sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Artigo

Eleições 2012: pragmatismo e ambiguidade

    O candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo foi acusado por seu oponente, em debate desta semana na TV, de ter obsessão por José Dirceu, principal réu do processo do mensalão. José Serra, no contragolpe, disse que é Fernando Haddad o obcecado - no caso, pelo prefeito Gilberto Kassab, fundador do PSD que apóia o tucano.
    Há, segundo os postulantes à prefeitura paulistana, outros fantasmas escondidos nos armários. O petista Haddad lembrou que, em sua campanha, Serra escamoteia Kassab, assim como já o fizera com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Eis aí uma mostra do embate de “ideias” nas eleições na maior cidade do país. E segue a polêmica.
No caso atual, afirma Haddad, Serra estaria escondendo Kassab por vergonha do que seria um mau desempenho na expansão do sistema de metrô em sua gestão; no passado, camuflou o ex-presidente por conta da privatização de estatais (por sinal, ineficientes). O PT de Haddad é, em regra, contra privatizações. Vai que a pequena parcela do eleitorado ainda indecisa (algo inferior a 10%) também o seja...
Se Haddad esconde José Dirceu, como afirma Serra, tem, por outro lado, apoio de cabos-eleitorais de peso. Assim, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula estarão, sem constrangimento, ao contrário do “fantasma” Dirceu, presentes ao comício petista deste sábado na capital paulista.
Paixões políticas e obsessivas são o ingrediente de uma campanha municipal com inferência e repercussão no jogo de poder federal. A eventual – e, neste momento, muito provável -derrota de José Serra pode representar o fim de suas maiores ambições políticas, além de uma dura derrota para o combalido PSDB. Lembre-se que Serra enfrenta 40% de rejeição. Sofre resistência até no partido que pretende liderar.
A derrota de Serra será também um duro golpe para o prefeito Gilberto Kassab, que pagará o preço da ambiguidade. Esteve por apoiar um candidato do PT, não importando quem fosse o indicado, pois a legenda que criou, embora de oposição, é também de situação, como já declararam seus dirigentes. Por fim, decidiu-se pelo tucano. Seguirá, contudo, apoiando o governo Dilma, “no que couber”.
Os dirigentes do PSD ressaltam: não são nem de esquerda, nem de direita; nem contra, nem a favor do governo federal. Pretendem moldar o perfil da legenda progressivamente, ao gosto do “eleitor”. Nada mais pragmático, ou híbrido. Nem o PSDB almejou um muro tão largo para se equilibrar. Acabou sem plataforma, palanque e bandeira, relegado a um limbo oposicionista.
Mas a ambigüidade híbrida, com licença da redundância, não está restrita ao PSD. Surge a estrela ascendente do novo PSB do governador Eduardo Campos. O PSB é aliado do PT no campo federal desde a primeira hora, mas impôs duras derrotas no primeiro turno a candidatos petistas, sobretudo no Recife e em Minas Gerais, onde, aliás, tem os tucanos como aliados.
A derrota do PT para o PSB, mesmo em Minas, não é uma vitória do PSDB, apesar da ilusão de alguns tucanos. O quadro fortalece o senador e ex-governador Aécio Neves, mas não robustece o PSDB, do qual ele já quase se desligou e ainda poderá fazê-lo, conforme as injunções políticas nos próximos dois anos.
Quanto ao Rio, fala-se que a reeleição do não menos híbrido Eduardo Paes, apoiado por uma coligação de quase 20 partidos, seria uma vitória do governador Sergio Cabral. Na verdade, a vitória deve-se mesmo a Paes, que costurou uma coligação consistente, manteve-se à margem das controvérsias envolvendo seus aliados e convenceu o eleitor carioca de sua operosidade. Cabral, na verdade, foi apenas o seu maior beneficiário, juntamente com o governo federal e o PMDB do vice-presidente de Michel Temer, sempre capilarizado.
Por tudo isso, a ambigüidade e o hibridismo podem ser a marca das eleições de 2012. Algo que, paradoxalmente, mas não por acaso, favorece um projeto de poder hegemônico, já em curso.

Por Nilson Mello

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Artigo

                                          Estádio Nacional do Chile, 1973

           A eleição e o sofá na sala


    A Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro anuncia tolerância zero à “boca de urna” e promete usar cinco ginásios, entre eles o Maracananzinho, para abrigar detidos que tenham feito propaganda irregular no domingo de votação. Em nome do eleitor, que não pode ser coagido no cumprimento de seu direito - transmutado em dever pelo paradoxo da obrigatoriedade do voto - o Tribunal Regional Eleitoral adota uma prática que nos remete a episódios emblemáticos, não necessariamente democráticos.
    Convenhamos que é preciso disposição singular e estrito rigor para encher cinco ginásios da cidade, entre eles o maior de todos, com capacidade para 20 mil pessoas, com cabos-eleitorais ou simples eleitores que venham a cometer o que seria, na definição da própria Justiça Eleitoral, “um crime de menor potencial ofensivo”. Até porque a linha entre o permitido e o proibido é tênue. Eis que bandeira de partido e button pode; camiseta com a cara do candidato, não.
    Mas tudo bem, Lei é Lei, e deve ser cumprida, não importa se boa ou ruim. Apenas a título de comparação, vale lembrar que, sem o amparo legal, obviamente, Pinochet encheu o Estádio Nacional de Santiago com opositores (ou supostos opositores, ou, ainda, opositores em potencial) no golpe de 1973. E a ditadura chilena não foi a precursora da medida, nem a última a adotá-la. Nazistas, fascistas, stalinistas e, mais recentemente, sérvios e bósnios, uns contra os outros, e eles contra terceiras etnias, fizeram “coisas” parecidas.
Vejamos então o que o TRE do Rio de Janeiro consegue com o respaldo da Legislação e de normas eleitorais infralegais que, apesar de estapafúrdias, devemos observar como válidas, uma vez que não tiveram sua constitucionalidade ou legalidade questionadas. É o caso – e aqui apenas para citar um exemplo - da proibição de entrada com celulares na cabine de votação.
A medida - justifica o presidente do TRE, Luiz Zveiter – é profilática e visa a resguardar o eleitor do comando indevido de terceiros, sobretudo nas comunidades mais pobres, onde grupos de milicianos e de traficantes poderiam ditar o voto, via celular, a eleitores “hipossuficientes”. A “elite” no Brasil quer sempre proteger o pobre, ao invés de lhe garantir boa educação. Bem, foi certamente pensando na profilaxia que aquele marido ciumento da velha piada vendeu o sofá da sala. 
Onde será que o presidente do TER fluminense encontra inspiração para medidas tão estritas? O fato é que ele não está sozinho. A “venda de sofás” tem sido uma tendência do Poder Público no Brasil. Não faz muito tempo a Prefeitura do Rio proibiu o uso de facões por vendedores de coco na orla. A ideia era prevenir homicídios com arma branca. O desperdício em larga escala da polpa do fruto foi considerado um preço razoável a se pagar.
De volta às eleições de domingo, cabe o alerta. Quem, distraído ou inadvertido, entrar com seu celular na cabine e, depois, for flagrado por fiscais, será preso e recolhido ao Maracananzinho – ou, muito pior, à Vila Olímpica Oscar Schmidt, na implausível e abrasiva Santa Cruz, extremo-oeste da Zona Oeste da cidade. Com a prisão e o indiciamento, correrá o risco de deixar de ser réu primário. Com tamanha ameaça, o mais sensato seria nem sair para votar.
Muito bem, após ser bombardeados meses a fio com as repetitivas - e invariavelmente inconsistentes, dadas as circunstâncias - mensagens-relâmpagos dos postulantes na mídia eletrônica, o eleitor é, da noite para o dia, colocado numa redoma. Nada pode perturbar a sua decisão autônoma. Que erre sozinho, em silêncio. O aparato coercitivo foi cuidadosamente urdido para não falhar.
O dia em que a democracia do voto obrigatório demonstrar o mesmo zelo e preocupação com o aparato educacional, nem serão necessárias tantas medidas preventivas. Pois o eleitor e, por consequência, o eleito, serão de melhor qualidade.  Isso demandará ainda muito tempo, mas chegaremos lá.

Por Nilson Mello

Em tempo: O artigo de 28 de setembro (“O insondável eleitor brasileiro”), aí abaixo, examina o crescimento do candidato que lidera a corrida à prefeitura de São Paulo, lembrando que ele não pertence a uma grande legenda, não conta com uma coligação expressiva e nem dispôs, ao contrário dos três principais rivais, de significativo tempo de propaganda na TV e rádio.
A explicação para o seu crescimento seria o apoio religioso, sobretudo de evangélicos da Igreja Universal. Ocorre que o candidato do PT, na terceira colocação, de acordo com as pesquisas, também conta com expressivo apoio evangélico. Basta lembrar que recente pesquisa apontou que uma em cada cinco pessoas que votam no PT na capital paulista é evangélica. Celso Russomano, com partido pequeno e pouco tempo de TV e rádio, é mesmo um caso de estudo.