sexta-feira, 25 de maio de 2012

Artigo
O legal e o imoral

    O direito rege o comportamento exterior, enquanto a moral enfatiza a intenção. A Justiça (a Lei) estabelece uma correlação entre os direitos e as obrigações; a moral prescreve deveres que não geram qualquer vantagem. A moral está além das sanções e determinações dos poderes constituídos.

    Os ensinamentos acima são de Chaïm Perelman, jurista e filósofo polonês radicado na Bélgica cuja preocupação central era ajustar o Direito (aqui com letra maiúscula) aos princípios morais – e não o inverso como se procura fazer, com sucesso, no Brasil.

Com a CPI do Cachoeira e o golpe urdido pela Câmara dos Deputados contra a reprovação das “contas-sujas” dominando o  noticiário político, desnecessário dizer por que a releitura de Perelman tornou-se oportuna esta semana. Estamos agindo dentro da Lei no Brasil, quando muito, mas aquém da moral.

A Câmara agiu sorrateiramente dentro da lei ao aprovar em votação relâmpago e fora da pauta projeto que permite aos candidatos eleitos obterem os seus registros ainda que suas contas de campanhas anteriores tenham sido reprovadas pela Justiça Eleitoral.

No início do ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dentro de sua competência normativa, havia aprovado resolução impedindo o registro e a diplomação de políticos que tenham deixado de fazer prestação de contas em campanhas anteriores, ou cujas contas tivessem sido rejeitadas.

Os deputados entenderam que o TSE exorbitou o que estabelece a Lei Eleitoral, e que a nova regra (eis aí a verdadeira motivação) inviabilizaria a candidatura de milhares de políticos.

De forma literal e específica o que a Legislação estabelece é que a inobservância de prazo para encaminhamento das prestações de contas (trigésimo dia posterior à realização das eleições) impede a diplomação dos eleitos no pleito seguinte. Mas a Legislação também estabelece que o TSE tem competência para expedir instruções tendo em vista o “fiel cumprimento” das regras eleitorais.

O Tribunal enfatizou a intenção moral, preconizada por Perelman, ao instituir a regra que impede a diplomação dos “contas sujas”. Ora, se um candidato que não faz sua prestação de contas no prazo previsto não pode tomar posse, conforme o comando expresso da Lei Eleitoral, como aceitar que aqueles que tiveram as contas reprovadas assumam seus mandatos? A regra específica pressupõe que os que deixam de prestar contas tem algo a esconder.

Mas a Câmara dos Deputados não está preocupada com a intenção moral. Usou o formalismo a seu favor e, consequentemente, contra o interesse do eleitor que deveria representar. Nenhuma surpresa. O Legislativo brasileiro agarra-se a uma concepção estadística e formalista do Direito, sempre que essa lhe é mais favorável. Caberá agora ao Senado rejeitar o projeto, mas, por razões óbvias, as perspectivas não são muito promissoras.

Na CPI tampouco houve quebra alguma de comando legal expresso. O depoente exerceu o direito constitucional de ficar calado. Os parlamentares, por seu lado, exerceram o direito de perguntar e, mais do que isso, como de praxe, aproveitaram a mídia espontânea que o “depoimento” lhes proporcionou. Todos de acordo com a Lei, incluindo o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Carlinhos Cachoeira.

    Não há lei que condene um ex-ministro da Justiça por representar um acusado de crimes contra o erário. Ressalte-se: não estamos falando de crimes passionais ou condutas reprováveis na esfera privada. Estamos falando do articulador de um esquema montado para explorar vantagens financeiras em detrimento dos interesses do Estado – da sociedade, mais especificamente.

No caso, os indícios de lesão ao patrimônio público são claros. Fato agravante: pelo esquema, uma empreiteira tornou-se uma das recordistas em contratos com o governo federal.

    Portanto, na sessão da CPI do Cachoeira, o que chamou a atenção não foi o que a mídia enfatizou. Não foi o silêncio ostensivo do acusado, mas a desenvoltura do ex-ministro.

“Nem sempre as regras morais são coincidentes com as regras jurídicas”, resigna-se Cahïm Perelman em “Ética e Direito” (Martins Fontes, 1999, pag. 305). A conduta de nossos políticos é a prova de que nossas instituições até podem estar funcionando dentro da Lei, porém, a distâncias galácticas dos princípios morais.

Por Nilson Mello

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Artigo



Princípios e coligações em marcha


   
O Estado entendido como um ordenamento político de determinada comunidade (país) - aproveitando aqui uma definição de Norberto Bobbio - é inerente à sociedade não primitiva e, utopicamente falando, só poderá deixar de existir quando cessarem as condições que determinaram a sua criação, as causas que o produziram. 

 O predomínio das paixões sobre a razão, ou seja, a incapacidade de os homens procurarem convivência harmônica independentemente de coação superior, está na origem dessas causas e condições. O Estado é o mal necessário que impede a guerra de todos contra todos. 

Na visão liberal, deve ser mínimo, na medida do necessário, para não avançar sobre as potencialidades individuais. Na concepção marxista, deve ser autoritário no primeiro momento para forçar a ascensão ao poder da “classe universal”, o que implicaria o fim da própria sociedade de classes - e, consequentemente, a morte natural do Estado.

O Estado liberal não tem sido capaz de eliminar injustiças. Mas, por outro lado, as premissas de que pela força (ditadura do proletariado) é possível se chegar a uma sociedade sem classes e de que nela o homem passe a viver sob o império da razão, livre dos conflitos, tampouco resistem às contundentes “réplicas da história”, para novamente usar uma expressão do gosto de Bobbio, embora originada em Hegel. 

Se a igualdade não é inata, nem as virtudes homogêneas, ou equitativamente distribuídas entre os seres humanos, as paixões não desaparecem. 

Muito bem, qual a relação que essas digressões têm com as eleições deste ano? A relação está no fato de que, vez por outra, precisamos nos dar conta do motivo pelo qual votamos e confirmamos, periodicamente, a necessidade de escolher pessoas para nos governar. 

Porém, reconhecida a necessidade do Estado e a sua legitimação por meio do voto (ainda que facultativo), formalizando o “contrato social” entre governados e governantes, outra dificuldade se impõe. Se os eleitos (governantes) instituem e aplicam as leis, pois essas são postas por quem detém o Poder, que normas-princípios estão eles obrigados a seguir? 

A questão pode ser colocada de forma mais direta: que fundamentos devem reger a atuação daqueles que governam e servir de guia para as normas que estabelecem? O direito natural, a moral atrelada à religião, as tradições, ou a remissão a um sábio legislador original foram algumas das respostas dadas pelos pensadores desde a antiguidade, sem, contudo, esgotar o tema. 

O questionamento ganha relevo em sociedades heterogêneas, como a brasileira, em que tradições e princípios estão sendo substituídos, em velocidade digital, por meros valores de consumo. O desafio é ainda maior se considerarmos que essa sociedade recebe um volume espantoso de informações – sempre ou quase sempre atreladas aos tais valores de consumo – sem, contudo, ter sido adequadamente formada para processá-las, decifrá-las e interpretá-las.

Quando falamos em crise do Estado, estamos na maioria das vezes diante de uma crise da sociedade. Uma massa muito “informada”, mas mal formada constitui um eleitorado incapaz de firmar ou renovar um “contrato social” em bases saudáveis. E é neste momento que o Estado deixa de ser meio para se tornar fim, desvirtuando o próprio contrato.

Com esse pano de fundo imperceptível para a grande maioria, os partidos brasileiros, informam os jornais desta sexta-feira 18, começam a se articular com vistas às possíveis alianças nas eleições deste ano. Sabemos, desde já, que PSDB e DEM avançam numa coligação em redutos estratégicos, como São Paulo, Salvador e Belo Horizonte. Enquanto isso, o PMDB esboça voz independente para, como de praxe, abocanhar mais vantagens nas coligações que vier a concretizar.

Apesar da pompa e dos discursos pseudo-moralistas que o anunciam, esse processo está longe de enfrentar as questões primordiais. A contaminação do eleito pela má qualidade do voto, decorrente da quebra de valores da sociedade, tende a perdurar. Nessas circunstâncias, como será possível revigorar as relações entre governados e governantes instituindo um “novo” tipo de Estado? Pois só uma sociedade forte poderá produzir uma nova concepção institucional, diferente do Estado de injustiça, estritamente capitalista, e do Estado de não-liberdade, do socialismo. 



Por Nilson Mello 



sexta-feira, 11 de maio de 2012

Artigo

Estatismo e grupos econômicos
 

     O nacionalismo estatizante argentino, “returbinado” pelo governo de Cristina Kirchner, está menos distante da realidade econômica brasileira do que podemos imaginar. De certo, o grau de intervencionismo praticado no país vizinho é maior, mas aqui também o dirigismo é estimulado por uma mentalidade populista que custa a perder espaço na América Latina.

     O dirigismo estatal latino-americano até faz alusões a teses socialistas, mas como a prática mostrou que a economia planificada do modelo socialista é ineficaz, no final o que se produz é um tipo de capitalismo mitigado e muito mais nocivo.

     Como lembra o filósofo e economista Eduardo Giannetti, o modelo não é de esquerda, nem de direita, até porque foi adotado nos anos de governo militar no Brasil sem, é claro, o viés populista. O que o caracteriza é a ideia de um “Estado forte”, orientador da atividade econômica.

     O que este modelo tem de mais nocivo é o fato de ignorar o mérito e não gerar condições equânimes para os agentes econômicos. Sob o manto de um pseudo-planejamento estratégico, elege parceiros no setor privado, ao invés de promover a ampla concorrência de mercado, em bases regulatórias claras, o que estimularia a competição e, por conseqüência, a eficiência econômica.

     Um capitalismo de Estado híbrido – as empresas podem não ser estatais, mas agem em conluio com o Poder Público, para sobreviver – é o que se pratica na Argentina, onde prevalece o artificialismo econômico. E é o que nossos governantes estão sempre pensando em fazer no Brasil, embora não o declarem abertamente.

 

     Por Nilson Mello

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Artigo


O voto nulo e o voto consciente


     Em tempo de desilusão com a classe política e de desânimo com a corrupção, ganham força nas redes sociais as campanhas pelo voto nulo. Brincadeira ou não, elas traduzem um sentimento de desconfiança da população. Então, nada mais oportuno do que tentar fazer algumas considerações a respeito.
Em primeiro lugar - e numa observação preliminar - seria razoável alertar aos que propagam ou aderem às campanhas do voto nulo, sob a justificativa de que estão decepcionados com os políticos, para que também se questionem sobre as posturas que adotam no seu dia a dia.
A classe política é puro reflexo da sociedade - nem melhor nem pior. O que significa que só teremos no Congresso – bem como nas Assembléias, nas Câmaras municipais e nos palácios de governos - um melhor padrão moral quando, em conjunto, promovermos uma mudança geral de mentalidade.
Passando ao aspecto prático, a campanha das redes sociais não teria qualquer resultado. De fato, o Código Eleitoral (art. 224) prevê que as eleições não terão validade se os votos nulos atingirem mais da metade da votação. Nesse caso, uma nova eleição deve ser convocada no prazo de 20 a 40 dias.
Mas nada garante que novos nomes se apresentariam, pois, como a Legislação é omissa quanto a esse ponto, presume-se que os mesmos candidatos reprovados pela majoritária votação no nulo tornariam a se apresentar aos eleitores no segundo escrutínio.
A Lei não define que o voto nulo é uma reprovação expressa e, como tal, fator impeditivo de nova tentativa. O que significa que nenhum Tribunal inovaria a ponto de afastar os postulantes originais.
O problema de ordem prática não termina aí. Vejamos: ainda que a Justiça Eleitoral, dentro de sua competência normativa, baixasse regra impedindo os candidatos reprovados na “eleição do nulo” a candidatar-se no segundo escrutínio, o que por si só já seria uma decisão controversa, nenhuma certeza haveria de que essa nova leva de postulantes seria de “melhor qualidade” que a anterior. Afinal, o crivo moral se opera na própria sociedade.
O nulo não é, contudo, tese distante dos tribunais. Contou, por exemplo, com o apoio indireto do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral. Em certa ocasião, o ministro afirmou que não teria dúvidas, como presidente do TSE, em convocar novas eleições presidenciais em caso de as nulidades atingirem mais da metade dos votos – o que não deixa de ser um estímulo aos eleitores que flertam com a ideia.
Para esses que apostam na tese, vale lembrar então que os votos dados a determinado candidato inelegível não se confundem com os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica dos eleitores, e nem a eles podem se somar para efeito de anulação do pleito, conforme jurisprudência consolidada.
Agora, o que parece ser mais producente e efetivo do que estimular o nulo, é trabalhar para identificar candidatos de conduta irrepreensível ou estimular o voto consciente, nos melhores postulantes. Ou, ainda, fazer campanha pelo fim do voto obrigatório, que potencializa a manipulação de uma massa de eleitores incapaz do exercício crítico indispensável a uma escolha responsável. Indo mais além, fazer campanha pela melhoria do ensino e da educação, o que certamente contribuiria para melhorar a qualidade do eleitor e, por extensão, dos candidatos.

Por Nilson Mello