quinta-feira, 29 de março de 2012

Artigo


O caminho imperfeito é o mais seguro

Em ano eleitoral, sobretudo em períodos de crise entre os Poderes, e, mais que isso, diante das recorrentes notícias dando conta da imoralidade fisiológica que perpassa as relações entre Executivo e Congresso, é razoável nos perguntarmos se o regime democrático é mesmo capaz de garantir estabilidade institucional. Quando as relações deletérias perpetuam grandes desafios nacionais que há muito já deveriam ter sido solucionados, em especial para uma nação que tem a sexta maior economia do planeta - problemas tais como desigualdade, miséria, corrupção, violência, atraso educacional - a indagação é prova de lucidez.
Todavia, é conveniente lembrar que o questionamento não é feito apenas por nós, brasileiros. E a desilusão política remonta a tempos remotos da história ocidental. Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, séculos atrás, descrentes das possibilidades de um estado republicano, democrático, estruturam teorias políticas em que o povo colocava na mão de um líder o poder legítimo para governar de forma absoluta. Afinal, o “homem é o lobo do homem”.
No século XX, o totalitarismo preconizado por Carl Schmitt também encontrou em Hobbes e Maquiavel os seus fundamentos. Um dos maiores juristas alemães de todos os tempos, Carl Schmitt era cético em relação às democracias liberais e desenvolveu suas teses com a crença de que um “condutor” forte encarna a vontade popular muito mais genuinamente do que um Corpo Legislativo, que tende a ser fluido, heterogêneo e movido por interesses nem sempre declináveis. 
O próprio caráter heterogêneo de um parlamento o limitaria na ação necessária que visasse ao bem-estar do povo. Esse, por si só, não tem como ser soberano, e como o parlamento é incapaz de lhe ser intermediário na tarefa, dados os seus interesses difusos, eis a necessidade de um elemento a quem caberá uma ação decisiva. A ação decisiva de um governo efetivo, portanto, pressupõe, segundo Schmitt, a existência, na Constituição, de um elemento ditatorial. A verdadeira soberania, por extensão, seria a prerrogativa de decidir o Estado de exceção, de emergência, com legitimação constitucional.
Carl Schmitt formula suas teses no momento em que a Alemanha permanece mergulhada em greve crise-político institucional, na esteira de uma derrota humilhante na Primeira Guerra Mundial. Eis que a República de Weimar, democrática e liberal, não consegue dar resposta aos anseios da sociedade e aos grandes desafios que a nação alemã enfrentava. Em meio a um cenário conturbado, de forte tensão política e conflitos sociais, a ideia de um líder capaz de “pacificar” pela autoridade e liderar pela força ganha ressonância. A verdadeira soberania seria a prerrogativa de decidir o Estado de Exceção. A exceção é o momento adequado para sair do Estado de Direito.
Identificada a incompatibilidade entre o liberalismo democrático – presente na Constituição de Weimar – e Democracia, em prol do bem-estar do povo, Carl Schmitt passa a sustentar a emergência do Estado totalitário. No interesse público, a Constituição deve ter um “Guardião” (um condottieri, para usarmos um termo de Maquiavel).
As ideias de Carl Schmitt são teses complexas e sofisticadas do ponto de vista político e jurídico. Mas também ideias prontas e acabadas para serem adotadas por um líder carismático, em momento de crise e grave conturbação. Esse líder emergia na figura de Adolf Hitler, que soube se valer das formulações do grande jurista.
A alcunha de “Jurista do Nazismo” ou “Jurista de Hitler”, que perseguiu Carl Schmitt durante o restante de sua vida, e que lhe valeu dois anos de prisão (ainda que sem condenação em Nuremberg) após a derrota alemã na Segunda Guerra não fizeram justiça ao gênio jurídico que foi.
Não obstante ter sido indiretamente um artífice da concepção política do III Reich, não foi um nazista no sentido estrito. Em sua obra não aparecem conceitos tais como raça e supremacia racial. Na verdade, a ideologia nazista se valeu de suas ideias para a estruturação político-institucional de um Estado forte, assim como outras ideologias e projetos de poder, naquela época ou mesmo em nosso tempo, poderiam tê-lo feito ou ainda podem fazê-lo. Podemos lhe atribuir plenamente a responsabilidade pela legitimação de um regime ditatorial, pela legitimação de um “Guardião” institucional, mas não pela elucubração ideológica nazifascista.
E então, onde chegamos? Chegamos à conclusão de que as democracias são mesmo muito imperfeitas e injustas, porque o “homem é, de fato, o lobo do homem”, e sua tendência é declinar para “a selvageria social”, como temia Hobbes, caso não tenha uma mão forte a guiá-lo. Ocorre, contudo, que não há nenhuma certeza quanto à correta escolha de nosso “Guardião”. E, uma vez que não queremos ter um arremedo de Hitler a nos governar, algo como a Venezuela tem hoje em Chávez, guardadas as devidas proporções, que continuemos a zelar e trabalhar em prol de nossa maltratada democracia. Ainda que imperfeita, é o caminho mais seguro que nos resta.

Por Nilson Mello

terça-feira, 27 de março de 2012

COMENTÁRIO DO DIA

     Posições Ponderadas – A presidente Dilma Rousseff exibiu moderação e lucidez ao comentar os problemas enfrentados pela economia brasileira na entrevista publicada neste fim de semana pela revista Veja. Combateu o protecionismo e os altos impostos.

Não é, portanto, totalmente delirante a hipótese “benevolente”, aventada na postagem de domingo deste Blog, de que a reunião com os 28 empresários na semana passada poderia ser o marco de que o governo reconhece que precisa fazer a sua parte, poupando e investindo mais. Do contrário não teremos aumento de eficiência.

Dilma Rousseff reconheceu expressamente que a competitividade e os investimentos privados devem ter como pressuposto a redução da carga tributária e a melhoria dos gastos do governo.

A tranquilidade da presidente, respondendo de forma ponderada a questões delicadas, contrasta com as informações que dão conta de seu temperamento exaltado. Os jornalistas que a entrevistaram – todos experientes profissionais – não teriam razão para filtrar uma eventual contrariedade ou exasperação. Ao contrário.

Supõem-se então que o clima foi mesmo cordato e sereno, apesar de uma temática não tão confortável.

Exaltação é sempre sintoma de irreflexão. A imagem que ficou, porém, foi a de uma pessoa de bom senso, capaz de reflexões menos imediatistas, simplificadoras ou contaminadas pela ideologia. Soube-se, de quebra, que a presidente tem apreço pelos livros. Um avanço e tanto.

Voltamos, portanto, à agenda imprescindível ao país: a da (nova leva) de reformas estruturantes, nos moldes das que foram iniciadas no governo de FHC e depois abandonadas nos mandatos de Lula, que as deplorou. É isso, presidente Dilma?



Tarefa árdua – Tratando do mesmo tema da postagem deste domingo do Blog, Paulo Guedes (para quem não leu está no link abaixo), em artigo nesta segunda-feira (26/04) em O Globo, recorre a Karl Marx para alertar à “esquerda” no poder que excessos de tributos e de gastos públicos é uma insensatez:

Enormes somas passando pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”. Ironicamente, Marx com diagnóstico liberal!

Ladroagem de todo gênero é o que temos hoje no Brasil. A principal razão desses “desvios” é a existência de uma máquina pública opulenta, onde o critério “meritocracia”, tão caro à presidente Dilma Rousseff, ainda está longe de prevalecer.

Por Nilson Mello



domingo, 25 de março de 2012

Artigo




Foto de Wilson Dias/Ag. Brasil

Quebra de paradgimas
 A reunião da presidente Dilma Rousseff com 28 dos maiores empresários brasileiros na semana passada pode ser analisada sob três enfoques. No primeiro, como uma manobra de marketing político de objetivo indecifrável e, portanto, de resultados imponderáveis. No segundo enfoque, como um ato aleatório de um governo desinformado a cerca dos reais problemas que comprometem a produtividade e a competitividade. Noticiou-se que a presidente pediu aos presentes que investissem mais. Seria isso possível?

Por fim, numa análise mais benevolente, o encontro pode ser entendido como um genuíno reconhecimento do governo de que falta ao país uma estratégia propícia ao empreendedor. A hipótese é promissora porque pressupõe o reconhecimento de que a indústria nacional investe pouco, e é pouco competitiva, não apenas no mercado global, mas na conquista de consumidores no próprio Brasil, porque opera num ambiente extremamente adverso à sua atividade.
A primeira hipótese carregaria boa dose de hipocrisia. A segunda daria a esse governo um indiscutível atestado de incompetência. Sim, porque, além de não ter um projeto estratégico para o desenvolvimento do país, seria, ainda, incapaz de fazer o diagnóstico correto. E uma receita eficaz, evidentemente, requer diagnóstico preciso.

Suponhamos, então, que o governo Dilma Rousseff não é hipócrita, nem desinformado ou incompetente. Analisando números, e deixando de lado raciocínios contaminados pela ideologia, chegou, finalmente, ao cerne dos problemas que comprometem a eficiência do setor produtivo nacional, em especial a decadente indústria.

O governo, pela hipótese, percebeu, enfim, que a falta de competitividade não se deve à má vontade do empresariado. O governo reconheceu que faltam reformas estruturais amplas e de profundidade, e resolveu agir. O convite aos empresários para o encontro da semana passada seria o marco da descoberta - eis aí o olhar benevolente para analisar o episódio.

Providências mitigadas não dão resultados. De 2007 até o início deste ano, o governo concedeu incentivos fiscais e desonerações da ordem de R$ 97 bilhões a segmentos do setor produtivo, o equivalente ao dobro dos recursos destinados ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) este ano, informam os jornais deste domingo (25/03). Mesmo assim, o “estímulo” não surtiu efeito.

No mesmo período, e com mais ênfase nos últimos dois anos, a indústria brasileira só tem perdido espaço e participação no Produto Interno Bruto. Há seis meses seguidos o setor desacelera, ao mesmo tempo em que, num aparente paradoxo, o consumo interno aumenta. O brasileiro tem consumido muito mais, mas nosso parque industrial não é capaz de antender à demanda, o que pressiona a inflação ou as importações. Quer dizer, a indústria perde mercado não somente num promissor mercado global, mas no próprio país.

Convenhamos, o consumidor tem todo o direito de comprar produtos importados, se melhores e mais baratos. Proibi-lo de fazê-lo, como, aliás, tem sido feito por meio de mecanismos indiretos, equivale a uma dissimulação dos problemas e, na prática, a um incentivo velado à ineficiência interna. Por que proteger a ineficiência?

 Pois sabe-se agora que "benesses" pontuais não resolvem obstáculos estruturais. Não resolvem a questão da infraestrutura sucateada, do excesso de burocracia, do alto custo da mão de obra, que é desqualificada. Certamente, alguns setores até se beneficiaram e continuam se beneficiando das desonerações em cadeia promovidas pelo governo, sob a batuta do ministro Guida Mantega, mas, para a economia de forma geral não houve ganhos.

Como são isoladas e pontuais, as medidas de "compensação" tomadas até aqui não geraram competitividade. E tendem a promover outras distorções que vão no sentido contrário ao objetivo pretendido. Distorções quase sempre levam a novas medidas intervencionistas, que por sua vez trazem novas “mascarações”, ineficientes. Dirigismo estatal não leva à eficiência.

Para surtir efeito, uma redução tributária teria que ser linear e, consequentemente, equânime, colocando todo o setor produtivo em novos patamares de operação. 
Ressalta-se que a despeito dos bilhões em desoneração concedidos pontualmente a determinados setores (que exatamente por conta disso tendem a se manter menos eficientes que seus concorrentes no restante do mundo, em prejuízo da economia nacional), a carga tributária teve aumento significativo desde que Dilma Roussef tomou posse – numa quebra, lembre-se, de compromisso assumido na posse.

Mas fiquemos com a hipótese benevolente. No momento em que a presidente Dilma Rousseff substitui lideranças no Legislativo, anunciando um novo paradigma nas relações políticas, insinuando que o “toma-lá-dá-cá", se não acabou, ao menos deve ter limites, que a reunião com os pesos-pesados do empresariado signifique também o início de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento.

Uma estratégia que implique gastos de melhor qualidade por parte do governo. O que permitiria aumento da poupança e dos investimentos públicos, com redução de juros (não há poupança privada sem poupança pública). E, por decorrência, aumento dos investimentos privados, com ganhos em eficiência. No final das contas, o surgimento de um modelo de crescimento pautado no aumento da produção interna, e não apenas no aumento vertiginoso do consumo.
            Podemos acreditar nessa hipótese?

Por Nilson Mello




quarta-feira, 21 de março de 2012

COMENTÁRIO DO DIA

A política de equívocos – O 6ª país mais rico do mundo (pelo critério tamanho do PIB) insiste numa política econômica híbrida, errática no combate à inflação e ao mesmo tempo equivocada na opção de crescimento. A economia brasileira tem crescido na esteira do aumento do consumo interno, não do investimento.
E cresce também na carona da demanda internacional por commodities agrícolas e minerais. Demanda gerada por países industrializados e emergentes, mais precisamente pela China, ainda que com declínio em função da crise financeira global.

Crescemos, por conta do consumo interno e da demanda chinesa por matéria-prima, sem modernizar nossa indústria, sem ampliarmos nosso parque teconlógico e sem qualificar nossa mão de obra. Um crescimento que não agrega valor e não funda as bases para um desenvolvimento sustentável, com estabilidade de preços.

No crescimento brasileiro do século XXI não há ganhos em eficiência, nem em produtividade, apenas estímulo ao consumo. A indústria nacional está perdendo participação no PIB por falta de competitividade. Sobreviveu enquanto o dólar valorizado mascarava a sua ineficiência. Uma ineficiência que, na verdade, não lhe é intrínseca, mas fruto do alto custo produtivo da economia na qual está inserida.

Esse alto custo, como sabemos, é representado, entre outros, por tributação elevada, excesso de burocracia, legislação trabalhista honerosa, infraestrutura absolutamente precária. E por corrupção, muita corrupção que, em grande medida, decorre desses fatores dificultantes da atividade empresarial.

São custos que comprometem a competitividade. E, claro, contribuem para pressionar os preços, gerando inflação. Sua eliminação dependeria de uma mudança de política e de mentalidade. O governo precisaria reduzir despesas correntes e abrir espaço para o aumento dos investimentos. Mas estamos “avançando” em sentido oposto.

As despesas correntes do governo federal aumentaram 4% no ano passado, já descontada a inflação. As transferências a estados e municípios avançaram 15%. Os gastos totais aumentaram 5%. Mas o investimento público federal, tão necessário, caiu 5% (sobre gastos agregados, ver artigo de Fabia Giambiagi, em link abaixo).

Detalhe: não há notícia de que esse aumento de despesa tenha tornado a vida do contribuinte mais digna na fila do hospital, na rede pública de ensino ou no transporte diário para o trabalho.

Gastando muito, o governo não tem como reduzir os juros abaixo dos patamares atuais (já significativamente reduzidos no recente ciclo de baixa promovido pelo Banco Central), sob o risco de não conseguir se financiar no mercado. Os juros são, portanto, altos porque, no final das contas, o sistema financeiro conta com um devedor/parceiro voraz: o Estado perdulário.

Os juros já não poderiam ser menores porque - num modelo de cescimento centrado no consumo e não na eficiência da produção - a política monetária mais restritiva é um bastião contra a alta da inflação, já na casa dos 6% ao ano.(Sobre a taxa básica de juros, ver artigo de Carlos Alberto Sardenberg, também em link abaixo).

Os bancos são, sim, os maiores beneficiários do modelo, mas de forma alguma podem ser apontados como os culpados. Se o Estado paga mais para tomar mais, por que destinariam dinheiro à sociedade, a taxas menores?

É assim que a 6ª maior economia do mundo exibe um impasse paradoxal: inflação alta (das mais altas entre os emergentes) com taxa de juros persistentemente elevada (das mais altas do mundo). É o modelo da alta do consumo, da inflação e dos juros.

Um processo indireto de desindustrialização, por falta de competitividade, completa o quadro negativo. O Brasil é hoje um grande fornecedor de matéria-prima. Exportamos soja, minério, café e frango, enquanto assistimos à morte de nossa indústria. De volta aos temos de Brasil Colônia.

Por Nilson Mello

Link para os dois artigos citados:









    

COMENTÁRIO DO DIA

A política de equívocos – O 6ª país mais rico do mundo (pelo critério tamanho do PIB) insiste numa política econômica híbrida, errática no combate à inflação e ao mesmo tempo equivocada na opção de crescimento. A economia brasileira tem crescido na esteira do aumento do consumo interno, não do investimento.

E cresce também na carona da demanda internacional por commodities agrícolas e minerais. Demanda gerada por países industrializados e emergentes, mais precisamente pela China, ainda que com declínio provacado em função da crise financeira global.

Crescemos, por conta do consumo interno e da demanda chinesa por matéria-prima, sem modernizar nossa indústria, sem ampliarmos nosso parque teconlógico e sem qualificar nossa mão de obra. Um crescimento que não agrega valor e não funda bases para um desenvolvimento sustentável, com estabilidade de preços.

No crescimento brasileiro do século XXI não há ganhos em eficiência, nem em produtividade, apenas estímulo ao consumo. A indústria nacional está perdendo participação no PIB por falta de competitividade. Sobreviveu enquanto o dólar valorizado mascarava a sua ineficiência. Uma ineficiência que, na verdade, está atrelada a uma economia de alto custo produtivo.

Esse alto custo, como sabemos, é representado, entre outros, por tributação elevada, excesso de burocracia, legislação trabalhista honerosa, infraestrutura absolutamente precária. E por corrupção, muita corrupção que, em grande medida, decorre desses fatores dificultantes da atividade empresarial.

São custos que comprometem a competitividade. E, claro, contribuem para pressionar os preços, gerando inflação. Sua eliminação dependeria de uma mudança na política econômica. O governo precisaria reduzir despesas correntes e abrir espaço para o aumento dos investimentos. Mas estamos “crescendo” em sentido oposto. Mais do que uma mudança política isso implicaria uma mudança de mentalidade.

As despesas correntes do governo federal aumentaram 4% no ano passado, já descontada a inflação. As transferências a estados e municípios avançaram 15%. Os gastos totais aumentaram 5%. Mas o investimento público federal, tão necessário, caiu 5% (sobre gastos agregados, ver artigo de Fabia Giambiagi, em link abaixo).

Detalhe: não há notícia de que esse aumento de despesa tenha tornado a vida do contribuinte mais digna na fila do hospital, na rede pública de ensino ou no temerário transporte diário para o trabalho.

Gastando muito, o governo não tem como reduzir os juros abaixo dos patamares atuais (já significativamente reduzidos no recente ciclo de baixa promovido pelo Banco Central), sob o risco de não conseguir se financiar no mercado. Os juros são, portanto, altos porque, no final das contas, o sistema financeiro conta com um devedor/parceiro voraz: o Estado perdulário.

Os juros já não poderiam ser menores porque - num modelo de cescimento centrado no consumo e não na eficiência da produção - a política monetária mais restritiva é o último bastião contra a alta da inflação, que aponta para a casa dos 6% ao ano.(Sobre a taxa básica de juros, ver artigo de Carlos Alberto Sardenberg, também em link abaixo).

Em suma, os bancos são, sim, os maiores beneficiários do modelo, mas de forma alguma podem ser apontados como os culpados. Se o Estado paga mais para tomar mais, por que destinariam dinheiro à sociedade a taxas menores?

É assim que a 6ª maior economia do mundo exibe um aparente paradoxo: inflação alta (das mais altas entre os emergentes) com taxa de juros muito elevada (das mais altas do mundo). É o modelo de crescimento do consumo, dos juros e da inflação alta. Um processo indireto de desindustrialização, por falta de competitividade, completa o quadro negativo.

O Brasil é hoje um grande fornecedor de matéria-prima. Exportamos soja, minério, café e frango, enquanto assistimos à morte de nossa indústria. De volta aos temos de Brasil Colônia.

Por Nilson Mello



Link para os dois artigos citados:









    

sexta-feira, 16 de março de 2012

Artigo

Processo em marcha
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está usando o seu peso político para viabilizar o pré-candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, o ex-ministro Fernando Haddad. Atraiu para a “causa” integrantes de diferentes escalões do governo federal, que já estão em campanha.
Num movimento paralelo, o ex-governador José Serra tem conclamado o governador paulista, Geraldo Alckmin, a apoiá-lo de forma explícita antes mesmo da convenção da legenda, no dia 25 deste mês.
Até que ponto pode ir e de que forma pode-se dar o apoio de autoridades e integrantes de governos, nas mais diferentes esferas, a candidatos e pré-candidatos são questões que a legislação por si só não resolve completamente. Está claro que a máquina administrativa gera uma disputa desigual, se colocada a serviço de um determinado postulante.
Neste aspecto, é razoável supor que o pré-candidato que exerceu recente mandato ou cargo público leve vantagem em relação aos concorrentes, razão pela qual a legislação estabelece prazos para desincompatibilização, que, não cumpridos, são causa de inelegibilidade. No caso de um ministro postulante a prefeito, por exemplo, esse prazo é de quatro meses.
Mas é claro que a vantagem se dá em tese, apenas. Há exemplos de pré-candidatos que exerceram cargos relevantes no Executivo federal, inclusive de ministro, sem, no entanto, conquistar, de saída, índices expressivos de intenção de votos. O cargo em alto escalão pode dar projeção, mas o mau desempenho em seu exercício tira votos. Sobretudo junto a um eleitorado mais qualificado, com distanciamento crítico.
De qualquer forma, ainda que não haja critérios matemáticos para aferir com exatidão o favorecimento indireto – pois o direto é evidente e, portanto, proibido por Lei - de uma administração pública “simpática” a uma determinada candidatura há de se presumir que ele ocorre e não é desprezível (o artigo do dia 10 deste Blog apresenta algumas das condutas vedadas à administração pública numa campanha).
Quando integrantes do governo discutem uma determinada candidatura, colocando-a em evidência, há de certo uma “queima de largada”. A vantagem em prol dessa candidatura é indiscutível, embora o procedimento não seja proibido. Eis que o governador paulista pode reunir-se à vontade com a bancada do DEM no Palácio Bandeirantes, a fim de obter apoio à (pré) candidatura de José Serra – ainda que Serra não seja o único pré-candidato de seu partido.
Por sinal, as escolhas definitivas dos candidatos ocorrerão entre os dias 10 e 30 de junho. Até lá os partidos farão suas convenções; e os pré-candidatos estarão livres para fazer as suas propagandas intrapartidárias. Nesse processo, a participação dos pré-candidatos como também de filiados em entrevistas na imprensa e em programas de rádio e TV é permitida. A lei permite inclusive que os pré-candidatos exponham a sua plataforma e expliquem seus projetos políticos. Só não podem pedir votos. Pedir votos só a partir do início oficial da propaganda eleitoral, em 5 de julho.
Cabem aos veículos de comunicação – jornais, revistas, rádio, TV e sites na Internet – zelar para que os pré-candidatos tenham “tratamento isonômico”. E aí surge uma grande dificuldade, pois o interesse jornalístico será sempre maior em relação àqueles pré-candidatos com maior intenção de voto.
A dificuldade aumenta se considerarmos que os pré-candidatos que exerceram cargos no Executivo ou mandatos eletivos, como ministro e senador, despertam, por óbvio, maior interesse por parte da opinião pública. Um ex-deputado que renunciou ao mandato para poder se candidatar a prefeito está autorizado a falar de seus atos parlamentares. Se tais atos tiveram repercussão, tornando-se assunto recorrente na imprensa, isso lhe dará uma vantagem considerável.
Pois bem, o que assistiremos, portanto, até fins de junho é uma intensa disputa intrapartidos e entre prováveis coligações até a definição de todos os candidatos. O que nos permite prever conflitos dos mais intensos dentro das mesmas legendas, caso em que a decisão do órgão de direção nacional (Diretório) prevalecerá sobre a convenção partidária local. No pano de fundo, padrinhos estarão forçando a mão em prol de seus pupilos. Ou nem tanto, dependendo das circunstâncias. A conferir.

Por Nilson Mello



sexta-feira, 9 de março de 2012

COMENTÁRIO DO DIA

Para esclarecer - Este blog errou em duas postagens ao não ser claro sobre a hipótese de perda de cargo quando as contas do candidato eleito e já diplomado vierem a ser rejeitadas pela justiça federal.

Na verdade, o art. 15 da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/90) prevê a perda do mandato de forma expressa. O dispositivo passou a ter redação pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010).

Desta forma, transitada em julgado a decisão de órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, seu diploma, se já expedido, será considerado nulo. A decisão do órgão colegiado é imediatamente comunicada ao Ministério Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral que expediu o diploma.

Há candidatos conhecidos, como a senadora Marta Suplicy (PT), o deputado federal Paulo Maluf (PP) e o vereador carioca Paulo Pinheiro (PT, agora PSOL), que tiveram as contas rejeitadas na última campanha de 2010, mas permanecem de posse de seus mandatos. Isso se deve ao fato de ainda caber recurso das decisões que desaprovaram suas contas.






quinta-feira, 8 de março de 2012

COMENTÁRIO DO DIA

Refazendo as contas – Dois pontos mencionados no Comentário do último dia 02 neste blog, sobre a resolução do TSE que barra o registro de candidatos que não tenham tido as contas da última campanha aprovadas, chamaram a atenção de leitores. 

O primeiro aspecto a suscitar dúvidas é se um candidato cujas contas não tenham sido aprovadas em 2008, ou em campanhas anteriores, mas que esteja em dia com as obrigações da última campanha pode obter o registro. 

O segundo ponto, esse mais polêmico, diz respeito à observação taxativa de que aquele que se eleger em 2012, ainda que suas contas venham a ser consideradas irregulares depois de sua posse, só poderá ser excluído do processo na eleição seguinte. Não perderá o mandato, permanecendo no cargo até o próximo crivo eleitoral. Comecemos então por este aspecto.

Os partidos prestam contas da campanha no ano seguinte ao das eleições. Quando isso ocorre, os candidatos eleitos já estão empossados. Se suas contas tiverem sido rejeitados, há poucas chances de que novos questionamentos no âmbito da Justiça eleitoral possam vir a afastá-los dos cargos. 

A cassação de seus mandatos, por inobservância de condição de elegibilidade posteriormente constatada, é mais complexo e difícil.
Vale repetir as observações dos juristas Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira, em “Reformas Eleitorais Comentadas” (Ed. Saraiva, 2010, pag. 55): “...A prestação de contas só é realizada no ano seguinte ao das eleições, quando os candidatos eleitos já tomaram posse, e quando não cabe mais nenhuma ação capaz de discutir a maneira pela qual os recursos foram obtidos...” 

Sabe-se que políticos conhecidos (consulta nos sites dos Tribunais eleitorais regionais) tiveram suas contas relativas à campanha de 2010 reprovadas. Pela resolução do TSE, é mais do que certo que não poderiam obter registro para concorrer em 2012, caso quisessem. Contudo, ninguém até o momento está cogitando cassar seus mandatos. Quando não houver mais recurso contra a rejeição das contas, eles serão processados e perderão o mandato?

Quando à primeira dúvida, se contas rejeitadas em 2008 são igualmente causa de inelegibilidade em 2012, o TSE informou que até junho se pronunciará definitavemente sobre a questão. Na última postagem, do dia 02, afirmamos que, se o embasamento da norma restritiva é a aprovação das contas, por extensão, deve abarcar as campanhas anteriores. A condição que serve de crivo moral não se altera com o passar dos anos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

COMENTÁRIO DO DIA

Inflação e crescimento menor – O fraco resultado do PIB em 2011, com crescimento de 2,7%, conforme divulgado nesta terça-feira (06/03) pelo IBGE, contrastando com as otimistas previsões do ministro Guido Mantega, é ruim porque comprova a precariedade da atual política econômica, e não exatamente pelo número em si, considerando o contexto. 

Note-se que a economia mundial ainda está em crise, e os países desenvolvidos também exibiram baixo crescimento. Ocorre, contudo, que por trás desses números brasileiros há um modelo econômico equivocado, que compromete a eficiência e o desenvolvimento. 

A redução da taxa de juros que vem sendo operada pelo Banco Central atenua efeitos da crise global, prevenindo uma recessão interna, mas por si só não sustenta crescimento. Nenhuma economia pode deslanchar com juros altos. Por outro lado, nenhum país pode ter uma economia saudável com inflação. Juro alto, no caso, é remédio. Lembre-se que a inflação no Brasil permanece no teto da meta (6,5%). Temos muito consumo, mas limitada expansão da capacidade de produção.

Faltam investimentos para o desenvolvimento sustentável. A China investe cerca de 40% de seu PIB; o Brasil, algo em torno de 17%. Seria necessário investir ao menos 25% para ter crescimento de PIB anual nos patamares pretendidos pelo ministro Mantega (de 5%), sem risco inflacionário. Mas o setor público gasta muito – e mal – os recursos obtidos com a forte tributação (na casa dos 37% do PIB). E esses gastos excessivos não abrem espaço para os necessários investimentos.

Eis aí um “be-a-bá” que merece ser martelado!

Sem investimentos, não há como melhorar a infraestrutura. Não há como eliminar gargalos e custos da cadeia produtiva. Gargalos que também pressionam a inflação e que impedem as empresas brasileiras de serem competitivas no mercado exterior, sobretudo num momento em que a moeda brasileira tende a permanecer valorizada. 

Taxa de juros elevada atrai para o país recursos financeiros, contribuindo para essa valorização. Mas como impor redução mais significativa dos juros em meio a um ambiente de pressão de demanda, com inflação no teto da meta? Repito: política monetária restritiva é remédio. A saída seria o governo gastar menos. 

Gastando menos, poderia investir mais e, gradualmente, promover uma redução da tributação capaz de levar o setor privado a também ampliar os seus investimentos.

Mas gastar menos é algo que nossos governos não conseguem fazer. Por isso somos a sexta maior economia do mundo, porém, longe do pleno desenvolvimento.

Sobre o tema, sugiro ler o editorial “O PIB da ineficiência”, no Estado de S. Paulo desta quarta-feira. Link abaixo:

sexta-feira, 2 de março de 2012

Artigo

Contas, recursos e brigas de campanha

      O político cuja conta da campanha anterior não tenha sido aprovada pela Justiça Eleitoral está impedido de registrar sua candidatura a partir do pleito deste ano, de acordo com resolução aprovada nesta quinta-feira (01/03) pelo Tribunal Superior Eleitoral. A regra não é especifica, mas, por extensão, contas rejeitadas em campanhas anteriores a 2010 também passam a ser causa impeditiva de registro. Por óbvio, o candidato que sequer apresentou sua contabilidade fica igualmente excluído do páreo.

     A nova regra está em linha com a tendência do Legislativo e do próprio Judiciário, via Supremo e TSE, de impor um crivo moral ao processo eleitoral. Resolve, contudo, apenas parte do problema, pois a prestação de contas dos partidos políticos só se realiza no ano seguinte ao das eleições, quando os eleitos já foram empossados, e quando não cabem mais ações capazes de discutir a forma como os recursos foram obtidos. 

     Em outras palavras, quem se eleger em 2012, ainda que com contas irregulares, só poderá ser excluído do processo na eleição seguinte. Até lá permanecerá no cargo. A não ser que haja trânsito em julgado da decisão que rejeitou suas contas, confirmando a irregularidade, hipótese em que seu diploma seria anulado. A eficácia da resolução do TSE, portanto, dependerá da agilidade da própria Justiça.

     Em meio ao esforço pela moralidade, sabe-se que uma disputada relacionada a contas e recursos caminhará em paralelo à campanha eleitoral deste ano. Trata-se do embate que PSD e DEM já começaram a travar no TSE pelas verbas do Fundo Partidário. As duas legendas são, teoricamente, aliadas no campo federal - e em cidades estratégicas como São Paulo - mas brigam pelo direito ao Fundo. 

    Como já comentado neste blog, dos 47 deputados federais do PSD, que hoje é a terceira maior bancada da Câmara, 46 elegeram-se graças ao coeficiente eleitoral, não por conta própria. O argumento de que o eleito leva os direitos relacionados à sua votação, incluindo as verbas partidárias, será certamente usado por Gilberto Kassab e seus correligionários do PSD, mas está enfraquecido pelas próprias circunstâncias. Estima-se que PSD e DEM disputem um quinhão de aproximadamente R$ 13 milhões.

     O critério estabelecido desde 2007 para a distribuição do fundo é o seguinte: apenas 5% do total são entregues, em partes iguais, a todos os partidos registrados no TSE, enquanto a quase totalidade dos recursos (95%) é distribuída na proporção dos votos obtidos por cada partido na última eleição para a Câmara. A Lei fala em partido, não em candidatos. 

     Sobre os recursos de campanha, válido esclarecer que, em ano eleitoral os partidos têm total autonomia para distribuir os recursos obtidos por meio do Fundo, não estando sujeitos ao regime de licitações que condicionam as compras na esfera pública. 

    O Fundo é formado por multas e penalidades aplicadas pela Justiça Federal, por recursos financeiros que lhe forem destinados por Lei, em caráter permanente ou eventual, por doações de pessoas físicas ou jurídicas, mediante depósitos bancários, e ainda por dotações orçamentárias da União, de acordo com as regas previstas na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9096/95).

    Sobre as doações, há uma extensa lista de vedações.  Não poderão integrar o Fundo Partidário, entre outros, os valores provenientes de governos ou entidades estrangeiras, de órgãos da administração pública, direta ou indireta, de concessionária ou permissionária do serviço público, de entidade de direito privado que receba contribuição por força de lei, de sindicatos e entidades de classe, de pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior, de ONGs que recebam recursos públicos ou organizações civis de interesse público. 

  A propósito, o leitor que estiver pretendendo apoiar financeiramente um candidato este ano, terá que se contentar em doar “apenas” 10% da receita bruta que obteve no ano passado. Nada além. A doação a candidato ou partido é feita mediante recibo em formulário impresso ou eletrônico previsto na Legislação Eleitoral. 

  A documentação exigida pela Lei 9.504/97 é detalhada visando justamente o maior rigor na análise de contas. E a profilática exclusão dos postulantes que não tiveram desenvolvido suas campanhas de acordo com os princípios da transparência e moralidade – princípios, aliás, valorizados pela decisão desta quinta-feira do TSE.