quarta-feira, 30 de março de 2011

Comentário do dia

Alencar e os juros

     A melhor forma de combater os juros é identificar as suas causas.
E a causa das altas taxas cobradas no Brasil é, em primeiro lugar, o excesso de gastos públicos. O governo toma tanto dinheiro do setor financeiro que acaba pressionando as taxas. Assim, sem uma política fiscal rigorosa, a política monetária (juros) precisa ser mais austera.
Além disso, com o excesso de despesas correntes, não sobram recursos para os investimentos necessários. Sem investimentos, a economia pode até crescer, com aumento de consumo, mas não se desenvolve de maneira sustentável e saudável (livre de inflação).
     O problema não é apenas o excesso de despesas, mas também o mau uso dos recursos públicos.
     Portanto, a melhor forma de combater o juro alto, que é um remédio amargo que nós brasileiros somos obrigados a ingerir para evitar um mal maior (alta dos preços), é combater as suas causas. Em outras palavras, é combater os excessivos gastos do(s) governo(s).
O ex-vice-presidente José Alencar, morto nessa terça-feira em São Paulo, aos 79 anos, foi um exemplo de dignidade como empresário e como homem público. Nos dois mandatos como vice-presidente, expressou sua preocupação com as taxas de juros.
A homenagem que podemos lhe fazer é justamente passar a encarar a questão dentro de toda a sua complexidade, combatendo as razões que levam a autoridade monetária (Banco Central) a elevar os juros. Ao invés de criticar os juros, lutar para extinguir as suas causas.
 Ou seja, o que devemos fazer é combater os excessos de despesas do governo, permitindo o aumento dos investimentos que contribuiriam para garantir o desenvolvimento sustentável da economia, livre de inflação.

Por Nilson Mello

segunda-feira, 28 de março de 2011

Comentário do dia

                                   Um peso e uma medida


 
O Meta Mensagem postado na última sexta-feira (25/03) neste Blog e distribuído a formadores de opinião recebeu algumas críticas. O texto defendeu como moralizador o voto do ministro do STF Luiz Fux - derrubando a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 - porque a decisão respeitou um comando constitucional expresso.
A Constituição Federal é clara (art. 16) ao estabelecer que a Lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, mas não poderá ser aplicada em pleito que ocorrer até um ano da data de sua vigência. A Lei entrou em vigor em junho do ano passado.
Os críticos ao texto de sexta-feira consideraram que o ministro, no seu voto de desempate, poderia ter observado o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição, que aponta condições de inelegibilidade.
Ocorre que o artigo 14 é genérico, enquanto o 16 é específico e estabelece justamente como devem ser disciplinadas, na Lei Eleitoral, as causas e condições de inelegibilidade, entre outras coisas. Em outras palavras, o comando previsto no artigo 16 cobre os dispositivos dos artigos precedentes que tratam da elegibilidade.
Não restam dúvidas, contudo, que a Lei da Ficha Limpa foi mal redigida e por isso suscitou tantos questionamentos – e ainda há de provocar muitos outros até as próximas eleições. Inequívoco, porém, é o intuito expresso no artigo 16: prevenir casuísmos e oportunismos eleitoreiros, que geralmente tendem a beneficiar grupos políticos que estão no Poder.
Em suma, se a decisão do Supremo, com o voto do ministro Fux, respeitando a Constituição, vai beneficiar políticos de ficha suja, este é um efeito colateral que devemos suportar em nome de um fundamento e um bem maior, que é o Estado Democrático de Direito. Em todo caso, podemos votar melhor nas próximas eleições, além de aplicar a Lei da Fcha Limpa.




quinta-feira, 24 de março de 2011

Voto frustrante, mas moralizador

A derrubada da aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010, na quinta-feira pelo Supremo, nos colocou diante de um conflito. A Lei, que é muito bem-vinda, evidentemente, mexe com o processo eleitoral. A Constituição Federal veda mudanças nas regras das eleições um ano antes do pleito (artigo 16).
Como a lei é de junho passado, não poderia ser aplicada em 2010 – e chega a ser surpreendente que o TSE e ministros do STF, seguindo o clamor das ruas, tenham tido entendimento contrário, ainda que reconheçamos que o Direito não é uma ciência exata e por isso está sujeito a amplas interpretações.
O Supremo, com o voto do recém-empossado Luiz Fux, pode ter momentaneamente frustrado a vontade de parcela esclarecida da sociedade, que espera a moralização de sua classe política. Mas votar de forma contrária seria passar por cima da Constituição e, em última análise, também agir contrariamente aos interesses da sociedade.
Não se trata de filigrana jurídica, ou de apreço desmedido pelo formalismo. Se o Brasil tem, como sabemos, longo histórico de desordem e de ilegalidade não é por falta de leis, mas sim porque aqui não se aplicam e se respeitam as leis já existentes – independentemente de serem boas ou más.
A propósito, seria até melhor que tivéssemos um número menor de leis e normas - e que elas fossem mais razoáveis -, mas que a seguíssemos de forma incondicional. Por exemplo: as exigências legais impostas ao empreendedor brasileiro são uma afronta à produtividade de nossa economia e deveriam ser permanente objeto de revisão e reformulação. (Não é por outra razão que estamos na rabeira do ranking mundial da competitividade, no 58º lugar).
Convém ressaltar, contudo, que o artigo 16, impondo o princípio da anterioridade, é um dispositivo importante dentro do sistema, pois “blinda” o processo eleitoral das ações oportunistas e casuísticas que geralmente beneficiam uns poucos detentores do poder em detrimento da coletividade. Se há conteúdo contraproducente na Constituição - em especial no que diz respeito às relações econômicas – esse certamente não é caso do artigo 16.
Além disso, alterar leis e emendar a Constituição, sempre que necessário, é algo bem diferente de ignorá-las. E mudanças nas leis cabem ao Legislativo, não ao Judiciário. Sim, nosso Legislativo é de baixo nível, mas é o que podemos ter no momento como correspondência de nosso eleitorado, ainda desqualificado.
Portanto, o voto do ministro Luiz Fux é um voto de coerência, que moraliza o sistema jurídico e as instituições. Contornar a Lei para alcançar objetivos que entendemos serem nobres é postura incompatível com o Estado de Direito em consalidação no Brasil.
Temos um longo caminho à frente. Sem atropelos.

Por Nilson Mello*

 

quarta-feira, 23 de março de 2011

Comentários do dia

O BC assume as rédeas?

     A decisão do Banco Central de conter os financiamentos, anunciadas ontem pelo presidente da instituição, Alexandre Tombini, em audiência no Senado, gera uma certeza e uma dúvida.
A certeza:
Significa que, ao contrário do que a presidente Dilma Rousseff afirmara na semana passada – e que foi objeto do artigo Meta Mensagem postado na última sexta-feira – estamos, sim, diante de uma “inflação de demanda”, caracterizada por consumo de produtos e serviços acima da capacidade de oferta.
A dúvida: se é isso, como os indicadores comprovam, por que o presidente do BC está reticente em afirmar que a taxa básica de juros deverá ter novas rodadas de aumento para conter a pressão inflacionária?
Afinal, foi graças a uma política monetária austera que o Brasil conseguiu garantir a estabilidade à sua economia desde o Plano Real. O presidente Lula, em seus dois mandatos, não abriu mão dessa arma, apesar de tê-la criticado na oposição.
O risco é a inconsistência técnica de “desenvolvimentistas” - que acreditam ser possível conviver com “uma pequena inflação” para continuar crescendo, e por isso condenam a alta dos juros - lançar novamente o país numa descontrolada espiral de indexação de preços.
Não há desenvolvimento sustentável em ambiente inflacionário.

Página virada no Itamaraty

A ausência do ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva no almoço em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obma, no Itamaraty deve ser interpretada como o que realmente foi: uma prova de que Lula coloca a sua vaidade acima de eventuais interesses da Nação que durante oito anos dirigiu.
No caso, o interesse - claramente expresso pela agenda montada pelo Itamaraty ao convidar outros ex-presidentes - seria expressar à comitiva norte-americana, e ao mundo, a coesão institucional e a estabilidade da democracia brasileira.
Mas aparentemente Lula preferia ter sido convidado com uma deferência especial que o distinguisse dos outros ex-presidentes, justamente porque se julga acima deles – como deixou transparecer diversas vezes nos discursos que fez ao longo de seu mandato, cujo o intróito era o bordão “nunca antes neste país...”.
Aliás, é possível que, se dependesse de Lula, os demais ex-presidentes não tivessem sido convidados.
Ponto para o Itamaraty restaurado pela presidente Dilma Rousseff, que tem feito o que o protocolo diplomático impõe que faça, livre das diretrizes ideológicas contraproducentes.
Nos dois mandatos de Lula o Brasil viveu o constrangimento de estreitar relações com governos tiranos, em prejuízo de seus verdadeiros interesses. Página virada!

segunda-feira, 21 de março de 2011

Comentários do dia

Discurso de boas-vindas a Obama

    A tradicional diplomacia brasileira, moderada e eficiente, ressurgiu de forma clara na visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil neste último fim de semana.
As amarras ideológicas, que pautaram a Chancelaria nos dois governos de Lula, foram desatadas.
A fantasia de uma liderança brasileira forjada na retórica ideológica sai de cena e dá lugar a um discurso direto, objetivo e realista, e por isso mesmo mais eficaz.
Na sua fala de boas-vindas, no Planalto, a presidente Dilma Rousseff foi a melhor expressão desta mudança de postura. Falou com moderação digna das melhores tradições do itamaraty.
Nas palavras do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao Estado de S. Paulo deste domingo, “não restam dúvidas que houve um ajuste de rumo”.
Uma mudança a se comemorar.

Editorialista do Wall Street Journal

    A propósito desse bem vindo ajuste de rumo, a jornalista Mary Anastasia O’Grady, editorialista de The Wall Street Journal, publica excelente artigo no Valor Econômico desta segunda-feira, com o sugestivo título “O bom motivo da viagem de Obama”.
            Diz ela sobre a distinção entre a atual presidente e o seu antecessor no trato com ditadores: “Dilma parece ter decidido que a abordagem de Lula era contraproducente, especialmente para a meta de o Brasil ganhar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Pouco depois de ganhar as eleições, ela começou a critiar os históricos de direitos humanos do Irã e de Cuba, algo que Lula nunca teve coragem de fazer”. Bingo!

sexta-feira, 18 de março de 2011

Dilma Rousseff e a coerência no combate à inflação


A presidente Dilma Rousseff quer combater a inflação com crescimento, informam os jornais desta sexta-feira, repercutindo entrevista publicada ontem pelo Valor Econômico. A declaração da presidente é boa e ruim ao mesmo tempo. Boa porque está em linha com outras tantas falas desde a posse, em janeiro, que denotam responsabilidade e acuidade para identificar as reais dificuldades do país.
Ruim, por outro lado, porque deixa transparecer que o seu governo, embora esteja ciente dos riscos de um descontrole inflacionário (o que, na verdade é o mínimo que se poderia esperar diante dos visíveis avanços dos preços), não é claro quanto às providências a serem tomadas para evitá-lo.
Dilma Rousseff afirmara, na entrevista ao Valor de quinta-feira, que seu governo “não negocia com a inflação”, uma frase lapidar. Mas ao mesmo tempo afirma que não há pressão de demanda, nem descompasso entre oferta e procura por serviços e produtos.
Para quem não acompanha Economia no dia a dia, é preciso esclarecer que inflação nada mais é que a alta dos preços provocada por um crescente aumento do consumo sem o compatível crescimento da produção. Sempre que a procura for maior que a oferta, o preço dos produtos e serviços tendem a subir, sendo a recíproca inversa verdadeira (procura menor, preços menores).
Não adianta ser contra essa “Lei” da Economia porque ela não é invenção de um ser humano malévolo. Da mesma forma que não adianta ser contra a Lei da Gravidade – e ignorá-la pode ser fatal. A Ciência Econômica exige respeito a seus princípios.
Pois bem, quando se diz que uma economia se desenvolve de forma sustentável, com estabilidade monetária, ou seja sem inflação, significa que sua produção está crescendo a taxas compatíveis com o gradual aumento da demanda por parte dos consumidores, sem, portanto, gerar pressões sobre os preços.
Esse é, evidentemente, o melhor dos mundos, porque permite um ambiente com aumento de produção, emprego, renda e, consequentemente, bem-estar social.
Mas para que isso ocorra, é preciso que essa economia tenha sido capaz de promover contínuos e crescentes investimentos em sua capacidade de produção – o que inclui não apenas investimentos em fábricas como também em rodovias, ferrovias portos, aeroportos, hidrelétricas, linhas de transmissão etc. E isso, definitivamente, o Brasil não fez – ao menos não na medida esperada.
O consumo no Brasil tem crescido bastante por conta da própria estabilidade da Economia, alcançada com o Plano Real, que permitiu o ingresso de novas parcelas de pessoas na classe média. Parte desse crescimento é também decorrente do aumento das despesas do próprio governo nos últimos anos, o que nem sempre é positivo, porque reflete desperdício de recursos e inchaço da máquina pública, com ineficiência.
Como o consumo maior sem o compatível aumento da capacidade de produção gera inflação e, uma vez que no curto prazo, não é possível promover investimentos que eliminem instantaneamente o descompasso entre demanda e oferta, a única saída para conter a inflação é frear o crescimento do consumo. Em outras palavras, é preciso tomar medidas amargas e impopulares, como elevação dos juros e redução do crédito, até que a inflação volte a se comportar. Governo responsável toma tais medidas.
De volta ao primeiro parágrafo, a contradição da presidente Dilma Rousseff reside no fato de não admitir, em suas declarações, reduzir o crescimento, como forma de conter a alta dos preços, ao mesmo tempo em que bravateia que seu governo “não negociará com a inflação”. Até porque medidas para conter o consumo, como alta da taxa de juros e contingenciamento do Orçamento, já estão sendo tomadas.
A contradição é ainda maior quando a presidente garante, pessoalmente, que não há indícios de inflação de demanda (descompasso entre procura maior do que oferta), alegando que são avanços isolados dos preços, enquanto integrantes de seu governo - como o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini - reconhecem que é justamente o que está acontecendo. Os indicadores, por sinal, já mostram claramente que os aumentos estão espalhados por vários setores da economia, num claro indício desse choque de demanda.
Naquela surrada discussão entre supostos “desenvolvimentistas” e monetaristas, os primeiros seriam os bonzinhos porque não gostam de aumento de juros. Mas o fato é que todos querem desenvolvimento econômico. Só que não há crescimento sustentável em ambiente inflacionário, algo que os “desenvolvimentistas” não conseguem enxergar.
O combate à inflação vai exigir postura firme e coerente do governo. É o maior desafio de Dilma Rousseff este ano. Aguardemos.

Por Nilson Mello



quinta-feira, 17 de março de 2011

Comentário do dia

Mais inflação: o custo das commodities e o Japão
     
     A chamada inflação de demanda, como comentado na postagem de ontem desse Blog, ocorre quando a demanda por bens e serviços da economia é superir à oferta, gerando pressão sobre os preços. Foi o que aprendi em minha pós-graduação em Análise Conjutural e acompanhando o noticiário econômico há vinte anos, inclusive como repórter de Economia.
    Como o Brasil investe menos do que o esperado em produção, e também em sua sucateada infraestrutura, os aumentos de consumo, em função de crescimentos sazonais da economia, acabam, em algum momento, tendo impacto na inflação. (Ver gráfico acima)
    Pois bem, além da inflação de demanda, que é uma circunstânia doméstica, o Brasil sofre também - como os demais países - o efeito da inflação de custos relacionada à alta dos preços das commodities em todo mundo. Mas, também nesse caso, essa pressão sobre os preços ocorre em função de uma demanda crescente que supera a capacidade de oferta dos produtores mundiais.
    Em resumo, tanto a inflação de demanda como a de custos são fatores relacionados à velha lei da Economia da oferta e da procura: quanto maior a disponibilidade de determinado produto, menor seu preço, e vice-versa. Para quem não entende porque produtores agrícolas às vezes inutilizam grandes quantidades de sua produção está aí a explicação.
    Já tem gente apostando que a catástrofe no Japão, com efeitos negativos sobre o desempenho da economia daquele país e, por extensão, na Ásia e no Mundo, contribuirá para reduzir a atividade econômica mundial, contendo a inflação.
    O problema é que desaceleração da Economia - apesar desse efeito "colateral" benéfico e passageiro - só traz mais problemas: desemprego, queda da arrecadação, redução da renda, do consumo etc.
    O fato é que a inflação será cada vez mais um tema presente nos debates este ano. E a julgar pela postura pouco firme do governo, não será por conta da queda dos índices.
Por Nilson Mello

quarta-feira, 16 de março de 2011

Comentário do dia

Herança maldita: inflação

A demanda acima da capacidade de produção da economia é a principal causa da inflação. O consumo no Brasil continua aquecido, mas a estrutura produtiva do país encontra-se no limite do esgotamento, o que eleva os custos.
A deficiência de portos, rodovias e ferrovias é um fator que mina a capacidade de produção e, em última análise, pressiona a inflação.
Válido lembrar que a estabilidade econômica alcançada pelo país com a criação do Plano Real, ainda no governo Itamar, garantiu à população melhoria gradativa em sua renda.
Contudo, essa estabilidade, com o consequente crescimento da economia, em especial no governo Lula, não teve a contrapartida em investimentos em produção compatíveis com nossas demandas.
Como se sabe, o governo Lula preferiu inchar a máquina pública. O impacto no aumento do consumo criou uma ilusão que agora começa a se dissipar com a volta da alta dos preços. 
 As previsões do IPCA para este ano beiram os 6% e todos nós já percebemos no bolso o clima de indexação e espiral de alta quando vamos ao supermercado ou entramos num restaurante. Inflação corrói a renda e compromete o desenvolvimento.
Como não houve disposição para uma política fiscal mais responsável, que reduzisse os gastos públicos, e tampouco um programa de investimentos de longo prazo, que aumentasse a capacidade de produção da economia (eliminando os gargalos e os seus custos inerentes), o que sobrou foi a adoção de uma política monetária mais restritiva - aumento da taxa de juros. Mas já há indícios de que ela também será negligenciada.
Ninguém gosta de juro alto (ou talvez uns poucos), mas ele é o remédio amargo para conter a inflação, quando o paciente deixou de tomar providências profiláticas, como diminuição de gastos de custeio e destinação de mais investimentos para aumentar da capacidade produtiva.
Por Nilson Mello

terça-feira, 15 de março de 2011

Obama, Dilma e o roteiro carioca demagógico

 O tom do encontro entre Barack Obama e a presidente Dilma Rousseff neste sábado, em Brasília, será obviamente muito cordial. Contudo, é difícil prever se o presidente americano adotará a informalidade que o fez reverenciar o presidente Lula como "o cara" e "o político mais popular do mundo",  durante uma das reuniões do G-20 - e diante de um secretário do Tesouro, Timothy Geithner, visivelmente constrangido – ou se tomará postura mais protocolar, como a adotada na visita do presidente brasileiro à Casa Branca, em março de 2009.
Os vídeos em links abaixo nos ajudam a relembrar esses dois encontros.
Na Casa Branca, Obama, sentado ao lado de Lula, fez questão de lembrar a velha amizade entre os dois países e o fortalecimento de uma agenda bilateral compatível com a progressiva liderança do país "na América Latina e no Mundo".


Foi uma fala na linha do que disse, há meio século, um velho senador brasileiro, ex-embaixador em Washington, quando afirmou “o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil” - no que pode ser considerada uma pérola de discurso diplomático pragmático, contudo, proferido ao arrepio do senso de relatividade.


Está claro que o presidente Obama não deverá puxar Dilma pelo braço, como chegou a fazer com Lula – e tampouco será puxado por ela.
 Que do encontro possam se concretizar promissores acordos bilaterais, sobretudo na área de energia, valorizando uma relação comercial que é indispensável para qualquer país do mundo, é o que se espera. Não deixará de ser uma evoluçã à política que vinha sendo reforçada pelo "novo" Itamaraty, de valorização das relações Sul-Sul - ainda que sem qualquer proveito para o Brasil.
Num capítulo à parte, a visita de Obama ao Rio de Janeiro trará transtornos adicionais ao carioca. E não me refiro a eventuais problemas no trânsito, que certamente ocorrerão, mas ao fortalecimento da tola crença da população na “centralidade” do Rio de Janeiro, um bairrismo exacerbado e auto-suficiente que a impede de ver como a cidade se tornou decadente, suja e mal tratada. Na verdade, uma visita de um presidente americano, como a que Obama fará ao Rio, não representa nada além disso. Mas o carioca não perde a chance de superestimar a importância e o papel do Rio de Janeiro para o Brasil - e para o Universo. E isso é o que impede a cidade de progredir.
Para completar, Barack Obama será levado a uma favela, provavelmente a Cidade de Deus, como se houvesse algum mérito em mostrar a um chefe de Estado estrangeiro nossas mazelas – ainda que mazelas mal remediadas por programas como as UPPs, que, aliás, pela sua própria existência, só provam todo nosso fracasso como sociedade.
Nada a fazer. Visitar favela virou uma ridícula tradição no Rio de Janeiro, como se todo o restante da cidade fosse digna de Primeiro Mundo...



sexta-feira, 11 de março de 2011

Alemães, franceses e suas ambiguidades

Por Nilson Mello* 
              
    Quase 100 mil soldados franceses haviam morrido tentando impedir o avanço nazista em 1940, quando a França, sob a liderança do marechal Pétain, ex-herói da Primeira Guerra, decidiu firmar um armistício com a Alemanha de Hitler. Outros 250 mil estavam feridos e cerca de 500 mil já haviam sido aprisionados e enviados a campos de prisioneiros, de onde só sairiam cinco anos depois, se sobrevivessem às severas condições.

Eram militares profissionais, alguns veteranos da Grande Guerra, mas também reservistas que deixaram suas ocupações nas cidades e no campo, e suas famílias, para lutar contra os invasores.

     A esses se juntariam, nos anos seguintes, mais um milhão de franceses, enviados a campos de prisioneiros, de concentração ou de extermínio, por combater os alemães, integrando os grupos da Resistência (os maquis), por não colaborarem com a Alemanha como Berlim entendia que devessem fazer ou simplesmente por serem judeus, ciganos, eslavos, comunistas...

A população da França na época era de aproximadamente 40 milhões. O que significa que provavelmente nenhuma família francesa deixou de ter um parente ferido, morto ou aprisionado pelo regime nazista. Sem contar os amigos, vizinhos, conhecidos, empregados.

Ainda assim, Pétain entendia ser possível estar à frente de um regime fantoche, sediado em Vichy, com relativa autonomia administrativa sobre a metade sul do país, trabalhando pelos interesses da França ao mesmo tempo em que era vassalo de seus ocupantes.

     Vinho & Guerra – os franceses, os nazistas e a batalha pelo maior tesouro da França, de Don e Petie Kladstrup (Editora Zahar, 2002, 254 páginas), mostra que a credibilidade de Vichy e as ilusões criadas pelo seu ex-herói não demoraram muito a ruir.

Como seria possível degustar um bordeaux num café dos Champs Elysées como se nada tivesse acontecido, enquanto oficiais alemães circulavam pelas ruas ditando o ritmo da vida com seu “passo de ganso” e mais de um milhão de compatriotas apodreciam em prisões nazistas?

     O livro do casal Kladstrup expõe as incongruências do regime de Vichy e dos próprios franceses pela ótica dos vinicultores. Mais de 320 milhões de garrafas de vinho - relatam os autores -, alguns dos melhores rótulos e safras, foram envidas anualmente para a Alemanha durante o período de ocupação gerando imensos prejuízos para a França e seus produtores.

O confisco disfarçado do “maior tesouro da França” foi razão mais do que suficiente – se já não houvesse outras tantas - para que as grandes maisons bem como os pequenos produtores de vinho colaborassem decisivamente com a Resistência. As histórias de sabotagem, dissimulação e trapaça para esconder os melhores vinhos dos nazistas são saborosas, apesar do drama envolvido – ou talvez por isso mesmo.

Drama que chegou ao extremo nas famílias da Alsácia. A região, na fronteira dos dois países e que, ao longo da história, ora era francesa, ora alemã, foi prontamente anexada por Hitler em 1940. Não se tratava de território francês ocupado, mas, na visão germânica, da própria Alemanha. Muitas dessas famílias tinham filhos lutando em lados opostos: combatendo como voluntários, entre os aliados; e recrutados pelo Exército alemão e enviados, a contragosto, à frente russa.

 Uma vida de ambiguidades foi o que restou aos franceses naqueles difíceis anos do regime de Vichy. Pétain foi julgado como traidor ao término da Guerra. O livro não discorre sobre este capítulo e nem analisa o que passava pela cabeça do velho marechal. Não é este seu foco. Mas indiretamente nos induz a reflexões.

Pétain vislumbrou para a França derrotada militarmente uma saída política dentro de uma nova ordem mundial que, supunha, estaria por muito tempo sob a égide nazista. Contudo, não deixa de ser espantoso como um experiente militar e político pôde levar tão longe suas ilusões e, durante algum tempo, ludibriar seu povo, fazendo-o acreditar nelas. Mas os franceses não têm do que reclamar. Antes disso, do outro lado da fronteira, um grande farsante já levara o povo alemão a um pesadelo muito pior.  



Passados mais de 60 anos do fim da Segunda Guerra o que mais impressiona é justamente constatar que dois povos dos mais cultos e desenvolvidos do mundo, alemães e franceses, seguiram seus líderes em aventuras que não poderiam ter outro desfecho a não ser tragédias de grandes proporções.

Fortalecer instituições, ao invés de apostar nos líderes, desconfiando sobretudo dos mais carismáticos, pode ser um antídoto a essas tragédias.

Ver também: