de renúncia, fez votos para que a presidente reeleita reconduza - no mandato que se iniciará em janeiro - o país a um ambiente de “crescimento sustentável”, algo que, definitivamente, não ocorreu na atual gestão.
Marta Suplicy foi a ministra que, em 2007, à época titular da pasta do Turismo, recomendou àqueles que enfrentavam as intermináveis filas nos aeroportos nacionais que “relaxassem e gozassem”. As filas com certeza não melhoraram de lá para cá e a própria autora do conselho, a julgar pelas suas palavras de despedida de Brasília, percebeu que é impossível chegar ao, digamos, “clímax” quando tudo no entorno se deteriora, a começar pelos indicadores econômicos e sociais.
A mudança da postura debochada de então para a assertiva contundente de hoje não deixa de ser algo a ser comemorado por todos, mesmo por aqueles que jamais votaram na senadora.  As urnas mostraram que ao menos metade dos eleitores e cidadãos está farta da retórica e quer resultados.
 O fato de um ministro só apresentar a sua carta de demissão e vir a público reconhecer o fracasso do governo do qual fez parte quando já sabe que não participará da nova equipe não deixa de ser curioso. Oportunismo? Dizem que Marta Suplicy deixará o PT e irá para o PMDB como candidata à Prefeitura de São Paulo. Alguma diferença, entre os dois partidos hoje?
Outro que também se rebelou, porém, de forma mais reservada, contra o governo do partido que lhe garantiu a projeção que o mérito até então não fora capaz de proporcionar foi o ministro do Supremo Dias Toffoli. Informa a coluna Radar On Line desta sexta-feira que, em jantar com senadores na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, Toffoli fez duras críticas às manobras promovidas pelo governo para escapar ao cumprimento das metas fiscais. Outra evolução a ser reconhecida.
Em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal podemos dizer, agora, sem incorrer em qualquer injustiça ou ser leviano, que a presidente Dilma Rousseff e a sua equipe econômica, em especial o ministro Guido Mantega, mentiram ao ter repetido ao longo do ano e, de forma mais categórica, durante a campanha eleitoral, que a meta de 2014 seria cumprida.
Cinco dias apenas após as urnas serem abertas, o governo admitiu que a meta fiscal do ano não seria alcançada e o superávit primário – economia para pagar juros da divida pública –,  abandonado. A mensagem com a alteração da Lei Orçamentária já foi encaminhada ao Congresso, o que deve rendar uma rodada extra de negociações dentro do modelo do “toma-lá-dá-cá”. Ora, seria muita ingenuidade achar que o Congresso não tentará tirar o maior proveito da situação de fragilidade do governo nesta questão.
O pior cenário é o que Dias Toffoli esboçou na reunião com os senadores. Se nem o governo central cumpre as metas que estabelece, por que estados e municípios o fariam? Como bem lembrou o ministro, o descumprimento da meta de 2014 pode significar, na prática, o inicio do fim da Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos pilares da era do real. O governo que já havia conseguido a proeza de combinar inflação – hoje superando o teto do regime e beirando os 7% - com baixo crescimento do PIB (provavelmente 0% no ano) alcança agora mais este “feito”.
Um dado que comprova o grau de estagnação a que economia chegou foi divulgado hoje: as montadoras de automóveis, “xodó” do governo nas irresponsáveis desonerações fiscais e nos impulsos ao crédito, já demitiram mais de 12,6 mil trabalhadores este ano. Se um setor que conta com as benesses do “capitalismo de estado” do PT dá sinais nítidos de degradação, o que dizer dos segmentos que precisam sobreviver exclusivamente de sua competitividade e eficiência em meio a um ambiente econômico instável e incerto.
Em seu discurso de vitória, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a economia estava, de fato, precisando de ajustes, sobretudo na área fiscal, e que o rigor no combate à inflação não seria abandonado. Mais uma curiosidade: até as eleições, a propaganda nos fazia crer que tudo ia bem, e que os eventuais percalços tinham causas externas.
Muito bem, reconhecidos os problemas, o que se esperava, a partir de agora, era o esboço de uma reforma ministerial profunda, de preferência com redução do número de pastas. E feita a partir de nomes de reconhecida competência, capazes de devolver a credibilidade que o governo perdeu e da qual tanto precisará para combater a inflação e fazer o país voltar a crescer – como candidamente pediu Marta Suplicy em sua carta.
Mas, contrariando o discurso inicial – numa incongruência que se tornou sua marca nesses quatro anos - eis que ontem a presidente voltou a dar sinais de indecisão e, parodiando Jack, o estripador, disse que fará “uma reforma por partes”, como se os problemas do Brasil não tivessem mais tanta urgência.
Por Nilson Mello