sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Artigo

Nada de novo no front

Ex-piloto entra na corrida política
A pesquisa do Ibope divulgada esta semana sobre intenção de votos para a Presidência da República confirma a avaliação feita neste blog, logo após o ápice das manifestações de junho, de que os protestos - embora representassem um claro reparo ao desempenho do governo federal - não seriam capazes de tirar da presidente Dilma Rousseff o favoritismo para as eleições de 2014.

    O diagnóstico partia da constatação de que quem foi às ruas nas manifestações de junho e julho representava, em sua esmagadora maioria, uma classe média urbana mais exigente e menos vulnerável aos “programas de transferência de renda” e à massiva propaganda, em especial a de cunho assistencialista, do governo federal.

Por ser mais informada, essa classe média urbana é também mais crítica em relação ao desempenho dos governantes e, sobretudo, muito menos tolerante com a ineficiência administrativa, os desvios e os seguidos casos de corrupção no governo petista.

O julgamento do processo do mensalão, no final do ano passado, serviu como uma deixa para os gritos de protestos que tomariam as principais cidades brasileiras poucos meses depois. Mas, aparentemente, seus reflexos não chegarão às urnas com a intensidade ou rapidez que os desafios brasileiros exigem.

    Agora, com 22 pontos percentuais à frente de Marina Silva, que não tem sequer certeza se conseguirá registrar o seu partido Rede até o prazo fatal de 05 de outubro, a presidente segue firme na dianteira com 38% das intenções de voto.

Na última sondagem do instituto, em julho, Dilma havia caído para 30% das intenções, após ter chegado a 58 pontos, enquanto Marina, hoje com 16%, atingia 22 pontos e despontava como a principal candidata de oposição. Aécio Neves, o segundo mais forte opositor em intenções de voto, também caiu de 13 para 11%.

A permanência do senador mineiro numa faixa medíocre, a despeito ser o candidato do principal partido de oposição, fazem com que a sua possível substituição pelo ex-governador José Serra deixe o campo da simples especulação.

De qualquer forma, pelo currículo de derrotas na disputa presidencial e pelo perfil pouco aglutinador de Serra, a insistência em seu nome beiraria o desrespeito com o eleitor. Até porque o quadro de disputa não se alteraria significativamente com a troca de um pelo outro, como informam os jornais desta sexta-feira.

Por enquanto, no PSDB, a principal arma para conquistar o eleitor arredio tem sido um discurso de desdém cujo resultado é mais do que incerto. Em recente reunião do comando da campanha tucana, um dos artífices de Aécio Neves afirmou que “o mito Marina Silva é muito superior à candidata Marina Silva”.

Pode até ser verdade, mas a questão principal para o PSDB, neste momento, é saber como fazer para que o seu candidato, muito longe de ser um mito, possa ao menos ser maior do que aquilo que o partido enxerga nele – e dessa forma empolgar o eleitorado.

Quanto a Eduardo Campos, quarto colocado na disputa pela pesquisa do Ibope, a sua permanência na faixa dos 3 e 4 pontos percentuais, não o alça, até o momento, à condição de forte candidato. Em todo caso, jamais será um nome de oposição real ao atual governo, ou ao que se pode chamar de orientação programática, tendo em vista o perfil, o histórico e a aliança entre o PSB e o PT.

Sem perder a esperança de deslanchar, o governador de Pernambuco segue recrutando nomes que posam ser bons puxadores de voto para o seu partido, como Romário no Rio e Emerson Fittipaldi em São Paulo. O ex-piloto de F 1 é, pasmem, a novidade da política nacional.

Com este cenário, não surpreende que 30% do eleitorado não sabem em quem votar e estão dispostos a votar em branco ou anular o voto. O que é lastimável, considerando o fraco desempenho da economia, os desafios que temos à frente e a distância abissal que ainda separa o Brasil das nações mais avançadas do planeta em termos sociais e culturais. Distância abissal, apesar de sermos o 7º maior PIB do mundo!

Por Nilson Mello

Em tempo:
Outra pesquisa desta semana, da CNI/Ibope, comprova o cenário de marasmo e o baixo senso crítico da população: 54% dos brasileiros aprovam o governo Dilma Rousseff. É preciso lembrar que, no país de quase 200 milhões de pessoas, apenas 5 milhões leem jornais regularmente. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Artigo

Momento de lucidez


Guardião das Leis e da democracia.

  Ao contrário do que muitos pensam, o encontro com Deus – aqui compreendido no mais amplo conceito filosófico e não apenas em alegorias religiosas – dá-se pelo exercício da razão, não pela emoção. O conceito amplo significa o encontro com a verdade e com a boa-fé, o respeito aos princípios éticos e morais. E é nesse entendimento conceitual que até um ateu pode chegar a Deus.
Não há boa-fé nas atitudes apaixonadas, movidas pela emoção, justamente porque elas anulam a razão.
Nessas últimas semanas, até quarta-feira passada, quando o voto de minerva do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, garantiu cabimento aos embargos infringentes, era visível na sociedade o desejo de punir os condenados na Ação Penal 470 a qualquer preço, a despeito do que estabelece o ordenamento jurídico em vigor.
Mas o fato irrecorrível é que os embargos infringentes, razão das discussões, são claramente cabíveis no Supremo, e qualquer leigo em assuntos jurídicos pode chegar a essa conclusão mediante uma pesquisa honesta à jurisprudência e à legislação. Não se trata de mera filigrana jurídica, ou de avaliação subjetiva com espaço para variada interpretação, mas de análise isenta e objetiva da Lei.
A única razão que pode explicar a rejeição do recurso por cinco ministros do Tribunal é a emoção, ou seja, a certeza de que os condenados merecem uma punição rápida e exemplar, pela infâmia de seus crimes em prejuízo de uma sociedade que, reconheçamos, chegou ao limite da tolerância com a corrupção e os desvios políticos de toda espécie.
Os votos pela rejeição foram, assim, de caráter político, não eminentemente jurídico. Neste sentido, o voto do ministro Gilmar Mendes foi de uma contundência impressionante. Ocorre, contudo, que o Supremo, por ser guardião da Constituição e da própria democracia brasileira, não pode cair na tentação de um julgamento político, de exceção.
Ao reconhecer o cabimento dos embargos a despeito de uma gigantesca pressão política, inclusive dos órgãos de imprensa, que não se deram ao trabalho de fazer a necessária avaliação técnica da questão, o ministro Celso de Mello reconduziu o julgamento do mensalão para os parâmetros da razão, restabelecendo garantias legais que constituem o freio às seduções totalitárias.
Sim, porque hoje, quem está em julgamento no Supremo, pode ser nossos inimigos, mas amanhã, um de nós, inocente, poderá estar sendo julgado e condenado ao arrepio da Lei, por razões políticas. A estrita observância da Lei é o salvo conduto das democracias. Que não a percamos de vista.
Não há dúvida que nossa legislação é imperfeita (como, aliás, todas o são) e merece reparos e reformas, sobretudo nos aspectos processuais com margem para condutas protelatórias incompatíveis com uma sociedade que se quer justa. Mas, se as regras são ruins, que as mudemos e aperfeiçoemos por meio dos mecanismos existentes para tanto.
Ignorá-las em meio a um julgamento, por mais abomináveis que possam ser os réus, é de um casuísmo autoritário inadmissível, em especial para um país que se esforça para consolidar suas instituições políticas. O momento é de lucidez. Razão no lugar das paixões.

Por Nilson Mello



segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Anotem:
    Acho que o julgamento dos mensaleiros no Supremo foi irrepreensível. Como cidadão, entendo que os acusados são culpados e espero vê-los presos o quanto antes. A sociedade não tolera mais a impunidade.
Contudo, sou a favor da estrita legalidade. Até porque não se constrói uma democracia fazendo Justiça com as próprias mãos. E, na minha avaliação, não há qualquer dúvida de que os embargos infringentes em sede penal são cabíveis no Supremo.
Neste sentido, só posso entender o voto dos cinco ministros rejeitando o recurso na Ação Penal 470 como decorrência de uma análise muito mais moral, do que técnica ou jurídica.
Em que pese a indiscutível cultura jurídica de todos os cinco, o que pesou foram os aspectos políticos e sociais. Mas o juiz deve julgar com a Lei, ainda que a Lei seja ruim.
Antes de escrever o artigo da última sexta-feira defendendo o cabimento dos embargos, fiz longa pesquisa em busca dos argumentos necessários à sua rejeição. O que sobressaiu de minha análise, porém, foi a sua absoluta legalidade.

Meu desejo era fazer uma exortação à rejeição, mas fiz o que manda a honestidade intelectual. Abaixo, uma dos inúmeros pareceres sobre a questão, este talvez o mais claro e direto de todos.

http://www.conjur.com.br/2013-set-10/hamilton-carvalhido-lei-803890-nao-revogou-previsao-embargos-infringentes

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Artigo


Quem disse que democracia é simples?

 


A ideia de qualquer tribunal examinar duas vezes o mesmo processo, por força de uma ação originária, pode parecer absurda, se considerarmos a inerente possibilidade de resultados diferentes.

Se um tribunal puder ter posições distintas acerca de um mesmo feito, jamais haverá segurança jurídica e estabilidade institucional – algo que contradiz a própria essência do Judiciário. Até porque quem garantiria que não haveria uma terceira decisão, num seguinte reexame, se cabível, e assim sucessivamente.

No julgamento pelo Supremo da Ação Penal 470, originária por força do foro privilegiado, a possibilidade torna-se ainda mais evidente devido à mudança na composição da Corte, com o ingresso de dois novos integrantes que não haviam participado do processo, o que certamente amplia as chances de se ter, em segundo julgamento, um resultado distinto do primeiro.

A virtual admissibilidade dos embargos infringentes, a ser definida com o voto de minerva de seu ministro decano, na próxima quarta-feira, é a condição que falta à revisão do processo e a redução (e até mesmo prescrição) das penas de doze dos 25 condenados. O resultado do extenso e detalhado julgamento do Mensalão, com suas 50 sessões no ano passado, estaria assim colocado em xeque.

Impossível não reconhecer o impacto negativo na sociedade desse, digamos, “retrabalho”, na medida em que reforçaria a percepção de que a impunidade continua a prevalecer no Brasil para os poderosos e que o Judiciário (nem mesmo o seu órgão de cúpula, no qual tanta esperança se depositou) não estaria imune às idiossincrasias políticas.

Por outro lado, o duplo grau de jurisdição é um desses institutos fundamentais no estado democrático de direito porque, partindo do pressuposto de que o juiz e, por extensão, os tribunais não são infalíveis, o mecanismo serve de garantia aos cidadãos contra eventuais erros e abusos do Judiciário. 

Assim como ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, pois do contrário o monopólio da força, reconhecido ao Estado, seria desmedido, toda decisão judicial merece ser revista, a fim de que se afaste qualquer possibilidade de punição indevida ao réu.

Se o Estado é indispensável na busca e na manutenção da harmonia social, seu poder de coerção e sua capacidade punitiva não podem ser irrestritos, sob o risco de prejudicar os cidadãos – justamente a sua razão de ser.

Foge, portanto, a qualquer concepção razoável sobre justiça ou sobre a Justiça, em regime democrático (se é que se pode falar em Justiça em regime de exceção), a possibilidade de um processo penal sem chance de revisão.

O Julgamento do Mensalão pelo Supremo, como ação originária, nos coloca assim diante de um novo desafio, ainda maior do que aquele que se prenunciou no início do processo, em 2012: fazer justiça, punir os culpados, mas observando estritamente todas as regras e princípios democráticos que nossa Constituição recepcionou.

O empate em 5 a 5 entre os ministros do Supremo não pode ser visto como alinhamento automático em face de preferências políticas. Ao menos, não de todos eles. Pois, a rigor, e por mais que sintamos simpatia pela posição daqueles que propugnaram contrariamente à admissibilidade dos embargos infringentes, o que afastaria de pleno a possibilidade de reexame e, assim, de revisão das penas, o fato é que o recurso é legítimo.

Sem resvalar para um tecnicismo enfadonho, é preciso lembrar que a legislação (Lei 8.038/90) não revogou expressamente os embargos infringentes previstos no Regimento Interno do Supremo (artigo 333 inciso I), disciplinando, no que toca o STF, apenas os recursos extraordinários.

A norma regimental foi, portanto, recepcionada pela Constituição e, por decorrência, pelo Supremo, com força de Lei Ordinária, razão pela qual o ministro Celso de Mello, certamente o mais respeitado dos ministros, já tem voto favorável a esse tipo de recurso na própria Ação 470.

O justificável temor expresso no voto do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, ao rejeitar os embargos infringentes, de que a reapreciação de fatos e provas pelo mesmo órgão possa eternizar o julgamento, é apenas parte da verdade. A outra parte é que, num estado democrático de direito, nenhuma decisão judicial pode estar imune à revisão, sobretudo se há previsão legal para tanto.
 
          Quem disse que democracia é simples?

Por Nilson Mello

 

 

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Artigo

A dosemetria diplomática


  As declarações peremptórias e as posições irredutíveis trazem sempre como risco inerente a completa desmoralização de seus autores. Sobretudo quando o resultado que delas se espera - das posições e das declarações – está condicionado a uma determinada resposta ou reação impossível de ser imposta ao interlocutor ou oponente. 

  Com franqueza desconcertante, à altura de sua genialidade nos gramados, Garrincha perguntou certa vez ao treinador, durante uma preleção, se aquilo que estava sendo determinado aos jogadores já fora combinado com o adversário.  

  Se há pré-condições para que as jogadas simuladas produzam resultados durante os jogos, culminando com gols, será preciso a concordância dos adversários – algo impensável, a não ser, evidentemente, nos casos minoritários de fraude. Treino de futebol não é ensaio de orquestra ou marcação de companhia de teatro. 

  Ao desmoralizar a preleção do treinador, Garrincha colocou em evidência a importância do improviso, não por acaso o seu maior atributo como jogador. Não é o caso de se preconizar a improvisação como regra geral para tudo que se faça na vida, mas apenas salientar a importância de se deixar margem de manobra para se reagir da melhor forma possível a uma posição conflitante ou mesmo ao imponderável.

  O governo brasileiro endureceu o discurso com os Estados Unidos na questão da espionagem. Então, é preciso saber o que o governo pretende. Um pedido formal de desculpas dos Estados Unidos ao Brasil? A entrega de todas as informações obtidas de forma espúria? Quanto maior o esperneio, menores serão os resultados em termos proporcionais.

  A escalada de retórica embute o risco de desmoralização. No caso em questão, é preciso encontrar a “dosemetria” correta, como salientou o embaixador Marcos Azambuja, em entrevista na televisão nesta sexta-feira (06). A diplomacia brasileira está errando na dose. 

Por Nilson Mello

Em tempo: A política externa brasileira tem usado dois pesos e duas medidas. E confundido firmeza com radicalismo, ou ainda, ânimo conciliador com atitude subalterna. A alternância de extremos reflete uma mudança contraproducente, na esteira da substituição da diplomacia profissional pela diplomacia panfletária. O caso La Paz, comentado na nota abaixo, foi outro episódio que reforçou essa avaliação.