quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Artigo

Atrás da toga, da farda, do mandato...



    O Poder Judiciário não está imune às mazelas que atingem o Executivo, o Judiciário e a Administração Pública de forma geral. Seria bom que estivesse, mas não está. Os Três Poderes são frutos do mesmo tecido social, integrados por indivíduos egressos do mesmo substrato cultural, forjados na mesma mentalidade.
A declaração da ministra do STJ e corregedora Nacional da Justiça, Eliana Calmon, de que “há bandidos escondidos atrás da toga”, não deveria surpreender tanto. E é mesmo possível que a polêmica tivesse sido menor não fosse a forte reação de alguns de seus pares, em especial o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. Mas melhor assim.
A polêmica enseja a oportunidade para dissecarmos o organismo político-administrativo, para vasculharmos o seu intestino em busca da causa da doença. A dissecação (ou confronto com a realidade) pode ser didática e salutar, ainda que dolorida ou desagradável.
“Os bandidos”, para usar a terminologia de Eliana Calmon, aboletaram-se nos legislativos municipais e estaduais, e também no Congresso. Tomaram assento nos altos cargos do Executivo, não raro como ministro, governador ou prefeito. Vestem fardas da Polícia Militar, com alta patente nos ombros.
O cenário de degradação moral nos é trazido pelo noticiário com freqüência cada vez maior. Aliás, nos é trazido pela imprensa para a qual - os que estão “aboletados ou atrás de togas” - pedem “controle social”.
Esta semana – e para ficar apenas nesta semana e em um único exemplo - foi preso um tenente-coronel da PM fluminense acusado de ser o mandante do assassinato de uma juíza que - em contraste com a rotina, ao que parece - punia o crime organizado e os policiais corruptos com exemplar rigor. Sete policiais, já presos, estão envolvidos no crime.
A mentalidade mencionada de início é a “bactéria” na origem do forte odor. Ela é expressa na cultura do jeitinho e da malandragem, que apaga a linha divisória entre certo e errado. Todo o resto é desdobramento.
Por isso quando alguém vem a público dizer que “tem bandido atrás da toga”, ou da farda, ou do mandato, como fez a corregedora Nacional de Justiça, é preciso dar voz ao alerta. O “intestino” putrefato precisa ser brandido, e o seu odor indigesto exalado. É a chance de mobilizar os indignados, de despertar os entorpecidos e, quem sabe?, gerar algum constrangimento, por menor que seja, aos que estão “atrás da toga” mas são bandidos. 
A ministra Eliana Calmon não fez uma generalização, mas uma constatação crítica contundente e responsável. Por outro lado, o pedido de retratação do ministro Cezar Peluso foi descabido, mas colocou em evidência o problema. Alinhou o ventilador no sentido certo.
A ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) pretendendo retirar do Conselho Nacional de Justiça a prerrogativa de investigar, por iniciativa própria, e punir magistrados envolvidos em desvios, foi o ponto de partido do embate. Uma ação de caráter nitidamente corporativista. Agora, porém, com o ventilador ligado e no eixo do odor, as chances de que a iniciativa não prospere talvez sejam maiores.
O organismo não está doente, já morreu. Lenço no nariz!

Por Nilson Mello

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

COMENTÁRIO DO DIA

A contaminação da PM

Patricia Acioli
     A prisão do tenente-coronel PM Cláudio Luiz Silva de Oliveira, comandante do 22º Batalhão da corporação, como acusado de “mentor intelectual” do assassinato da juíza Patrícia Acioli, ocorrido em 11 de agosto, nos impõe algumas reflexões sobre o caso dentro desse breve comentário diário.
     A primeira reflexão – desanimadora - diz respeito ao grau de deterioração do aparato de segurança do Estado do Rio de Janeiro. É dentro da Polícia fluminense, tanto a Civil quanto a Militar, mas mais nitidamente nessa, que o crime hoje viceja.
     Com relação à PM, o nível de degradação chegou a tal ponto que seria o caso de mantê-la dentro dos quartéis, cancelar o ingresso de novos quadros e simplesmente pôr fim à instituição substituindo-a por uma nova polícia, a partir de outro modelo e outra cultura.
Aliás, a razão pela qual os projetos que tratam da unificação das polícias judiciária (Civil) e ostensiva (PM) não prospera é algo a se pesquisar. Pois não faz sentido que uma instituição paramilitar (PM) seja até hoje o principal mecanismo de efetivação das políticas de segurança pública nos estados.
A segunda reflexão, na verdade, uma constatação, é quanto à rapidez com que se chegou aos autores do crime e ao seu mandante – uma eficiência que contrasta com a prática usual no Estado, onde mais de 90% dos homicídios permanecem sem solução, de acordo com estatísticas recentemente divulgadas. Ou seja, quando há vontade política, as coisas até andam.
Já a terceira reflexão tem caráter de indagação, e talvez seja a mais constrangedora. Podemos atrelá-la a um silogismo enviesado: se a juíza Patrícia Acioli foi assassinada por sua conduta rigorosa contra o crime; se existem milhares de juízes em atividade no Estado do Rio; e se não temos notícias de outros atentados contra juízes no Estado (e os casos de ameaça aparentemente são escassos), isso significa que os demais juízes fluminenses não têm sido assim tão rigorosos com o crime?
Por fim, cabe ainda dizer que o alastramento do vírus da corrupção no organismo policial no Brasil – e na administração pública de forma geral – reflete a descrença de policiais – e servidores públicos – em relação às autoridades que nos governam. Os exemplos vêm de cima. 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

COMENTÁRIO DO DIA


Inconsistência recorrente

    Às críticas deste Blog em relação às inconsistências da política econômica do governo e a atuação ambígua do Banco Central no combate à inflação, incluindo a postagem de ontem, adiciono artigo de Celso Ming, publicado em O Estado de S. Paulo desta sexta-feira, na mesma linha.
Link abaixo:
http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/2011/09/22/solavancos-no-cambio/

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Artigo

O IPI e a coerência com os erros

     A presidente Dilma Rousseff acerta quando diz que não tem compromisso com o erro. Já avisou que, quando perceber que tomou medidas equivocadas, voltará atrás sem constrangimento pela incoerência. Erra, contudo, quando não se mantém coerente com o acerto, quando não leva adiante políticas acertadas prometidas em seus discursos.
Logo após a posse, a presidente prometeu – e repetiu em diferentes circunstâncias nesses nove meses – que seu governo não aumentaria impostos. Mas não tem feito – ou tentado fazer - outra coisa.
Alcançamos a marca de 1 trilhão de reais arrecadados em tributos este ano em 13 de setembro, 35 dias mais cedo do que em 2010, como registrou o “Impostômetro” da Associação Comercial de São Paulo. E isso a despeito de uma atividade econômica em ritmo mais lento. De janeiro até agosto, o governo arrecadou 13% a mais do que no mesmo período do ano passado, nada menos do que R$ 630 bilhões.
A incoerência com a acertada promessa – de não aumentar tributos - começou em abril, quando o governo dobrou a alíquota de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para 6,38%, com a desculpa de que era preciso combater o consumo e conter a inflação.
Ainda no início do ano, a tabela do Imposto de Renda foi corrigida em apenas 4,5%, abaixo, portanto, da inflação de 6,5% nos últimos 12 meses, o que representou, na prática, um aumento da tributação sobre a renda.
De lá para cá, o governo tentou ressuscitar a antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) como fonte de recursos para a saúde sob um novo nome (CSS) - proposta provisoriamente derrotada em votação na Câmara nesta quarta 21 – e impôs uma alíquota de 30% para veículos importados, dentro de certos critérios, com a justificativa de estimular a produção nacional.
Um Honda Civic fabricado em Sumaré (SP) custa para o consumidor brasileiro cerca de R$ 56 mil, de acordo com agência especializada AutoInforme. O mesmo veículo, exportado com acréscimo de alguns itens de linha que o modelo brasileiro não oferece (como vidros e travas elétricas, freio ABS etc), chega ao consumidor do México ao preço final de R$ 25,8 mil, com frete incluído.
O preço do carro produzido no Brasil embute alíquotas de até 36,4% - ou seja, dos R$ 56 mil pagos pelo consumidor brasileiro pelo Honda Civic, cerca de R$ 20 mil representam impostos. Sem desconsiderar a possibilidade de as montadoras brasileiras estarem praticando margem de lucro acima da média mundial, fica claro que o consumidor mexicano paga menos pelo mesmo veículo porque lá a tributação é menor.
A propósito, quanto à margem de lucro elevada, é oportuno lembrar que a exposição dos produtores nacionais – em todos os setores, não apenas no automotivo – aos parâmetros internacionais de qualidade e preço é benéfica para o consumidor brasileiro. A margem de lucro do produtor nacional é eficientemente regulada pelo produto importado.
Assim, se o governo estiver preocupado com a inflação, não deve impor restrições tarifárias às importações. E se quiser estimular a produção interna de veículos – motivo alegado para o aumento de IPI – deve se preocupar em reduzir tributos e procurar eliminar outros fatores que pressionam os custos de nossa cadeia produtiva, como logística deficiente e excesso de burocracia. Pois, com carga equivalente a 37% do PIB, nossa economia não precisa de mais impostos.
Mas sinais vindos da área econômica do governo são ambíguos, e daí as decisões surpreendentes. O aumento do IOF, por exemplo, veio para frear o consumo, dentro de um pacote montado para conter a inflação. Mas, paralelamente, o Banco Central afrouxou a política monetária – principal instrumento de contenção da atividade econômica – anunciando que o desaquecimento da economia global fará, por si só, o trabalho que lhe caberia. Nada até aqui garante que isso de fato acontecerá.
Para completar, o BC já projeta, no Boletim Bimestral Economia Brasileira em Perspectiva, uma política monetária expansionista (que estimula a inflação), como se o risco estivesse afastado.
Ser incoerente com o erro é prova de sabedoria – principalmente na política.  Deixar de lado os acertos pode custar caro - literalmente. Sobretudo na economia. Se não quiser ficar prisioneira da coerência com os erros – fazendo as pazes com o acerto – a presidente Dilma Rousseff deve começar a rever algumas medidas. Mas tem que ser já.  
Por Nilson Mello

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

COMENTÁRIOS DO DIA

Controle de natalidade?



O governo elevou de três para cinco o limite de filhos com até 15 anos que podem receber bolsa de R$ 32 mensais. Especialistas consultados disseram ser impossível dizer se o benefício servirá de estímulo adicional ao aumento da natalidade, ressalvando que, para tal conclusão, seria necessário estudo mais detido.
Eis aí mais um caso de “cientificismo” desmedido – o excesso de comedimento em proferir opiniões diante de assuntos relevantes, do mundo real.
A olho nu, colocando de lado a “inibição academicista”, tudo leva a crer que, sim, serve de estímulo ao aumento de natalidade.
Num país ainda tão desigual quanto o Brasil, nada mais justo que o governo estabeleça programas distributivos como o Bolsa Família, forçando a melhoria da renda média e tirando da condição de carência absoluta milhões de pessoas.
Mas vale questionar se, no lugar de um estímulo à natalidade, não seria o caso de o país estabelecer, sem constrangimentos, programas de controle de natalidade - ou, para usarmos uma terminologia politicamente correta, programas que estimulem uma “natalidade mais responsável”.
Afinal, não parece ser responsável gerar cinco filhos – ou mesmo três – quando se está em situação de carência absoluta. Num Estado em que a Religião não se confunde com o Estado (ao menos formalmente), o problema deve ser enfrentado sem subterfúgios. 



O IPI das carroças



     O deputado Mendonça Filho, do DEM de Pernambuco, apresentou nesta terça-feira (20) projeto de decreto legislativo que derruba o IPI de 30 pontos percentuais para carros importados recentemente estabelecido pelo governo.
Os argumentos de Mendonça Filho são consistentes: carros importados, sobretudo os populares (modelos coreanos e chineses à frente), geram uma saudável concorrência ao impor padrões de preço e qualidade para a indústria nacional. O consumidor é o maior beneficiado.
A proposta precisa ser votada na Câmara e no Senado. Mas chances de êxito são reduzidas uma vez que o governo conta com maioria nas duas casas.
     Não custa lembrar que a abertura do mercado para carros importados teve início no governo Collor, que apelidou os veículos nacionais – na época protegidos da concorrência externa - de “carroças”. (O episódio, aliás, comprova que qualquer governo, por mais questionável que seja, pode deixar a sua marca positiva).
De lá para cá, todos os setores da economia brasileira tornaram-se mais integrados ao mundo – não apenas pela iniciativa de Collor, mas devido ao próprio avanço do processo de globalização.
Ora, se o consumidor brasileiro pode ter acesso hoje a produtos e serviços de qualidade superior, isso se deve ao maior grau de integração da economia brasileira. De quebra, a concorrência externa tem contribuído decisivamente para conter os preços internos.
Por isso, o aumento do IPI soa como um protecionismo tardio que em nada contribui para o desenvolvimento da indústria brasileira.
Se quiser de fato garantir competitividade às montadoras instaladas aqui e atrair outras mais, o governo deveria se preocupar em reduzir tributos, bem como em eliminar outros fatores que minam a cadeia produtiva nacional, como os gargalos logísticos e o excesso de burocracia.
Essas medidas sem dúvida incentivariam a instalação de novas fábricas de automóveis no país – um dos objetivos alegados para o aumento do IPI - sem apresentar, contudo, qualquer contra-indicação, pois os eficientes parâmetros concorrenciais, de preço e qualidade, estariam mantidos. 

terça-feira, 20 de setembro de 2011

COMENTÁRIOS DO DIA

Copa e Olimpíada sem legado

                           Miriam Belchior


     A grande vantagem de se promover uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada é poder utilizar esses eventos como fatores de transformação do país, sobretudo, no que diz respeito à infraestrutura, à preservação do ambiente e à mobilidade urbana.
Para países emergentes, em especial, como o Brasil, é a chance de concentrar investimentos em áreas estratégicas dando um salto de desenvolvimento.
Em cidades degradadas e esvaziadas, como o Rio de Janeiro, trata-se de uma possibilidade única de resgate, que justifica todo o esforço e os pesados investimentos.
Pois bem, por absoluta inapetência para a gestão e o planejamento, o governo começou a jogar a toalha antes mesmo da hora. E já anuncia que, para evitar congestionamentos, nas vias públicas e também nos aeroportos, deverá decretar feriados durante os jogos da Copa, providência prevista no Projeto de Lei que estabelece regras para a organização do evento.
Não se trata apenas de uma regra extraordinária. A própria ministra do Planejamento, Miriam Belchior, já confirmou que o paliativo é, na verdade, uma boa solução.
As obras de expansão e reforma dos principais aeroportos – todos eles sobrecarregados e alguns visivelmente sucateados – também deverão ser substituídas por “puxadinhos”, projetos mitigados apenas para permitir um desafogo pontual.
Estamos desperdiçando uma grande oportunidade. E sem que isso signifique economia de recursos, zelo com dinheiro público, maior vigilância sobre os recursos empregados. Nada disso. Teremos, como já estamos tendo, despesas a rodo, só que sem o esperado legado.  

Quebras de patentes de medicamentos


                      
A presidente Dilma Rousseff chegou aos Estados Unidos, para a Assembleia Geral da ONU, anunciando que o Brasil deve quebrar novas patentes de medicamentos. A declaração tem um efeito midiático significativo, porque denota preocupação com a saúde da população, mas é, na verdade, prejudicial àqueles que deveriam ser os beneficiados diretos da medida.
Isso porque o anúncio antecipado de quebra de patentes faz com que laboratórios deixem de investir em pesquisa e desenvolvimento de drogas no Brasil (deixando inclusive de criar empregos e gerar renda aqui). Essas empresas passam também a ter receio de trazer para cá os seus mais novos remédios.
Para que invistam em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, precisam ter a certeza do retorno financeiro a ser obtido com as novas drogas a serem colocadas no mercado. Para tudo que se produz e se cria, há um custo.


O Bonde do Cabral
Sergio Cabral
                                                                 
     O governador Sergio Cabral acaba de anunciar com todas as letras que seu governo foi negligente com os bondes de Santa Teresa.
Como sabemos o bonde desse tradicional, mas abandonado bairro carioca, tem vitimado muitos passageiros por falta de adequada manutenção. Agora o serviço foi interrompido por dois anos.
Cabral ressaltou que a gestão anterior deixou esse meio de transporte sucateado, e seu governo não deu a devida atenção à sua recuperação (seria oportuno explicar, então, para onde foram os R$ 12 milhões teoricamente investidos na sua modernização nos últimos anos).
O governador está se tornando um especialista numa nova modalidade de discurso. Reconhece que houve um erro grave, ao mesmo tempo em que tenta se distanciar de suas causas. Fala de seu próprio governo como se estivesse na platéia, julgando-o, e não na condição de “réu” - mais apropriada tendo em vista as tragédias recorrentes.
É como se o fracasso não fosse dele, pessoa física, mas de um ente projetado que toma assento como chefe do Executivo. Curioso jogo de cena. Ou patologia digna de internação.
Seja como for, dentro do protocolo humilde talvez consiga angariar a simpatia do eleitor nesses tempos difíceis. É possível mesmo que tenha sucesso. Mas aguardemos a resposta das urnas. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

COMENTÁRIOS DO DIA

Desindustrialização

            Em artigo no jornal Valor desta segunda-feira 19 (ver link abaixo), o ex-diretor do Banco Central, Luiz Carlos Mendonça de Barros lembra que, “sem um entendimento correto das causas de um problema nunca chegaremos a sua solução”.
Refere-se à chamada “desindustrialização” brasileira e a queda de competitividade de nossas empresas, problemas que, ressalta, estão relacionados a questões estruturais, como pesada carga tributária e alto custo logístico.
Forçar a alta do dólar, com medidas como aumento de IOF, ou conter as importações via aumento de IPI para automóveis, por si só não garantirão competitividade e vigor à nossa indústria – além de gerar outras distorções.
O tema foi objeto de reflexão em artigo deste Blog na semana passada (A “máscara” e as ironias do dólar), entre outras postagens.
Tais medidas (aumento de impostos combinado a restrições a importações) dificultam o combate à inflação e podem mascarar a ineficiência de nossa cadeia produtiva.
 Em vez de procurar garantir competitividade à economia, reduzindo impostos e investindo em infraestrutura, o governo está fazendo justamente o contrário.

Artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros:


O RDC e a corrupção

    O Regime Diferenciado de Contratação Pública (RDC), que foi implantado pelo governo federal por meio de Medida Provisória, enfrenta forte resistência do Ministério Público. O RDC, em substituição à Lei das Licitações (Lei 8.666), agilizaria as contratações de serviços e obras para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, com a vantagem, segundo o Planalto, de reduzir a possibilidade de conluio entre empreiteiras e outros fornecedores e contratados.
O ponto mais polêmico do novo regime de contratações diz respeito ao sigilo quanto ao preço estimado para obra. O Governo alega que isso garantirá maior competitividade, reduzindo os custos. Mas o MP entende que, sem preço de parâmetro, a possibilidade valores acertados para mais será ainda maior, com prejuízo ao erário. A conferir.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

COMENTÁRIO DO DIA


No gráfico, a cotação até o dia 12, de 1,715. Ontem, em 1,72

A “máscara” e as ironias do dólar
     
     A piora do cenário externo - com a crise financeira se prolongando na Europa e os Estados Unidos se arrastando em dificuldades fiscais – aliada à repentina “troca de sinais” na condução da política monetária brasileira produziu uma depreciação cambial (alta do dólar) inédita.
     Apenas nos últimos 15 dias a moeda americana teve alta de 8,5%, atingindo a marca de R$ 1,724. Em julho passado, a cotação estava em R$ 1,53. Os jornais desta quinta-feira (15/09) ressaltam que nunca houve uma alta tão prolongada do dólar desde o início do regime cambial de livre flutuação, em 1999.
     Os exportadores brasileiros, que vinham se queixando da perda de competitividade gerada pelo real valorizado, devem estar comemorando a mudança de rumo. Mas, a despeito das vantagens pontuais, há motivos para preocupações.
     O dólar em queda permite um aumento das exportações, ou melhoria das receitas geradas com o comércio exterior, mas, na prática, mascara todas as ineficiências da economia brasileira (vide o artificialismo argentino).
Em linhas gerais, essas ineficiências são: a forte tributação que incide sobre a produção; a precária infraestrutura (sobretudo nos setores portuário, aeroportuário e ferroviário), carentes de adequada integração intermodal; o excesso de burocracia, que gera custos adicionais e corrupção (por si só fator de ineficiência); a falta de mão de obra qualificada (leia-se ensino deficiente); e a insegurança jurídica.
     Essa é a “máscara” produzida pela nova tendência do dólar, que vem acompanhada de algumas ironias. A primeira é que a cotação mais alta da divisa norte-americana vai aos poucos eliminando um dos instrumentos de controle da inflação, justamente no momento em que o Banco Central resolveu baixar os juros apesar das fortes pressões inflacionárias. Perde-se, portanto, duas armas contra os preços. Vale lembrar: produtos importados geram competitividade interna e por isso contribuem para o combate à inflação.
     A outra ironia é representada pela própria “máscara”. Na medida em que a cadeia produtiva percebe um alívio com o ganho artificial de competitividade proporcionado pela queda do real em relação ao dólar, esquece-se dos problemas essenciais, que são o combate às verdadeiras ineficiências provocadas pelos fatores já mencionados - forte tributação, infraestrutura deficiente etc.
A propósito, é oportuno ressaltar que, na luta por competitividade, entidades ligadas ao setor produtivo, em particular a Fiesp, sempre preferiram adotar o discurso mais fácil – empunhado bandeira contra câmbio e juros - ao invés de encarar os verdadeiros problemas. Mas câmbio artificial - fixo ou administrado – no final das contas não garante competitividade, além de escamotear os problemas. Não gera eficiência, não atua contra a alta dos preços.
Por outro lado, política monetária mais branda de fato contribui para impulsionar a economia, desde que, é claro, haja a contrapartida de uma política fiscal mais responsável (gastos do governo menores e de melhor qualidade), abrindo espaço a um paulatino aumento da produtividade. Do contrário, o que se tem é inflação e mais ineficiência.
Há ainda uma terceira ironia, representada pelo fato de a valorização do dólar ocorrer justamente no momento em que os fundamentos da economia dos Estados Unidos mostram piora, sobretudo o aspecto fiscal, o que ocasionou, inclusive, o rebaixamento de sua dívida soberana. É que, apesar de tudo, num momento de crise e incertezas, os investidores estão se refugiando no ativo que consideram de menor risco (dólar).
No caso particular brasileiro essa migração é acentuada pela aposta em novas reduções da taxa básica de juros pelo Comitê de Política Monetária do BC (Copom). Reduções que começaram a ser feitas sem que haja condições para tanto, como revelam os indicadores da inflação.
Por Nilson Mello

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Artigo

Mais reflexão especulativa

     Pode parecer absurdo, sobretudo para aqueles que preferem ater-se mais à forma que à essência, mas o Direito - entendido pelo senso de Justiça - implica que o indivíduo tenha a capacidade de se rebelar. A noção de desobediência civil, nascida com o Iluminismo do século XVIII (e posta em prática de maneira emblemática por Gandhi no século XX), tem aí a sua origem.
Como obedecer a uma Lei que não é justa? Somos obrigados a cumprir aquilo que não parece o mais correto, embora imposto pelo Poder Público a quem devemos obediência? O Poder Público é formalmente legítimo, mas isso não quer dizer que seja justo. Se não é justo, não será, no final das contas, legítimo.
A ideia de Democracia tende a afastar esse conflito – perceptível entre o cidadão, ávido por guarnecer seu campo de liberdade individual, e o Estado, “encarregado” de promover o bem-estar coletivo – na medida em que a legitimidade dos governos provém daqueles que serão destinatários de suas normas. As políticas de Estado corresponderiam assim aos anseios de seus cidadãos.
Aqueles que escolhemos para nos governar estabelecerão as regras necessárias ao nosso convívio pacífico, à regulação de nossas relações comerciais, à resolução de nossos litígios etc. O problema não é simples, pois nada garante que a vontade da maioria – que é o princípio basilar da democracia – realizará, de fato, a tarefa a contento. No caso brasileiro, percebemos que não tem realizado.
Aqui retomamos a questão que motivou o artigo de ontem deste Blog. Para que a sociedade seja justa, não basta apenas que suas leis e instituições sejam democráticas – formalmente democráticas.
Será preciso, também, como pressuposto, que tais leis e instituições sejam inspiradas ou respaldadas por valores fundamentais orientadores, aceitos e reconhecidos por todos. Quando o pressuposto não está presente, leis e instituições podem até ser formalmente “boas” (embora muitas vezes não o sejam), mas não serão suficientes para tornar essa sociedade justa e próspera.
A crise brasileira, portanto, é de valores. A educação em sentido amplo, ou seja, abrangendo aspectos éticos, cívicos (urbanidade), poderá um dia resolver o problema. Até porque não podemos ceder à tentação da desobediência civil aludida no início deste texto - dados os seus efeitos colaterais e também o risco de retornarmos à estaca zero. A solução, portanto, demandará tempo, e requer que, em algum momento, aqueles que estão à frente dessa democracia formal imperfeita tomem a iniciativa.
E isso é justamente o mais difícil.

Por Nilson Mello

Em tempo: Este blog retomará dois assuntos menos etéreos nos próximos dias:

Os indicadores desafiam a conduta errática do Banco Central e o otimismo descabido do ministro Guido Mantega.
> Desvios de verbas derrubam mais um ministro, agora o do Turismo. Enquanto isso, o governo propõe uma “flexibilização” nas regras de obras para Copa e Olimpíada que contraria o bom senso.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Artigo

Antígona e nossa mazela

    Regras em profusão, resultantes de uma intensa atividade legislativa ou normativa, características de um ativismo estatal muitas vezes contraproducente (verificável ainda que o Legislativo se veja atrelado à iniciativa de outro Poder, ou por esse substituído, em claro desvio institucional) por si só não serão capazes de criar um Estado justo e promotor do desenvolvimento.
No momento em que a corrupção parece tomar proporções inéditas no país, noticia-se que há 15 projetos para combatê-la aguardando trâmite e votação no Congresso. Um desses – a ser escolhido por parlamentares sob a orientação do Executivo – receberá a missão de estancar ou ao menos reduzir o mal. E que missão!
De imediato, criticou-se o fato de nenhum desses projetos ter sido desengavetado até aqui – o que seria mais uma prova de fracasso de nossas instituições democráticas.
    Mas esse sequer é o aspecto mais grave. A verdadeira tragédia é saber, de antemão, que qualquer um desses projetos, por melhor que possa sair do “forno” do Congresso (e aqui já vai um arroubo de otimismo) não será capaz de resolver o problema.
Como temos visto, leis em profusão - decorrentes do mencionado ativismo estatal – não resolvem. E de quebra ainda engendram uma sociedade mais complexa, onerosa e burocrática - o que, ironicamente, acaba contribuindo para fomentar a própria corrupção.
    Por falar em tragédia, o conflito representando em Antígona vem à tona. Leis produzidas pelo “Rei” (Estado) não poderiam se sobrepor às leis naturais (ou divinas, que seriam os valores fundadores de todas as demais regras sociais).
O embate entre direito natural e direito positivo, que mobilizava platéias na Grécia clássica, na verdade, nos dá a oportunidade de reconhecer que um sistema legal – uma sociedade, um Estado, um país -, para ser efetivo, precisará de regras “a priori” que possam lhe garantir orientação.
De nada adianta produzirmos tantas leis se não sabemos quais são os valores fundamentais que embasam essa sociedade democrática da qual tanto falamos. O Brasil não vive uma crise “legal”, no sentido normativo do termo. Vive, na verdade, uma crise de valores. Pois nenhum político ou governante precisa de uma norma especial para saber que não pode meter a mão nos cofres públicos, no dinheiro do contribuinte. (A propósito, lembremo-nos disso na próxima eleição: salários de governador, senador e deputado não pagam mansão milionária na Costa Verde, jato executivo ou helicóptero).
Em suma, quem souber como resgatar valores que garantam “Norte” ao Brasil, levante o braço. Mas atenção com a carteira.
Por Nilson Mello

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Artigo

Cientificismo: Rigor de mais ou de menos

A observação criteriosa dos fenômenos naturais e sociais e a crítica moderada são posturas mais do que necessárias à prática da Ciência e à vida acadêmica. É compreensível que cientistas e acadêmicos evitem conclusões apressadas – potencialmente equivocadas – comportando-se com ponderação e responsabilidade.
Mas não deixa de ser curioso – beirando o ridículo – quando, diante de fatos óbvios e corriqueiros, o zelo torna-se preciosismo tolo, cautela infundada. Nesse caso, o que seria uma postura elogiável, digna de acadêmicos maduros, transforma-se em inibição pueril, incompatível com quem, de fato, dedica-se à Ciência e ao estudo de problemas relevantes.
A digressão vem à baila por conta do cuidado exacerbado demonstrado por economistas e cientistas políticos instados a comentar o assombroso aumento da máquina pública nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Para quem não acompanhou o assunto, um breve resumo: o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou estudo indicando que “nunca antes na história do país” [trecho entre aspas nosso] o funcionalismo público federal sofreu um inchaço tão forte quanto no período de 2003 a 2010, sob a batuta de Lula.
O número de servidores civis da ativa naquele período cresceu de aproximadamente 534 mil para 630 mil - acréscimo de cerca de 155 mil (variação de 17%). O número de contratações triplicou no período em questão em relação aos oito anos de governo FHC.  
Com base nos dados, a pergunta feita a alguns economistas e analistas políticos foi se o aumento de contratações teria tido impacto positivo ou negativo, ou seja, se teria representado melhora ou piora da administração pública, em termos de eficiência. Respostas esquivas, sob um manto “cientificista”,  capaz de envergonhar o mais empedernido dos positivistas, procuraram disfarçar o óbvio.
Ora, nenhuma eficiência pode ser identificada como resultado desse inchaço aleatório, que atendeu muito mais a interesses eleitoreiros ou fisiológicos (ou a ambos) do que a legítimas razões de Estado. E não é preciso tese formal para a constatação.
A prova está estampada na porta de cada posto de saúde, de cada hospital, onde as filas crescem quase à mesma proporção do montante que arrecadamos em impostos; ou nos pífios resultados de nosso sistema de ensino; ou ainda no sofrível desempenho de nossa segurança pública. A administração federal, pelo que se tem notícia, tampouco se tornou mais ágil nesses últimos anos. Ao contrário.
E por isso mesmo a corrupção é, sem dúvida, outra faceta desse inchaço. Irregularidades, como desvios de verbas, superfaturamentos, conluio em concorrências, multiplicam-se no bojo da ineficiência, não apenas como resultado da má-fé.
Na verdade, a expansão desordenada do funcionalismo público pode por si só ser atribuída à má-fé. Basta deixarmos o “cientificismo” (ou "cientismo") de lado e encaramos os fatos, sem excesso de “dedos”. Pois do contrário não conseguiremos mudá-los.
Por Nilson Mello

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

COMENTÁRIOS DO DIA



Banco Central alia-se à crise


     A inflação dos últimos 12 meses registrou a maior variação desde 2005, chegando a 7,23% em agosto. Pressionada pelos serviços e preços administrados, a alta no mês foi de 0,37%, mais do que o dobro da verificada em julho (0,16%). O Banco Central espera a desaceleração a partir do quarto trimestre, quando o índice convergiria para o teto da meta (6,5%).
Poucos no mercado acreditam que será possível colocar a inflação abaixo do teto da meta ainda no primeiro semestre de 2012.
A redução dos juros, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC na semana passada, mesmo com forte pressão sobre os preços, não teve, portanto, base em critério técnico (pois os indícios de alta dos preços eram visíveis), mas sim na aposta de que a crise mundial por si só dará cabo de reduzir a demanda mundial, ajudando a controlar a inflação brasileira.
A responsabilidade pelo controle da inflação foi, desta forma, delegada pela autoridade monetária a fatores imponderáveis. Torceremos agora pela crise?


Desfaçatez


Os governadores que apoiam o retorno da CPMF para ampliar os recursos da Saúde deveriam se esforçar para explicar por quê é preciso mais um tributo se a arrecadação federal já teve um aumento de R$ 100 bilhões somente de janeiro a julho deste ano.
Esses R$ 100 bilhões até seriam pouco, se o país já não tivesse uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo (cerca de 37% do PIB).
Carga pesada sem contrapartida em serviços públicos de qualidade é indício de má gestão.
Se estão realmente empenhados numa cruzada pela melhoria dos serviços de Saúde, esses governadores deveriam pressionar o Congresso e o governo - e conclamar a sociedade - a envidar seus esforços visando a melhoria da gestão dos recursos públicos.
De quebra, a “cruzada” poderia incluir tolerância zero com a corrupção. Ou isso seria um tiro no pé?
A volta da CPMF (sob novo rótulo, de Contribuição Social da Saúde-CSS), em meio a uma carga tributária beirando os 40% do PIB, e aumentos contínuos de arrecadação, sem que melhorias nos serviços públicos possam ser perceptíveis nos últimos anos, ganha ar de confisco.
O tom com que alguns governadores vieram a público defender a idéia tem a marca da desfaçatez – traço, aliás, marcante em nossos políticos.



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

COMENTÁRIO DO DIA


O BC em síntese   

A postura errática e ambígua do Banco Central no combate à inflação, tema de artigo deste Blog na última quinta-feira, entre outras postagens, dominou algumas das principais colunas de Economia nos jornais deste fim de semana e também nesta segunda-feira.
Uma síntese ponderada das críticas pode ser encontrada no artigo de hoje do economista Paulo Guedes, cujo link segue abaixo: 

http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2011/09/05/mudanca-de-rumos-403415.asp

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

COMENTÁRIOS DO DIA

Subordinção

      O Banco Central lida com as expectativas dos agentes econômicos. A sua credibilidade está, portanto, em grande parte atrelada à crença na sua autonomia. Sem ela, as ingerências políticas, quase sempre incompatíveis com critérios técnicos, inviabilizam a defesa da moeda e o correto controle da inflação.
Se os agentes econômicos percebem que o BC tem independência para gerir a política monetária, tendem a acreditar na sua capacidade de cumprir seus objetivos. Quando o BC passa a agir de acordo com o humor do governo, as dúvidas ressurgem, e com elas as expectativas negativas quanto à inflação.
O corte de 0,5% na taxa básica de juros, decidido na reunião desta quarta-feira (31) do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, corrobora com as dúvidas - não com a crença na capacidade da instituição.
Como na véspera a presidente Dilma Rousseff havia pedido a redução dos juros, a leitura que o mercado faz, neste momento, é que a relação de independência foi substituída pela de subordinação.
Está certo querer juros menores no Brasil. Mas eles não são causa, mas conseqüência - ou sintoma, ou ainda remédio amargo, conforme comentado na postagem de ontem. O que se deve combater com ênfase são as circunstâncias que levam a economia a precisar de uma taxa de juro elevada para conter a inflação.
Essas circunstâncias desfavoráveis são geradas pelos excessos de gastos e despesas governamentais. O próprio governo reconhece a sua “contribuição” para a “causa” quando decide economizar R$ 10 bilhões adicionais para o superávit fiscal, conforme anuncio desta semana. Ótimo.
Ao economizar mais está, indiretamente, criando um ambiente favorável à redução responsável dos juros, no momento em que critérios técnicos e independentes autorizarão a medida. Porém, a decisão do Copom, em ato-contínuo à fala da presidente, sem que essas condições favoráveis ainda estejam consolidadas, só contribui para aumentar as suspeitas quanto à real capacidade do governo e do BC enfrentarem a inflação.
   


Escapismo cínico

       No Japão, país que preza a honra como valor basilar da sociedade, dirigentes de empresas, ministros e até chefes de governo se demitem ao menor sinal de que não cumpriram a missão para a qual foram designados. Lá, se esquivar de uma responsabilidade, atribuindo erros a terceiros, é algo inadmissível.
     A comparação é inevitável no momento em que assistimos às autoridades que deveriam zelar pela segurança dos transportes públicos do Rio de Janeiro adotarem o cinismo sob o véu da súbita diligência em relação ao acidente com o bondinho no último fim de semana.
Cinco pessoas morreram e 57 ficaram feridas, mas o discurso oficial sai como pronto do escaninho burocrático, estabelecendo para um futuro indeterminado as explicações necessárias após a “apuração de todos os fatos”. Declarações que soam como insulto à inteligência do contribuinte, à dignidade da população. 
Diligência atípica e sôfrega após fatalidades – prática recorrente no Rio de Janeiro – apenas escancara a negligência prévia.
     A causa do acidente é óbvia: indiferença. Para dizer o mínimo. Fala-se em R$ 14 milhões “investidos” na manutenção dos bondinhos na atual gestão. Esse dinheiro pode ter ido para qualquer lugar, para qualquer bolso, menos para o destino certo.
Os bondinhos tornaram-se sucatas ambulantes, denunciando desleixo e irresponsabilidade. As reclamações reiteradas de moradores e usuários, sem qualquer resultado, só tornaram o acidente mais emblemático.
A tragédia estava anunciada. E não foi a primeira. Provavelmente não será a última.  

Por Nilson Mello