segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

COMENTÁRIO DO DIA

O artigo da última postagem (sexta-feira 09/12) atribui a crise europeia à irresponsabilidade fiscal de alguns países. O link abaixo traz um artigo pertinente, do economista Raul Velloso, sobre a distinção entre o déficit fiscal europeu e o que Brasil alimentava até 1998, quando os governos estaduais foram obrigados a para de usar “seus” bancos para gerar dívida.
A propósito da austeridade fiscal é preciso lembrar que a Alemanha, num momento extremo, também promoveu "impulsos fiscais" e recebeu ajuda externa no pós-Guerra, sobretudo via Plano MacArthur. Mas os recursos foram disciplinarmente aplicados na reconstrução do país e na reorganização de sua economia dentro de parâmetros de mercado.

Link para artigo de Raul Velloso sobre déficit fiscal: http://www.linuxfacil.net/consulcorp/2011/12/12/sem-tempo-para-chorar/

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Artigo

A ideologia e o impasse europeu

   Governos sem moedas próprias são governos desarmados, afirma o cientista político Valter Duarte Ferreira Filho, em texto de conferência proferida recentemente na UFRJ (*). Por essa razão, prossegue, o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia propõem-se a “invadir” a Grécia, e também Portugal, Espanha e Irlanda, “com seus empréstimos em dólares e euros, cobrando medidas de austeridade e abertura para outros invasores externos: os comandantes do capitalismo internacional”.
    A discussão é mais do que pertinente tendo em vista o impasse desta quinta-feira (08/12), em Bruxelas, na reunião de cúpula dos países europeus, organizada para salvar não apenas o euro, mas a consolidação da unidade europeia.
    Para Ferreira Filho, enquanto os países ora em dificuldades continuarem a acreditar no sistema de mercado e no que ele chama de “representação despolitizada do dinheiro” - crença que, segundo ele, explicaria “tamanha imprudência política ao abrir mão da soberania monetária” – permanecerão sujeitos à “manipulação daqueles que podem e melhor sabem fazer uso do dinheiro, praticando o maquiavelismo monetário”.
    Ressalta o autor em seu texto, recorrendo a Alexander Del Mar: “O direito de cunhar moedas sempre foi e ainda permanece a mais inquestionável marca e manifestação da soberania”. Bingo. Passemos, então, aos esclarecimentos.
    Os que sabem fazer melhor uso do dinheiro são economistas, gestores, dirigentes de instituições multilaterais e líderes políticos, entre outros, que reconhecem a importância das regras de mercado, da qual a eficiência é um princípio inerente, no processo de desenvolvimento, ao invés de submeter às leis da ciência econômica (em especial, a da oferta e da procura) aos objetivos políticos, nem sempre límpidos e louváveis.
Valter Duarte Ferreira Filho deixou de considerar em sua análise, que tem 23 páginas e na qual citou ou fez alusão a 24 autores – um mix que vai de Stuart Mill a Marx; de Hobbes e Locke a Weber; de Keynes e Hayek – que uma economia é um sistema demasiadamente complexo para ser planejado por uma instituição central e deve evoluir espontaneamente, por meio do livre mercado.
E quem disse isso foi justamente Friedrich Hayek, Nobel de Economia que escreveu, entre outros, “A Desestatização do Dinheiro”, obra (curiosamente citada por Ferreira Filho) na qual revela sua preocupação com o uso político – ou seria “politiqueiro”? – da moeda e propõe que as emissões sejam feitas por organismos independentes dos governos.
Mas Ferreira Filho desconsiderou aspectos ainda mais importantes. O principal deles é que os países da União Europeia buscam ser, de fato, uma união plena, embora paulatina, e não apenas um conjunto de “soberanias” associadas, como ainda ocorre hoje. Isso está nas entrelinhas. Uma “soberania universal”, aliás, parece ser o caminho inexorável da própria humanidade, em futuro mais distante.
Outra omissão do autor: se os europeus pretendem manter-se unidos por meio de uma moeda forte, cujas vantagens são óbvias, precisam compartilhar, também, os seus pressupostos. Uma conduta fiscal responsável – redução de gastos e gestão eficiente dos recursos públicos – é o principal deles. Foi o que, entre outros fatores, tornou a Alemanha a maior economia da Europa e uma das quatro maiores do mundo, após sair devastada – econômica e moralmente – da Segunda Guerra.
Os países em crise, em especial Grécia, Espanha, Irlanda, Portugal, e agora também Itália, têm o direito soberano de não seguir o modelo. Mas, nesse caso, não terão mais como compartilhar um euro forte. A crise deixou claro que a união monetária depende de uma união fiscal, do reconhecimento a parâmetros fiscais mais claros e rígidos. A alternativa é a desestruturação da Zona do Euro e, consequentemente, o gradual enfraquecimento da União Europeia. É legitimo que Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda possam querer esse desfecho. Mas é mesmo esse desfecho que querem? Claro que não. Não estão na UE e no euro por imposição, mas porque é vantajoso.
A origem da crise, ao contrário do que o texto de Ferreira Filho pode nos induz a pensar, está justamente no descompromisso fiscal desses países cujas economias agora precisam ser resgatadas, sob o risco de a Europa mergulhar numa crise mais aguda e prolongada, com reflexos negativos em todo o mundo. Ocorre que, para colocar dinheiro na mão desses governos, que muitas vezes demonstraram desprezo pelas regras de mercado, gastando mais do que podiam, é preciso lhes impor certas condições. Ou o mundo deve assinar um cheque em branco à irresponsabilidade?
Eis uma das questões que Ferreira Filho não procurou responder. Talvez porque não tenha entendido que o mercado não é uma ficção ideológica, fruto de um gênio maniqueísta ou maquiavélico, como prefere. O mercado é apenas uma expressão genuína das relações econômicas, inerentes ao homem. Seu surgimento data do início da história da humanidade. E continuará a existir mesmo que a ideologia tente decretar o seu fim.
A crise europeia tem uma lição a nos dar. Mas é preciso franqueza intelectual para aprendê-la.

Por Nilson Mello

* Artigo “Dinheiro: a política e a guerra por outros meios ou Maquiavelismo Monetário”, publicado no Volume 4, Número 2 Outubro 2011/Março 2012 dos Cadernos da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, Volume 4, Número 2 Outubro 2011/Março 2012 - Fenomenologia e Direito.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Artigo

A compulsão intervencionista

            Não há estímulo melhor à qualidade do que a concorrência. E quem mais lucra com ela é o consumidor final de produtos e serviços. A Lei de Reserva na Informática (Lei 7.232/84), que perdurou de 1984 a 1991, sob a justificativa de proteção a uma (supostamente) florescente indústria nacional do setor, impôs ao país um atraso tecnológico que até hoje representa um handcap ao seu desenvolvimento.
Os “usuários”, tanto empresas quanto pessoas físicas, tiveram que arcar com os custos adicionais gerados pela baixa eficiência dos produtos – hardwares e softwares – feitos naquele período.
     Um grande jornal brasileiro dá claros sinais de decadência e de significativa perda de qualidade no que diz respeito ao seu conteúdo. Sintomaticamente, o maior concorrente desse veículo fechou as portas há pouco tempo. Agora, é provável que boa parte de seus leitores esteja procurando informações em outras fontes, na busca de mais qualidade.
Os automóveis brasileiros já foram acertadamente chamados de “carroças” por um ex-presidente que, em meio a um governo desastroso sob vários aspectos, teve o mérito de promover a abertura da economia – o que permitiu ao consumidor brasileiro acesso a produtos, incluindo carros, de melhor qualidade. A propósito, já foi dito aqui que até os piores governos deixam seu legado.
     Mas a concorrência externa não é benéfica apenas porque força a busca da melhoria dos produtos nacionais, ou porque dá ao país acesso a tecnologias de ponta, por meio do intercâmbio comercial, o que é pressuposto para o seu desenvolvimento. A concorrência é também importante porque contribui para o controle da inflação.
Na verdade, a própria abertura comercial - e não especificamente a concorrência que dela decorre - ajuda no combate à inflação na medida em que aumenta a oferta de produtos, atendendo à demanda e diminuindo a pressão sobre os preços.
Tudo considerado, como avaliar a recente proposta, em uníssono (ver link abaixo), dos economistas e professores Luiz Carlos Bresser Pereira, Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa para que o governo promova a desvalorização do real e estabeleça salvaguardas protecionistas para a indústria brasileira conquistar competitividade, sobretudo face aos chineses?
Recordemos. Conceição Tavares defendeu o Plano Cruzado de Sarney (por sinal, elaborado por três de seus ex-discípulos) e, mais tarde, o Plano Collor (parte da má herança daquele governo). Chegou a chorar ao defendê-los, em ocasiões distintas, em rede nacional de TV. O Plano Cruzado interveio nas relações econômicas, desconsiderando as leis de mercado. Congelou taxa de câmbio, salários e preços de bens e serviços. Obviamente, em pouco tempo fracassou na tentativa de debelar a inflação. Afinal, por que alguém vai produzir mais se os preços estão congelados? Qual o estímulo? E se a produção cai, e a demanda se mantém, o resultado é o aumento dos preços.
Bresser Pereira, professor emérito da FGV, produziu o Plano que leva o seu nome, em substituição ao Cruzado, repetindo a receita dos congelamentos, igualmente ao arrepio das leis de mercado. O resultado foi idêntico fracasso. Lessa, ex-presidente do BNDES na gestão de Lula, não teve o seu próprio plano, pois ingressou no governo após a inflação já ter sido debelada pelo plano de seus adversários políticos (Real), que teve êxito justamente por respeitar os mecanismos de oferta e demanda, deixando de lado a ideia fixa de congelamento.
O intervencionismo, na verdade, é uma compulsão. Numa metáfora com o futebol, o economista ou burocrata que defende congelamentos e salvaguardas é como aquele jogador que insiste num drible desnecessário, em passar o pé por cima da bola que já chegava limpa para o companheiro, na cara do gol.
O Brasil pode se tornar mais competitivo se reduzir os tributos. Se reformar a legislação trabalhista, que encarece o emprego. E também se o governo gerenciar de forma adequada os recursos que arrecada por meio da tributação, investindo em estradas, portos e aeroportos, verdadeiros gargalos que elevam os custos da cadeia produtiva. Para completar, pode se esforçar para reduzir a burocracia, fonte permanente de custos e de corrupção.
O curioso é que, ao invés de nos preocuparmos com o óbvio, volta e meia retomamos essas ideias mirabolantes, de congelamento, salvaguardas, reservas de mercado, barreiras etc... Como se o passado não tivesse nos ensinado nada.

COMENTÁRIO DO DIA

Crítica construtiva

    O maior desafio de quem escreve é controlar a opinião compulsiva sobre tudo e todos. Volta e meia perco a batalha. Na semana passada, em mais uma dessas “derrotas” para a pretensão, critiquei (!) o Nobel de Economia Joseph Stiglitz. O efeito positivo é que o atrevimento abriu espaços para comentários críticos pertinentes, como o do economista e professor da UFRJ Luis Otávio Façanha, reproduzido abaixo:

(...) A alusão ao nosso Nobel [Joseph Stiglitz, artigo da postagem da sexta-feira passada do Blog] soou um pouco injusta. Mas, a culpa é dele, que deveria estar protegendo com mais zelo as glórias acadêmicas conquistadas, das quais ele é merecedor, sem dúvida. Como o Akerlof, como o Erik Maskin, como o Myerson e, por que não citar?, o “Mente Brilhante”, que inspirou a todos. Mas os mercados funcionaram! Numa ponta, a farra hipotecária e, de outro, a farra com os derivativos. E os títulos da dívida americana foram comprados, assim como foram comprados os das dívidas grega, italiana, espanhola, com ou sem irresponsabilidade fiscal (devemos falar da guerra do Iraque?, ou do regime fiscal americano, que desonera os mais ricos?) dos respectivos governos. E ganharam muito, muito dinheiro, pelo menos enquanto aqueles países vinham crescendo a taxas retumbantes. Há pelo menos quinze anos, Stiglitz e outros, os economistas que consolidaram a teoria da informação (menos pomposamente, a teoria da desinformação) no âmbito do pensamento econômico, vêm nos alertando para a possibilidade da seleção adversa num caso, e do risco moral de outro, estourarem o sistema (estou me referindo mais ao caso americano). Ortodoxos e heterodoxos sorriam desdenhosamente para o que vinha sendo escrito e difundido. E a proposta não era de regulamentação estrito senso, mas de monitoramento, tarefa (indispensável ao sistema de preços) que deixava de ser exercida de forma eficaz por conta da colusão entre os CEOs (com contratos majestosos) e os auditores (...) - Luis Otávio Façanha.