terça-feira, 27 de agosto de 2013

Anotem

 
Bye, Bye Bolívia
 
 

 
Eduardo Saboia: quem disse que falta fibra aos homens do Itamaraty?
 
Eduardo Saboia, diplomata brasileiro que montou uma operação secreta para retirar o senador boliviano Roger Pinto Molina da Embaixada de La Paz, é um homem corajoso. Perseguido político, Pinto Molina já tinha recebido asilo do Brasil há mais de um ano, mas permanecia trancafiado na embaixada.
 Sem pressão de Brasília, La Paz não expedia o seu salvo-conduto. Uma condição desumana, que violava tratados internacionais e humilhava a diplomacia brasileira – e contra a qual Saboia se rebelou, a despeito das inevitáveis consequências para a sua carreira, a começar por um processo disciplinar por quebra de hierarquia.
No caso em questão, o Itamaraty vinha cumprindo a política de relações exteriores da “Era PT”: se os países que nos afrontam são do compadrio ideológico, afagos. A complacência do ministro Antonio Patriota durante os 452 dias em que Pinto Molina viveu em condições precárias num cubículo (sala de telex) da representação brasileira não era, portanto, aleatória, mas premeditada. Seguia à risca o roteiro estabelecido no Planalto.
O que não estava no script palaciano era a postura firme e indignada do encarregado de negócios em La Paz. Saboia, com sua ação cinematográfica, expôs a farsa. A cabeça de Patriota foi a única forma que o governo encontrou para se desculpar com Evo Morales. Aparências salvas, o descaso e a inércia do ministro foram recompensados com uma designação para a ONU.
No melhor estilo PT, Patriota caiu “para cima”. Afinal, fez o que lhe mandaram, embora agindo contra os direitos humanos, as melhores tradições do Itamaraty e os verdadeiros interesses do Brasil – os quais não se confundem com os interesses de governos transitórios.

Por Nilson Mello

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Artigo

O irresponsável ativismo do governo


Durante muito tempo, já na era do real, se brigou no Brasil por uma taxa de câmbio que favorecesse as exportações. Essa era uma bandeira empunhada com ardor por entidades como a Fiesp, a Federação das Indústrias de São Paulo. A outra bandeira da Fiesp, como sabemos, era a redução da taxa de juros – ainda que não houvesse ambiente fiscal que permitisse essa redução livre de risco para a inflação.
    A ideia era que uma taxa de juro mais baixa fortaleceria o setor produtivo, enquanto um câmbio depreciado, isto é, o real relativamente mais barato frente o dólar, estimularia as exportações. Os defensores dessa, digamos, estratégia, não conseguiam ver o câmbio valorizado como decorrência de uma economia estável.
Muito bem, depois de um longo período de abrandamento da política monetária, com deliberada redução da taxa básica de juro - processo só revertido recentemente, após persistente pressão sobre os índices de preços - e agora que o real entrou em ritmo acentuado de desvalorização, devido, sobretudo, a fatores externos (como a recuperação da economia americana, o que altera os fluxos de capitais globais), podemos retomar o debate com mais lucidez e sem imediatismos.
O processo de redução dos juros, sem que houvesse em contrapartida compromisso estrito no controle de gastos públicos, estimulou o consumo, mas não garantiu crescimento sustentável. A prova é que a inflação persiste em patamares elevados, acima do centro da meta e quase sempre frequentando o seu teto, sem que a evolução do PIB, em todo esse período, demonstrasse qualquer vigor.
Não há qualquer indício, muito menos garantia, de que a desvalorização do real tenha tido contribuição perene para o aumento da produtividade de nossa economia. Muito ao contrário. Um ou outro setor, uma ou outra empresa, pode estar tendo alívio pontual. Mas continuamos a ser uma economia pouco produtiva e pouco competitiva. Neste aspecto, a mudança no câmbio até mascara o problema.
Cabe ainda lembrar que com a alta do dólar teremos uma preocupação adicional com a inflação, na medida em que: 1. os produtos nacionais não sofrerão de forma tão decisiva a concorrência dos estrangeiros; 2. a nossa indústria de transformação pagará mais caro por insumos importados (como celulose), impactando os preços internos.
Os problemas de competitividade da economia têm caráter estrutural que os “simples” atos de vontade e o consequente intervencionismo do governo não serão capazes de resolver. Estranha-se por isso mesmo que entidades empresariais defendam medidas intervencionistas, quando deveriam lutar por um ambiente econômico propício à produtividade e ao empreendedorismo. Esse ambiente só existe com economia estável, com bons fundamentos.
A notícia boa é que alguns formuladores do que se pode chamar de “política econômica” do governo Dilma Rousseff já reconhecem que o ciclo de valorização do dólar, que tende a ser duradouro, por si só, não criará condições favoráveis para a competitividade brasileira.
Vejamos, por exemplo, o que afirma Luciano Coutinho, presidente do BNDES, segundo os jornais desta sexta-feira (23): “Não podemos basear toda a nossa política de competitividade na taxa de câmbio”. Muito bem, mas, então por que apostamos tanto nisso?
Luciano Coutinho defende a retomada dos fundamentos da economia. Ora, chega a ser irônico, pois foi o abandono paulatino, pelo governo, de fundamentos como a responsabilidade fiscal, o rigor na política monetária e o câmbio flutuante que potencializaram o atual cenário de perda de credibilidade e confiança – outro fator a pressionar a inflação e a cotação do dólar.
Em seu início, esse governo teve cacife político para promover a competitividade e a produtividade da economia. Poderia, por exemplo, ter promovido uma ampla reforma tributária, ou destinado mais recursos para investimentos em infraestrutura. Ou ainda, não ter estabelecido, como o fez, por conta de um ativismo tortuoso, programas assimétricos de incentivos fiscais setoriais, que vão contra a ampla concorrência e a desejada competitividade.
O governo Dilma habituou o empresariado a pedir esmola. Desde quando isso estimula a produtividade e a competitividade? Poderia ao menos não ter desestruturado a política econômica que vinha dando certo. Tudo será mais difícil daqui para frente.
Por Nilson Mello


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Em tempo:


O temperamento irascível do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, e suas manifestações exacerbadas, não condizentes com o cargo que ocupa, colocam em xeque o seu empenho em dar ao julgamento do Mensalão um caráter exemplar. É munição para os seus adversários.
Quando se exalta e agride verbalmente o ministro Ricardo Lewandowski, transformando-o em vítima, como ocorreu na sessão desta quinta-feira (15), desmoraliza o próprio trabalho e o papel do STF, hoje um baluarte na defesa das melhores causas da sociedade. 
Joaquim Barbosa pode até angariar alguns simpatizantes com os “arroubos de retórica”, para usar as palavras do ministro Marco Aurélio Mello, mas com certeza perde mais apoio do que ganha com o destempero.
Quanto à rejeição nesta quinta de mais três recursos apresentados pelos réus da Ação Penal 470, nenhuma surpresa.

Por Nilson Mello 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

ANOTEM:


Zé Dirceu, de guerrilheiro a capitalista.


Faço uma pausa nas leituras regulares para folhear "Dirceu", biografia escrita por Otávio Cabral (Ed. Record).
Um aspecto me fez lembrar "Camaradas"  (de W. Waack), obra do mesmo gênero e temática semelhante: o fracasso dos cubanos e dos guerrilheiros brasileiros do Molipo, treinados em Cuba, tendo Zé Dirceu à frente. 

A verdade dos fatos, não explicitada nos livros citados: a repressão montada pelo Exército para impedir a implantação de outra ditadura, de esquerda, foi mais eficaz que seus oponentes, a exemplo do que já havia ocorrido décadas antes, no episódio do esquema montado em Moscou, tendo Prestes à frente. No resumo, métodos idênticos de parte à parte, com um vitorioso. Quem deu início à escalada?

Diagnóstico, também não explicitado no livro: a esquerda subversiva latino-americana das décadas de 1960 e 1970, com matriz geradora em Cuba e conexão em Moscou (ou, possivelmente, o contrário), subestimou os militares brasileiros.

O Brasil não era o regime do sargentão Fulgêncio; tampouco as Forças Armadas brasileiras o exército cubano.

Vale dizer: Tortura não se justifica em nenhuma hipótese, deve ser combatida com absoluto rigor, mas seu contexto precisa ser esclarecido.

A propósito, seria oportuno esclarecer as causas e consequências dos casos de tortura que continuam a ocorrer hoje em todo o Brasil, em plena democracia, a fim de coibi-los e punir seus autores exemplarmente, o mesmo valendo para os desaparecimentos de presos comuns, suspeitos ou simples cidadãos (onde está o Amarildo?).

A exemplo daquela época, nenhum desses métodos hoje é institucionalizado, ainda assim se repetem com assustadora frequência.

Reflexão oportuna: A prevenção a toda ditadura, não importa o viés, pressupõe, por parte da sociedade, a rejeição a qualquer partido ou movimento que defenda ideologias sectárias, ainda que camufladas em institutos democráticos.

O amadurecimento da democracia vai gradualmente permitir que essa distinção se faça cada vez de forma mais fácil. Ao menos, é o que se espera.

Em tempo:
    Uma suspeita trazida à tona no Livro de Otavio Cabral, a de que Zé Dirceu (vulgo Daniel, Hoffmann e Carlos Henrique) tenha sido agente duplo, algo que “yo no lo creo” (nem o próprio autor), é um ingrediente a mais na “curiosa” biografia do ex-ministro, hoje consultor e capitalista de sucesso.

Por Nilson Mello


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Artigo

O estado da razão e os gastos do Estado


 O Estado constitui o império da razão, um imperium rationis, como preconizavam Hegel e, antes dele, Hobbes, o idealizador do ente supremo (Leviatã) que resultaria do pacto social e poria fim aos conflitos entre os indivíduos. 

 Nos seus passos, foi firmando-se a certeza de que o Estado é necessário para impedir que o “homem seja o lobo do homem” ou, já no século XX, nas palavras de Carl Schmitt, em nota de comentário em seu O conceito do político, para transformar a guerra civil latente na pacífica coexistência entre os cidadãos de um mesmo país. 

 Um pessimismo não totalmente declarado tanto em Hobbes quanto em Hegel em relação ao homem e a sua (reduzida) capacidade de interagir pacificamente com o seu igual, e menos disfarçado no próprio Schmitt, é o que explica em todos eles concepções de poder com traços de totalitarismo. Um totalitarismo em prol do bem comum e do progresso da humanidade, mas ainda assim (e talvez por isso mesmo) totalitarismo. 

 Hegel, vale aqui a ressalva, ainda ensaiou uma mediação sistemática entre revolução e tradição, mas sua dialética ponderada foi definitivamente transformada em “arma” (na melhor acepção do termo) histórico-filosófica por Marx e Engels, e de forma mais explícita, na sequência, por Lenin.

 Todos eles, sem exceção, queriam a libertação do povo, mas estavam certos de que o objetivo não seria alcançado sem um “comando” maior a guiar os seus destinos. Não deu certo.

 Antes deles, Maquiavel já havia chegado ao mesmo desapontamento com a humanidade, razão pelo qual redigiu uma obra de caráter prático para ensinar o governante a lidar com os súditos obtendo desses as melhores contribuições ao projeto de Estado. Aplicada à realidade atual, a premissa para que as ideias de Maquiavel funcionassem seria a boa intenção do governante ou da classe política. Difícil?

 Justiça seja feita, Maquiavel não foi maquiavélico ao escrever O Príncipe. Se o tivesse sido, teria publicado um livro edificante, um anti-Maquiavel, conforme ressaltou Manuel Fraga Iribane, ao anunciar a publicação de seu El nuevo Maquiavel
 
 Aliás, a bibliografia terceiro-mundista na área da Ciência Política está repleta de obras do tipo anti-Maquiavel, caracterizada pela falsidade intelectual – ou seja, a repetição veemente daquilo em que, no íntimo, não se acredita.
 
 Pois bem, no autor de “O conceito de político”, o viés autoritário se expressa de forma clara na medida em que o desencanto com a recém-fundada democracia liberal da República de Weimar – com seu parlamento heterogêneo e claudicante - vai se aprofundando, o que culminaria na defesa expressa de uma Constituição com previsão para a regra de exceção a ser decidida por um “Guardião” da Lei Suprema que, a despeito da legitimidade formal, nada mais seria do que um ditador. 
 
 A falta de tradição republicana da Alemanha explica apenas em parte o fracasso da Constituição de Weimar e a ascensão de Hitler. A outra parte da explicação pode ser encontrada em Maquiavel, Hobbes, Hegel e no próprio Schmitt e o seu desânimo com o ser humano, sem que para tanto precisemos preconizar o totalitarismo, nos atendo apenas ao diagnóstico que fizeram. 

 Neste início de século XXI, quando nos deparamos com sucessivos e agudos retrocessos econômicos, ao mesmo tempo em que assistimos a grandes manifestações de rua contra os governantes, podemos estar certos de que a crise, na realidade, é do Estado, e não dos fundamentos da Economia. O pacto preconizado por Hobbes, para pacificar os homens, criou um gigante que está nos devorando. 

 A sociedade é a razão de ser do Estado, não o inverso. A notícia publicada nesta sexta-feira de que o investimento federal teve mais uma queda (de 5%) no primeiro semestre deste ano, enquanto as despesas de custeio (jatinhos da FAB para cima e para baixo, entre outros descalabros) no período aumentaram 16,3%, dá a dimensão da inversão de prioridades que tomou conta do país e que, nesses últimos dois meses, têm levado milhões às ruas para protestar. Precisamos refundar o Estado. Refundar na razão.

 Se tivermos aprendido as lições que a História nos oferece, poderemos fazer as mudanças da maneira certa, sem rupturas radicais ou totalitarismos. 


Por Nilson Mello

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Artigo

A reforma entra em cena

Congresso Nacional: A reconstrução do Sistema.


 Resposta do Planalto e dos próprios parlamentares aos protestos que tomaram conta das ruas nos últimos dois meses, a reforma política deverá começar a ser votada no Congresso em outubro, para valer somente nas eleições de 2016. 

  Deixando de lado a “cortina de fumaça” que pode ter motivado o lançamento da proposta - em sequência ao momento mais crítico das manifestações, com o governo acuado - e reconhecendo que, àquela altura, algo deveria ser anunciado e feito como forma de restabelecer a crença nas instituições, há razões de sobra para nos preocuparmos com uma reforma política.

  Já foi dito que o sistema político-eleitoral de qualquer democracia está sujeito a reparos. O nosso, embora não fuja à regra, não é pior do que os demais. Possivelmente, na letra da Lei (Constituição de 1988), é melhor do que a maioria.

 Então, a primeira questão é saber se os problemas de representatividade que enfrentamos hoje advêm de imperfeições intrínsecas ao sistema ou têm natureza diversa. 

 Sim porque há razões de sobra para acreditarmos que a distância que separa os legítimos anseios da população – melhores serviços públicos - e a prática política que “norteia” (?) as ações do Estado tem tudo a ver com um sistema de ensino deficiente. 

 Lembre-se que serão os congressistas em relação aos quais a sociedade tem sérias e justificadas reservas os encarregados da reforma. Para contornar esse problema de legitimidade, nem seria o caso de se convocar uma Constituinte, específica ou não, haja vista que não houve quebra de ordem institucional que a justificasse. 

 Por outro lado, constituintes eleitos poderiam carrear igualmente os mesmos vícios de origem que hoje identificamos no Parlamento e na classe política em geral, o que comprometeria o resultado final. 

 Não custa lembrar mais uma vez que a melhoria da qualidade do eleitor, via educação, é o pressuposto mais seguro para uma classe política de qualidade. O Estado eficiente seria a consequência. 

 Feita a breve reflexão de ressalva, já que se colocou a reforma como agenda prioritária, vale repassar sumariamente alguns pontos importantes.

 Em primeiro lugar, pouco se tem falado no fim do voto obrigatório. Uma reforma para valer deve fazer do voto exclusivamente um direito, sem qualquer caráter obrigatório fomentador da demagogia e da manipulação eleitoral. 

 O voto distrital misto, que aproxima o eleitor do eleito mantendo, porém, a força da organização partidária, o que é indispensável à democracia representativa, seria outra mudança bem-vinda, pois eliminaria o voto proporcional, pelo qual se vota em determinado candidato e acaba-se elegendo um desconhecido. 

 A ideia do governo, contudo, no sentido contrário, é instituir o sistema de listas fechadas, pelo qual é o partido, de forma autocrática, que decide quem será eleito. (sobre a questão ler artigo de Demétrio Magnoli, no link abaixo deste texto). 

 Outro ponto crítico é o financiamento público de campanha. O Planalto e a maior dos parlamentares hoje se mostram favoráveis à ideia. Mas faz sentido o erário, já sobrecarregado de despesas, custear propaganda de político? A melhor alternativa, no caso, visando a igualar a disputa, seria estabelecer limites ao financiamento privado das campanhas.

 Nessa abordagem sumária, o fim dos suplentes não escolhidos pelo voto pode entrar na lista de mais uma discrepância que mereceria ser extirpada. Mas a lista é extensa e por isso o presidente da Câmara, Henrique Alves, já anunciou que a reforma será feita de forma fatiada, item a item. 

 É em suas mãos, e nas do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do vice-presidente da República, Michel Temer, que está a reforma política. É possível estar otimista com seus resultados? Pesquisa neste Blog.

Por Nilson Mello

Em tempo:

 Poucos dias depois de editar uma Medida Provisória (a 621) estabelecendo dois anos adicionais para a diplomação de médicos, o governo federal percebeu que estava fazendo uma bobagem e voltou atrás. Contribuiu para o recuo alertas feitos por entidades que representam a categoria e ligadas à área de ensino de Saúde. O resultado da medida poderia ser justamente o oposto, a redução da oferta de profissionais formados, entre outros efeitos colaterais. O episódio dá bem a medida do atual ativismo estatal, pautado pelo improviso e pelo método de tentativa e erro. Projeto de Lei, com consulta a quem deveria ser consultado, e posterior debate durante o trâmite no Congresso, nem pensar. 

 Artigo Demétrio Magnoli - Da arte de iludir: